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Ensinando e aprendendo na educação a distância: o uso de jogos como uma proposta didático-pedagógica no ensino da administração – um relato de experiência

Teaching and learning in distance education: the use of games as a didactic-pedagogical proposal in the teaching of the administration - a report of experience

Jhony Pereira Moraes

Escola de Negócios da FADERGS – RS/Brasil.
E-mail: [email protected] | ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1669-9181

Resumo

Este estudo objetiva relatar uma experiência didático-pedagógica em uma turma de educação técnica em uma escola privada na cidade de Canoas, região metropolitana de Porto Alegre/RS, em uma turma de 54 alunos dos cursos técnicos de Administração e Logística na modalidade semipresencial (cursos a distância com um encontro presencial por semana). A disciplina na qual ocorreu a atividade denomina-se Teoria Geral da Administração, na qual os alunos deveriam planejar e implementar jogos produzidos a partir das teorias da Administração aprendidas na disciplina. Como resultado observou-se que a proposta foi exitosa, uma vez que, além de representar um desafio para o grupo, despertou a criatividade e a responsabilidade, como também instigou ainda mais a compreensão sobre as teorias, pois os jogos foram também orientados pelos próprios alunos, os quais tiveram de saber articular a teoria sob a sua responsabilidade aos colegas. Indo além, as diferentes configurações de linguagem e organização utilizados qualificou e ressignificou a importância dos conhecimentos da disciplina, reduzindo a resistência pré-atividade e convergindo para a percepção de uma prática didático-pedagógica de valorização do alunado, de seus conhecimentos e de suas contribuições para a otimização dos encontros presenciais.

Palavras-chave: Educação a distância. Jogos. Ensino. Administração.

Abstract

This study aims to report a didactic-pedagogical experience in a technical education class in a private school in the city of Canoas, metropolitan region of Porto Alegre / RS, in a class of 54 students of the technical courses of Administration and Logistics in the semi-presence modality (distance courses with a face-to-face meeting per week). The discipline in which the activity occurred is called General Management Theory, in which students should plan and implement games produced from the theories of the Administration learned in the discipline. As a result, it was observed that the proposal was successful, since, besides posing a challenge for the group, it aroused creativity and responsibility, but also instigated even more the understanding of the theories, since the games were also guided by the own students, who had to know how to articulate the theory under their responsibility to colleagues. Going beyond, the different configurations of language and organization used qualified and reaffirmed the importance of the knowledge of the discipline, reducing the pre-activity resistance and converging to the perception of a didactic-pedagogical practice of valuing the student, his knowledge and his contributions for the optimization of face-to-face meetings.

Keywords: Distance education. Games. Teaching. Administration.

1 Introdução

Assim como a sociedade vem apresentando transformações de diferentes proporções, os atos de ensinar e aprender acompanham essa evolução e refletem a busca de novos sentidos. Na sociedade da informação em que vivemos, paradigmas são construídos e com eles emergem novos desafios e paradoxos. No campo da Educação, com o crescimento das possibilidades de acesso ao ensino e com o surgimento de novas instituições, principalmente no âmbito privado, há a necessidade de se repensar as práticas docentes, orientando-se para a construção da cidadania e a efetiva socialização do conhecimento (FÁVERO; MARQUES, 2012). Segundo Prado (2001, p. 1), “o momento requer uma nova forma de pensar e agir para lidar com a rapidez e a abrangência de informações e com o dinamismo do conhecimento”. A autora reforça ainda a necessidade de uma aprendizagem crítica, reflexiva, autônoma, criativa e colaborativa:

Evidencia-se uma nova organização de tempo e espaço e uma grande diversidade de situações que exigem um posicionamento crítico e reflexivo do indivíduo para fazer suas escolhas e definir suas prioridades. [...] Nesta perspectiva, a melhor forma de ensinar é aquela que propicia aos alunos o desenvolvimento de competências para lidar com as características da sociedade atual, que enfatiza a autonomia do aluno para a busca de novas compreensões, por meio da produção de ideias e de ações criativas e colaborativas (PRADO, 2001, p. 1).

