2028

Racismo institucional e as oportunidades acadêmicas nas IFES

Institutional racism and academic opportunities at IFES

Leonardo Barbosa e Silva

Doutor em Sociologia. Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais, Departamento de Ciências Sociais. Uberlândia, MG, Brasil. E-mail: [email protected]

Resumo

Desde 2012, após a aprovação da Lei Federal 12.711, as universidades federais implementaram reservas de vagas sociais e raciais nos processos seletivos para ingressantes. O avanço desta medida já se encontra registrado e reconhecido como importante movimento nacional de democratização do acesso. Todavia, interessa saber sobre as condições no interior das IFES, se há maiores dificuldades para negros e negras acessarem oportunidades acadêmicas, em especial da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), constituindo aquilo que se poderia chamar de racismo institucional. Para tanto, fez-se uso de pesquisa documental, acessando a base de dados da IV Pesquisa Nacional de Perfil de Graduandos das IFES (Fonaprace/Andifes) que foi submetida a uma análise quantitativa valendo-se de software estatístico (SPSS®) e a uma análise qualitativa. De forma geral, foi utilizado o critério comparativo entre a composição demográfica nos programas acadêmicos, na instituição, no estado e no país. Como resultado, percebeu-se a manifestação de racismo institucional na distribuição das oportunidades acadêmicas nas IFES e na UFU.

Palavras-chave: Racismo institucional. Ensino superior. Ações afirmativas. Oportunidades acadêmicas.

Abstract

Since 2012, after the approval of Federal Law 12,711, federal universities have implemented reserves of social and racial vacancies in the selection processes for new entrants. The progress of this measure has already been registered and recognized as an important national movement for the democratization of access. However, it is interesting to know about the conditions inside the IFES, if there are greater difficulties for blacks and blacks to access academic opportunities, especially the Federal University of Uberlândia, constituting what could be called institutional racism. To do so, we used documentary research, accessing the database of the IV National Survey of Graduates Profile of the IFES (Fonaprace / Andifes), which was submitted to a quantitative analysis using statistical software (SPSS®) and qualitative analysis. In general, the comparative criterion was used between demographic composition in academic programs, in the institution, in the state and in the country. As a result, the manifestation of institutional racism in the distribution of academic opportunities in the IFES and UFU was perceived.

Keywords: Institutional racism. Higher education. Affirmative actions. Academic Opportunities.

1 Introdução

As manifestações de racismo no Brasil ocuparam e ocupam lugar de destaque entre os objetos de estudo das Ciências Sociais, notadamente no legítimo e necessário esforço de caracterizar sua forma específica e alimentar políticas públicas de ações afirmativas capazes de romper com o legado e o presente de desigualdade, preconceito e discriminação. Desde os anos 1980, os estudos sobre desigualdade têm consolidado as teses de que as desigualdades sociais entre brancos e negros se devem a diferenças de oportunidades e diferenças de tratamento, que as maiores desigualdades aparecem entre brancos e pardos e brancos e pretos e que, por fim, que se tem produzido um ciclo cumulativo de desvantagens que amplia a distância entre brancos e negros (GUIMARÃES; HUNTLEY, 2000, p. 23-24). Quando as atenções das pesquisas encontram o terreno fértil da educação, percebem com clareza os déficits de oportunidades de acesso, não por outra razão apontam para as cotas como mecanismo de compensação importante no universo das ações afirmativas.

Merece o registro que desde os anos 1990 várias Instituições de Ensino Superior (IES) adotaram as reservas de vagas ou sistemas de bonificação para alterar a composição étnico-racial de seu corpo discente com o objetivo de torná-la mais próxima da distribuição regional ou nacional. Bem como, a partir de 2012, com a promulgação da Lei Federal 12.711 (BRASIL, 2012b), todas as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) adotaram, de forma gradativa ou não, as cotas sociais e raciais como critério de ingresso de discentes. Este processo coincidiu com a expansão do ensino público federal, responsabilizando-se por um novo perfil discente das IFES, mais negro, mais popular e mais feminino, tal como comprova a IV Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos Graduandos das IFES (FONAPRACE/ANDIFES, 2016). A novidade posta representa um enorme avanço na direção de tornar mais equânimes as políticas educacionais do país. São milhares de discentes negros e negras que mergulharam anualmente num universo acadêmico recheado de oportunidades de ensino, de pesquisa e de extensão, entrecortado por possiblidades de formação humana, cultural e profissional qualificada.