Nesse sentido, Fávero e Marques (2012, p. 2) afirmam que aprender e ensinar são “atividades complexas, exigentes, paradoxais, questionadoras, portadoras de sentidos e significados”. Além disso, os autores fazem as seguintes indagações:

[...] qual o melhor jeito de aprender? Quando de fato há uma aprendizagem? Existem estratégias, procedimentos, didáticas que são mais eficientes que outras para que alguém aprenda melhor e com maior qualidade? Alguém que não possui interesse, curiosidade, vontade, consegue aprender? Por que alguns aprendem mais que os outros? Aprender é o mesmo que memorizar? Quando há ensino há necessariamente aprendizagem? Alguém pode dizer que ensina algo a alguém se este não quer aprender? (FÁVERO; MARQUES, 2012, p. 2).

Para Duarte (2005), o desenvolvimento e o sucesso da aprendizagem ocorrem através da correta execução de três aspectos: expectativas dos discentes, as exigências do saber e as exigências da sociedade. Ou seja, o aprender perpassa o protagonismo do educando no processo de aprendizagem e, ao docente, atribui-se a responsabilidade de criar condições para o seu desenvolvimento. Corroborando, Fávero e Marques (2012) ressaltam a importância de uma aprendizagem significativa, que una conhecimentos e vivências do aluno e agregue outros saberes.

Partindo-se da ideia de tornar o aluno protagonista de sua aprendizagem relata-se neste estudo uma proposta didático-pedagógica realizada em uma turma integrada, comportando alunos dos cursos técnicos em Administração e Logística, ofertados em uma escola privada de educação técnica na cidade de Canoas, região metropolitana de Porto Alegre (RS). A atividade ocorreu na disciplina Teoria Geral da Administração, sendo solicitada aos alunos a elaboração de jogos diversos que contemplassem as teorias administrativas aprendidas na disciplina.

Para justificar a utilização de jogos como estratégia didático-pedagógica, cita-se Pietruchinski et al. (2011), em que os jogos auxiliam no processo educativo e podem gerar uma aprendizagem significativa, desde que bem planejados e trabalhados criticamente. Na visão de Silva e Morais (2011), os jogos apresentam um valor intrínseco e unem vontade e prazer, despertando um ambiente agradável de aprendizado. Contudo, a sua contribuição no processo de educar será efetiva se haver estrutura e planejamento adequados, qualidade e orientadores preparados. De acordo com Medeiros e Schimiguel (2012, p. 2), o aspecto quantitativo do estudo deve adaptar-se “a um mundo de mudança”, levando-se em consideração “a educação não somente como uma etapa na vida do indivíduo, mas sim como um processo durante toda a sua existência”.

Moratori (2003, p. 9) contribui ao exposto ao evidenciar que o jogo propicia o desenvolvimento cognitivo afetivo, linguístico, social, moral e motor do estudante, bem como contribui para a “construção da autonomia, criticidade, criatividade, responsabilidade e cooperação”. O autor expõe também alguns objetivos indiretos dos jogos:

Memória (visual, auditiva, cinestésica); orientação temporal e espacial (em duas e três dimensões); coordenação motora visomanual (ampla e fina); percepção auditiva; percepção visual (tamanho, cor, detalhes, forma, posição, lateralidade, complementação); raciocínio lógico-matemático; expressão linguística (oral e escrita); planejamento e organização (MORATORI, 2003, p. 10).

Indo além, Moratori (2003, p. 13) apresenta as vantagens e desvantagens da prática de jogos (Figura 1).

Figura 1. Vantagens e desvantagens do uso dos jogos

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Fonte: Moratori (2003, p. 13).

Da Figura 1, no âmbito das vantagens do uso de jogos, ressalta-se a oportunidade de estímulo à criatividade, ao senso crítico, à socialização no grupo, bem como à fixação, introdução e desenvolvimento de conceitos e o desenvolvimento de habilidades. Tal destaque decorre da possibilidade de construção de uma rede de significados cognitivos, sociais, pedagógicos que se dispersa por todos os nós (os próprios alunos e sua bagagem sócio-educacional e histórica) dessa rede, uma vez que o que está em “jogo” não se reduz à assimilação de um conteúdo ou conceito, mas um emaranhado de percepções, apreensões e representações situadas no contexto do aluno, ou seja, a produção de aproximações associadas a sua vida, enquanto indivíduo social e/ou profissional.

Todavia, há de se cuidar o sentido e a contribuição dos jogos aos assuntos abordados, assim como a sua relevância para a discussão dos temas. Como destaca Moratori (2003, p. 13), alerta-se para a banalidade do jogo, onde destaca o seu caráter de “apêndice”; “a perda da ‘ludicidade’”; a ausência de um motivo para a adesão; como a possível coerção pelo docente à participação no jogo.

Visto isso, além dessa introdução, o presente estudo está organizado da seguinte forma: um breve referencial teórico sobre educação a distância e a relação professor-aluno; a metodologia de trabalho proposta; a apresentação e discussão dos resultados e, por fim, as considerações finais.

2 Educação a distância: contextualização, professor e aluno

O objetivo principal da educação, independente da modalidade de ensino adotada é a aprendizagem do educando, ou dito de outra forma, a construção do conhecimento por parte dos sujeitos envolvidos no processo. Segundo Becker (2012 p. 113), “o construtivismo refere-se à ideia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado – é sempre um leque de possibilidades que podem ou não ser realizadas”.

Tal construção pode ocorrer na sala de aula a partir das trocas entre professor e aluno, e entre alunos. Simultaneamente a essas trocas o discente modifica o que já foi aprendido, reorganizando e agregando uma nova noção, um novo conceito. No entanto, a aprendizagem também pode ocorrer em outros espaços, como por exemplo, através de vídeo conferências, a partir da participação em fóruns de discussões, chats, leituras, espaços informais, entre outros. Neste sentido, vale ressaltar a importância da aprendizagem significativa independente da referência espacial, ou seja, professor e aluno no mesmo espaço e tempo. Nesse contexto, Miras (1999, p. 61) evidencia que

Uma aprendizagem é tanto mais significativa quanto mais relações com sentido o aluno for capaz de estabelecer entre o que já conhece, seus conhecimentos prévios e o novo conteúdo que lhe é apresentado como objeto de aprendizagem. Em suma, isto quer dizer que, contando com a ajuda e guia necessárias, grande parte da atividade mental construtiva dos alunos deve consistir em mobilizar e atualizar seus conhecimentos anteriores para entender sua relação ou relações com o novo conteúdo. A possibilidade de estabelecer essas relações determinará que os significados sejam construídos de forma mais ou menos significativa, funcional e estável. (MIRAS, 1999, p. 61).

Para Behar (2009), a concepção do conhecimento na sociedade da informação é oriunda da ação do indivíduo sobre a realidade, ou seja, observa-se que o protagonismo, inserido em um ambiente cooperativo, sobrepõe a aprendizagem tecnicista como se apresentava antigamente, despertando um olhar reflexivo e renovado sobre o processo de aprendizagem. Assim, surge a necessidade de refletir sobre a contextualização da educação a distância propriamente dita, considerando que esta modalidade está em expansão e sua contribuição é de extrema relevância.

Segundo Behar (2009, p. 16), a Educação a Distância é conceituada como “forma de aprendizagem organizada que se caracteriza, basicamente, pela separação física entre professor e alunos e a existência de algum tipo de tecnologia de mediatização para estabelecer a interação entre eles”, tendo como aporte legal o decreto 5.622, que data de 19 de dezembro de 2005. Possui como características o respeito ao ritmo individual do aluno, a formação de comunidades de aprendizagem e redes de convivência (BEHAR, 2009). Apesar das distâncias físicas presentes na Educação a Distância (EaD) é possível criar proximidade relacional, afetiva e comunicacional, favorecendo assim a aprendizagem através das TIC’s (Tecnologias da Informação e Comunicação) e de metodologias adequadas (AZEVÊDO, 2002).

Outra característica relevante da EaD está na construção de espaços de aprendizado habitados por alunos advindos das mais variadas localidades e contextos culturais, trazendo à tona importantes competências a serem contempladas pelos atores da EaD (professores, tutores e alunos), como o trabalho em equipe, a relação interpessoal e a mediação pedagógica (BEHAR, 2013).

A composição de atividades assíncronas e síncronas em ambiente tecnológico de aprendizagem, que favorece a economia de tempo e recursos, garante à EaD significativa expansão em âmbito nacional e mundial. De acordo com a Associação Brasileira de Educação a Distância, o Censo de 2015 demonstrou que o perfil do aluno EaD no Brasil é predominantemente composto por adultos (entre 31-40 anos), que necessitam conciliar os estudos e o trabalho, sendo a maioria do gênero feminino (53%), contabilizando um total de mais de cinco milhões de alunos.