No entanto, ainda são raros os estudos sobre a distribuição de ou o acesso a tais oportunidades levando em consideração o perfil étnico-racial. Mesmo que haja a presunção de que o terreno universitário seja permeado por maior crítica social, sobretudo no campo das relações étnico-raciais, interessa a esta pesquisa contrapor tal presunção aos dados de realidade. Para tanto, seria necessário atentar para as condições de permanência e conclusão de negros e de negras dentro das IFES, particularmente dentro da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Por esta razão, este artigo deseja saber se há estatisticamente maiores dificuldades para negros e negras acessarem oportunidades acadêmicas no interior de uma Universidade Federal do que outros grupos étnico-raciais. Dito de outro modo, o que se intenta é constatar se a sociedade internalizou nas instituições [de ensino superior] a produção de desigualdades, ainda que sem o suporte da teoria racista de intenção (DE SOUZA, 2011, p. 3), constituindo aquilo que se poderia chamar de racismo institucional.

Por racismo institucional entende-se aquele racismo que opera nas estruturas de organização da sociedade e nas instituições. Assim, pode ser definido, a exemplo do que o fez Lopez baseando-se no relatório britânico Macpherson, como sendo

[…] o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações (LÓPEZ, 2012, grifos meus).

Sua existência já foi relatada em um conjunto de estudos acerca da prática institucional nas áreas da saúde (KALCKMANN et al., 2007), da segurança (AMAR, 2005), da justiça (SALES JÚNIOR, 2009), entre outras. Na educação, em especial no ensino superior, parte considerável dos estudos foca-se nas condições de acesso à universidade. O artigo em tela, por seu turno, preocupa-se diferentemente com as condições de acesso às oportunidades no interior das IFES.

Com efeito, a produção de ofertas seletivas de bens ou serviços, cujo critério racial determine o acesso aos mesmos, constitui o fenômeno do que se tem por hipótese estar presente nas mais diversas oportunidades acadêmicas presentes na UFU. Não obstante a disponibilidade em editais reforce os princípios da universalização do direito ou da seleção por mérito, o racismo institucional – operando por estereótipos racistas, falta de atenção ou ignorância, como afirma Lopez (2012), tal como os dados indicam, instala-se nos programas coordenados pelas pró-reitorias de graduação, extensão e pós-graduação e pesquisa. Sua presença priva seletivamente discentes não só comprometendo seu acesso aos serviços e aos direitos, mas também, e por isso mesmo, contribui para a perpetuação de uma condição estruturante de desigualdade em nossa sociedade.

2 Metodologia

Para lograr o objetivo desejado, a pesquisa utilizou os microdados da IV Pesquisa de Perfil dos Graduando das IFES (FONAPRACE/ANDIFES, 2016), com coleta realizada no final de 2014 e início de 2015. Por meio de seus dados, foi feito o levantamento quantitativo do percentual de presença de negros(as) da UFU em programas ou atividades acadêmicas. Serão utilizadas duas variáveis de avaliação: a) a participação em oportunidades acadêmicas de ensino, pesquisa e extensão (Empresa Jr, PIBID, monitoria, PIBIC, PET, bolsas de extensão, estágio etc.) e b) a participação em programas de mobilidade acadêmica (nacional e internacional), como elementos que se apresentam como oportunidades acadêmicas. Obviamente, a hipótese central aponta que se negros e negras participam proporcionalmente menos de projetos e atividades centrais para a formação acadêmica e profissional com qualidade, emergindo um forte indício de que existem mecanismos de separação e exclusão, correspondendo ao que se chama de racismo institucional.

Importa, contudo, precisar o critério de comparação para se aferir a proporcionalidade da participação negra nos programas e nas atividades. Há duas balizas que serão empregadas e cada uma delas tem sua importância particular. Inicialmente, o primeiro critério de comparação ou primeira baliza será composição demográfica racial do estado de Minas Gerais.

A justificativa para a escolha deste recorte deve-se ao fato de que a Lei Federal 12.711/12, que instituiu as cotas sociais e raciais como critério de acesso ao e ingresso no ensino superior federal, também esclareceu que a quantidade de vagas para cotas raciais variaria na proporção da composição étnico-racial de cada estado membro da federação (BRASIL, 2012b). Isto significa que o processo legislativo responsável pelo preceito supracitado entendia que a composição racial ideal de cada uma das IFES deveria espelhar a composição racial do estado em que as mesmas se encontram, para que elas não representem ilhas brancas ou ilhas de exclusão. Deste modo, optou-se na pesquisa, por avaliar a presença negra nos programas acadêmicos à luz do critério da Lei 12.711/12, para aferir se a UFU é justa racialmente ao distribuir o acesso às oportunidades acadêmicas.