Indo além, a Educação a Distância é, portanto, formada por espaços heterárquicos, ou seja, cooperativos, centrados no aprendiz e na identificação e solução de problemas. Onde há a aprendizagem como resultado de um processo construtivo de natureza interativa, social e cultural (COLL; MONEREO, 2010). Neste cenário o processo educativo passa a ser orientado à aprendizagem, desvelando o cuidado de não ser somente uma entrega de conteúdo como forma de ensino virtual (BEHAR, 2009). Dessa forma, tem-se o professor como facilitador de um processo colaborativo, promovendo um ambiente que favoreça o aprendizado e o desenvolvimento do potencial dos alunos (MAY; SHORT, 2003).

Em decorrência disso, surge uma série de problematizações acerca dos atores deste processo. No primeiro momento, a reflexão tange a prática docente, ou seja, pensar em uma prática de ensino que permita uma aprendizagem eficaz é levantada como ponto importante de discussão. Qual o papel do professor virtual? Segundo Cool (2010) (apud MAURI; ONRUBIA, 2010, p. 118):

O professor é entendido como um e-moderador da construção do conhecimento por parte do aluno. O papel do e-moderador é o de projetista, promotor e mediador da aprendizagem, mais do que um especialista de conteúdo, mesmo que deva saber o suficiente sobre o tema para permitir seu desenvolvimento, marcar um ritmo ajustado ao aluno e promover desafios cuja abordagem seja viável. O e-moderador precisa receber uma formação que o capacite a comunicar-se por meio de textos escritos na tela do computador, algo que constitui o todo um gênero comunicacional e discursivo em si.

No que se refere ao sentido construtivo da prática reflexiva, Becker (2010, p. 18) situa o professor como aquele que:

[...] não apenas ensina, mas reflete sobre os resultados de suas ações didático-pedagógicas: sobre como os alunos recebem seu ensino; os retornos que fornecem; as elaborações, eventualmente originais, que apresentam nas avaliações; os motivos ou explicações que ele encontra para a não aprendizagem; as dificuldades intelectuais de toda ordem que os alunos apresentam; as explicações que constrói sobre a excelência de alguns alunos; os obstáculos não cognitivos, mas afetivos, de alguns outros. E, sobretudo, o retorno, verdadeiro feedback que faz sobre o próprio ensino, modificando-o, às vezes de forma radical.

Estes conceitos acerca do fazer docente nos permitem inferir que o professor assume um papel de agente transformador nesta modalidade e sua importância não é diminuída em virtude de tratar-se da modalidade a distância. O trabalho do professor e do tutor é árduo no sentido de promover interação, mas não impossível. Com relação ao tutor, temos:

[...] um dos sujeitos que participa ativamente da prática pedagógica. Suas atividades desenvolvidas a distância e/ou presencialmente devem contribuir para o desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem e para o acompanhamento e avaliação do projeto pedagógico (BRASIL, 2008, p. 21 apud BEHAR, p. 161).

O trabalho integrado de professor e tutor permite ao discente uma fluidez no processo de aprendizagem que denota extrema relevância nesta modalidade de ensino. Com relação ao discente na EaD, alguns pontos são levantados, tais como: pensar sobre a importância da gestão do tempo, na construção do conhecimento através de atividades síncronas e assíncronas, nas habilidades para a utilização dos ambientes virtuais e as dificuldades encontradas com as ferramentas disponíveis nos ambientes virtuais de aprendizagem.

Compreende-se que a administração do tempo é um ponto de suma importância para ambos (docente e discente). Assim evidenciamos esta afirmativa comparando-a com o ensino regular. Neste, o aluno e o professor têm seus compromissos, como por exemplo, o comparecimento às aulas, o desenvolvimento das atividades extraclasse definidos, pois, neste caso, há referência espacial. Na modalidade EaD não há essa referência, requerendo assim, organização, disciplina e autonomia para atender aos compromissos acadêmicos propostos.

Na perspectiva de Behar (2009), a aprendizagem a distância exige do aluno organização. Ao discente é requerido organização de horários, definindo os períodos em que se dedicará aos estudos. Dele espera-se dedicação, motivação e disciplina. Para alguns acadêmicos a aprendizagem a distância pode significar isolamento ou solidão, por isso, aqueles atributos são essenciais para esse modelo pedagógico (BEHAR, 2009).

Essas características já citadas tornam-se explícitas no processo de aprendizagem quando se verifica as dificuldades enfrentadas pelos educandos com relação à utilização dos espaços virtuais de aprendizagem, e, também, quando é proposto ao aluno as tarefas como a participação em fóruns, sendo esta uma atividade assíncrona. Como atividade síncrona, temos os chats de discussões, que exigem um grau de organização e até mesmo de maturidade acadêmica, devendo o aluno estar preparado para contribuir para sua própria formação.

Notare e Behar (2009) abordam que no início da EaD toda a atenção estava voltada para o professor e para os recursos tecnológicos, enquanto o aluno ficava como coadjuvante do processo. Atualmente, o aluno da EaD, ou aluno virtual, torna-se o centro das atenções. O curso, os materiais e a estrutura são organizados e pensados para o contexto do ciberespaço. Na EaD o aluno assume o papel central no processo de aprendizagem.

3 Metodologia de trabalho proposta

A atividade a ser relatada neste trabalho foi realizada em uma turma com alunos oriundos de dois cursos técnicos (Administração e Logística) oferecidos por uma escola privada de nível técnico na cidade de Canoas, região metropolitana de Porto Alegre, RS. A proposta teve como palco a disciplina Teoria Geral da Administração, onde os alunos foram desafiados a elaborar jogos que envolvessem as teorias administrativas aprendidas em aula.

Como caracterização do público participante, observa-se que se tratam de alunos que realizam tais cursos na modalidade semipresencial, isto é, eles possuem um (1) encontro semanal no período noturno, sendo as atividades da disciplina realizadas a distância. Entretanto, nos encontros presenciais é solicitada uma tarefa, com organização combinada entre a turma e o professor.

Até o momento da atividade trabalhou-se seis teorias da Administração: a Teoria da Administração Científica, a Teoria Clássica, a Teoria das Relações Humanas, a Teoria Burocrática, a Teoria Estruturalista e a Teoria Neoclássica. Todos esses conteúdos tiveram uma abordagem expositiva-dialogada prévia, bem como trabalhos teóricos foram solicitados aos discentes para revisar e reforçar a assimilação do conhecimento. Entretanto, relatos acerca da densidade teórica de tal disciplina são frequentes e, do ponto de vista do professor e de sua experiência em outras turmas, essa densidade relatada impacta no baixo rendimento dos alunos, os quais expõem múltiplas dificuldades, principalmente relativo à compreensão do conteúdo, aversão à teoria e sobreposição da atividade profissional ao estudo – interferindo em sua dedicação.

Portanto, o uso de jogos foi uma estratégia adotada como meio de aproximação dos alunos ao conteúdo, observadas as dificuldades dos discentes, assim também como uma tentativa de dinamizar o encontro com turma, pois as aulas acontecem em período noturno e a maioria dos alunos desenvolve atividade laborativa. Desse modo, os 54 alunos foram distribuídos em grupos de até oito integrantes. Após a definição dos grupos, o professor iniciou a distribuição das teorias entre os alunos, explicou a proposta de trabalho, sanou dúvidas e os orientou sobre a dinâmica da aula posterior, na qual a tarefa seria desenvolvida.

Como feedback, o professor solicitou aos discentes que respondessem a seis questões:

Quadro 1. Questões elaboradadas para aplicação aos participantes

    Qual a sua opinião acerca do uso de jogos como estratégia de aprendizagem?

    Você acredita que a aprendizagem se torna mais efetiva por meio de diferentes metodologias? Quais metodologias são mais efetivas para você?

    Qual a sua opinião sobre a participação do aluno na construção das aulas?

    Como você se sentiu ao ter que elaborar uma atividade a ser aplicada em sua turma?

    Como você avalia o engajamento da turma na atividade que você propôs?

    A que fatores você atribui a sua dificuldade de aprender e quais são as suas estratégias de aprendizagem?

Fonte: elaborado pelo autor (2018).

A partir deste momento parte-se à apresentação e discussão dos resultados.

4 Apresentação e discussão dos resultados

4.1 “Que turma criativa!”

O comprometimento do alunado foi perceptível. Jogos de diferentes concepções foram elaborados, despertando a curiosidade, o raciocínio lógico; e instigando os conhecimentos adquiridos ao longo dos encontros. Entre os jogos apresentados estão caça-palavras, quebra-cabeças, palavras-cruzadas e jogos da memória (Figuras 1 e 2, abaixo).

Figura 1. Jogos da memória elaboradores pelos alunos

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Fonte: dados da pesquisa (2018).

Figura 2. Caça-palavras com as Teorias Clássica e Burocrática da Administração

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Fonte: dados da pesquisa (2018).

Além dessas, duas outras envolvendo o grupo foram apresentadas: a primeira atividade (Figura 3) consistiu na identificação das características de determinada teoria (no caso, Teoria das Relações Humanas). No quadro foram identificadas duas placas dizendo: “Teoria das Relações Humanas” e “Outras teorias”. Na primeira rodada foram distribuídos 11 balões verdes entre os grupos formados para a confecção das atividades. No interior desses balões constava uma característica, que poderia ser ou não da Teoria das Relações Humanas. Assim, um representante de cada grupo foi chamado à frente para estourar o balão, ler a característica e identificá-la em uma das duas placas situadas no quadro. Depois da participação de todos, proferiu-se a leitura de todas as características. Os mediadores as reforçaram embasando-as e reordenando-as (somente três características definiam a Teoria Humanística). A partir disso deu-se início à segunda etapa: três balões vermelhos foram distribuídos a três alunos escolhidos aleatoriamente. Esses balões continham os princípios da Teoria das Relações Humanas aos quais aquelas características se referiam. Novamente, tais alunos tiveram de estourar os balões, ler os princípios e identificá-los corretamente em uma das três características. Ao final houve premiação aos discentes participantes da segunda etapa. Salienta-se que para o recolhimento da imagem dos alunos foi apresentado a eles um termo de autorização em que constava a finalidade dos registros de mídia, bem como informando-os que os resultados seriam lidos e discutidos com o grupo antes de sua publicação.

Figura 3. Atividade dos balões – participação de todos os grupos

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Fonte: dados da pesquisa (2018).

A segunda atividade resumiu-se em um jogo da forca sobre a Teoria Burocrática, de Max Weber. A turma toda pode participar, os mediadores liam as perguntas ou características dessa teoria à turma e quem sentia-se à vontade contribuía com o seu palpite no jogo (Figura 4).

Figura 4. Atividade da Forca – participação de todos os grupos

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Fonte: dados da pesquisa (2018).

4.2 Percepções dos alunos sobre a atividade dos jogos

A partir das questões elaboradas buscou-se verificar a percepção dos discentes participantes em relação à atividade proposta. Sobre o uso de jogos como estratégia de aprendizagem, os alunos salientaram a possibilidade de se construir uma aula com maior interação entre os integrantes da turma; dinamizada; que desperta a criatividade; e facilita a compreensão do conteúdo.

Com os jogos fica mais fácil e dinâmico aprender a matéria (ALUNO 02).

É uma excelente abordagem [uso de jogos], pois envolve interação e criatividade, que, na minha opinião, facilita o aprendizado (ALUNO 13).

Acredito ser válido, porque ajuda a desenvolver laços entre os indivíduos e agrega conhecimento aos mesmos (ALUNO 23).

Questionados se o uso de diferentes metodologias oportuniza uma aprendizagem mais efetiva, os alunos relataram que a utilização de tecnologia (jogos eletrônicos), jogos manuais, músicas e grupos de discussão são exemplos de metodologias que colaboram para a fixação dos conteúdos e auxiliam na assimilação do conhecimento.

Sim, facilita mais o aprendizado. Jogos, sistema EAD, uma tecnologia melhor [...] (ALUNO 01).

Sim, com uma aula mais dinâmica se torna mais “interessante” a matéria. Sejam elas [metodologias] jogos, músicas, grupos de discussão sobre a matéria (ALUNO 07).

Acredito que sim. Atividades dirigidas em grupos ou dupla com toda certeza torna o aprendizado mais leve e nos faz criar vínculos (ALUNO 16).

Sobre a participação do aluno na construção da aula, os discentes afirmaram que essa oportunidade despertou, por um lado, um sentimento de desafio, mas por outro, possibilitou a interação com a turma e com professor, pois essa construção de aula permite ao aluno a verificação da aprendizagem, como também a possibilidade de troca de experiências, conhecimentos e criação de vínculos, além de incentivar o exercício da comunicação, uma vez que se tem o aluno como o facilitador da aprendizagem e orientador do grande grupo.

Na sequência perguntou-se sobre o engajamento dos demais discentes às atividades propostas. Para os alunos a experiência demonstrou ser positiva, pois observou-se o comprometimento do grupo com as propostas, assim como foram bem receptivos a todas as formas de participação solicitadas. Para os discentes a atividade foi interessante no sentido de que puderam conhecer os colegas, interagir e aprender com as diferenças de cada um. Além disso, os discentes relataram que a orientação acerca dos conteúdos vindas deles mesmos somou para a assimilação dos conteúdos, visto que desenvolviam estratégias de linguagem que os aproximavam e descortinavam algumas dúvidas que surgiam ao longo dos encontros presenciais e nos estudos individuais a distância.

Por fim, interrogou-se acerca das dificuldades e estratégias de aprendizagem. De acordo com grande parte do grupo, as dificuldades de aprendizagem mais comuns resumem-se, no entendimento dos assuntos e no distanciamento dos conteúdos à prática profissional que possuem. Dessa forma, a articulação dos conteúdos, assim também a densidade teórica presente, são entendidas como um complicador para o rendimento nas aulas e para a assimilação do conhecimento. Além disso, a necessidade da prática profissional contribui ainda mais para que as dificuldades na aprendizagem sejam salientes, devido à redução no tempo de dedicação aos estudos.

Portanto, como estratégias de aprendizagem, esses alunos evidenciaram a organização de resumos, apontamentos sobre as falas do professor nos encontros presenciais, as trocas com os colegas, as pesquisas extraclasses sobre os conteúdos, assim também o estudo através de vídeo-aulas na Internet. Os discentes ainda evidenciaram que a aproximação teórico-empírica proporcionada pelo docente (exemplos envolvendo a realidade organizacional) possui contribuição significativa para a sua compreensão acerca das temáticas trabalhadas, especialmente em disciplinas de caráter teórico.

5 Considerações finais

O objetivo deste estudo foi relatar uma experiência didático-pedagógica em uma turma de educação técnica em uma escola privada na cidade de Canoas, região metropolitana de Porto Alegre/RS, turma composta por alunos dos cursos técnicos de Administração e Logística na modalidade semipresencial (cursos a distância com um encontro presencial por semana). Ao todo participaram da atividade 54 discentes de diferentes faixas-etárias.

A disciplina na qual ocorreu a atividade denomina-se Teoria Geral da Administração, ofertada para ambos os cursos técnicos. Como organização da proposta, os 54 alunos foram distribuídos em grupos de até oito integrantes, onde deveriam planejar e implementar na turma jogos produzidos a partir das teorias da Administração aprendidas na disciplina. A distribuição das teorias ficou sob responsabilidade do professor.

Como resultado observou-se que a proposta foi exitosa, uma vez que, além de representar um desafio para o grupo, despertou a criatividade e a responsabilidade, como também instigou ainda mais a compreensão sobre as teorias, pois os jogos foram também orientados pelos próprios alunos, os quais tiveram de saber articular a teoria sob a sua responsabilidade aos colegas. Indo além, as diferentes configurações de linguagem e organização utilizados qualificou e ressignificou a importância dos conhecimentos da disciplina, reduzindo a resistência pré-atividade e convergindo para a percepção de uma prática didático-pedagógica de valorização do alunado, de seus conhecimentos e de suas contribuições para a otimização dos encontros presenciais.

A partir dessa prática cabe a reflexão acerca da necessidade de revisão das metodologias aplicadas com os alunos. Ao professor fica a incumbência de agregar novos sentidos ao ensino e à Educação enquanto um objeto de transformação individual, coletiva e social. Para além do atendimento às políticas educacionais das instituições, o repensar das práticas pedagógicas são essenciais e se fazem oportunas para elevar a importância do aluno enquanto ser humano, em constante aprendizagem, fazendo dele o próprio orientador de sua aprendizagem, principalmente em ambientes tecnológicos de educação como os deste relato.

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[Recebido: Abril 11, 2018; Aceito: Setembro 05, 2019]

DOI: https://doi.org/10.18256/2447-3944.2018.v4i3.2629

Endereço correspondente / Correspondence address

Jhony Pereira Moraes

Centro Universitário FADERGS

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Centro Histórico Porto Alegre/RS, Brasil.

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e-ISSN: 2447-3944

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