Entretanto, também seria válido observar que a própria universidade possui uma composição demográfica racial particular que, mesmo com as cotas implementadas desde 2013, ainda pode não refletir a composição do próprio estado. Por esta razão, lançou-se mão do segundo critério de comparação ou segunda baliza. Trata-se da composição demográfica racial da própria instituição. Assim sendo, poder-se-á observar se, ignorando a composição mineira, as oportunidades acadêmicas ao menos são aproveitadas pelos(as) discentes na proporção racial de sua participação presencial no todo do corpo de estudantes.

Ambas as balizas são fortes o suficiente para comprovar a presença de indícios de racismo institucional da UFU. E, para facilitar a visualização do fenômeno, optou-se por criar índices de distribuição seletiva de vantagens (IDSV) responsáveis por indicar a desproporção na presença negra nos programas acadêmicos. Para tanto, se produzirá a razão entre a participação racial num programa específico e a participação racial no estado de Minas Gerais para obter IDSV-MG e a razão entre a participação racial num programa específico e a participação racial no corpo discente da UFU para obter IDSV-UFU. Deste modo, quanto mais o índice se aproximar de “1”, menor é a desproporção na distribuição de vantagens entre grupos raciais. E ao contrário, quanto mais o índice se afastar de “1”, maior é a desproporção na distribuição de vantagens entre os grupos raciais.

Será interessante, como se pode presumir, estabelecer comparações em relação a todas as composições demográficas possíveis, algumas delas serão tratadas com mais vagar neste artigo, outras serão menos esmiuçadas em virtude do escopo escolhido. Assim, importa adiantar que os dados sobre composição demográfica nacional, estadual ou municipal a serem utilizados serão extraídos do Censo do IBGE ou da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD).

3 Expansão, cotas e o novo perfil discente

Saviani (2010) reconhece que os anos 2000 foram marcados por expansões de vagas e instituições públicas. Os números podem ser atestados no próprio estudo realizado pela Comissão Análise da Expansão das Universidades Federais – 2003 a 2012 - constituída pela Portaria 126/2012, na qual se percebe um crescimento no intervalo proposto de mais de 100% de incremento no número de vagas ofertadas entre 2003 e 2011.

O crescimento do número de vagas tem relação direta com a abertura de novas instituições federais de ensino superior. Foram criadas 19 IFES1 no período de 2005 a 2013, contemplando as quatro regiões do país (BRASIL, 2014).

Sabe-se hoje que houve um crescimento de 40% do número de universidades federais no país no intervalo temporal analisado, com percentual mais significativo na região Sul (83%), seguida da região Nordeste (50%). Para além da abertura de novas instituições, deve-se tomar por certo que a expansão se deu igualmente na multiplicação dos campi, levando para territórios não metropolitanos unidades avançadas das IFES. Em termos de novos campi abertos no mesmo processo de expansão, esses eram 148 em 2002, alcançando 321 em 2013, com crescimento de 116%. Em termos regionais, o Nordeste (200%) e o Norte (133%) lideraram a expansão (BRASIL, 2014).

Movimento semelhante pode ser observado nos indicadores que apresentam a variação no quantitativo de cursos, vagas e matrículas. No que tange aos cursos, todas as regiões apresentaram um crescimento impressionante, com a ampliação superior a 100%, exceto a região Norte (49%). O mesmo raciocínio vale para as novas vagas abertas. Para o caso das matrículas, as regiões Sul (107%), Sudeste (97%) e Nordeste (91%) capitaneiam a expansão.

Tabela 1. Expansão de indicadores acadêmicos na educação superior
– universidades federais – por região 2002-2013

Cursos

Vagas

Matrículas

2002

2013

%

2002

2013

%

2002

2013

%

Norte

478

714

49%

16.755

30.094

80%

76.779

128.228

67%

Nordeste

583

1.299

123%

33.587

75.052

123%

147.464

281.421

91%

Sul

286

951

233%

17.152

42.241

146%

75.985

157.206

107%

Sudeste

430

1.332

210%

32.509

71.502

120%

139.641

275.687

97%

Centro-oeste

270

571

111%

13.260

27.044

104%

60.590

89.721

48%

Fonte: (BRASIL, 2014).

De acordo com Cepêda e Marques (2012), esse movimento expansionista reflete o mergulho do país no novo arranjo político-econômico chamado “novo desenvolvimentismo”. Deve-se ter claro que os investimentos foram orientados para romper com a lógica pretérita e, em razão disto, buscou contrapor-se à concentração de IFES em regiões metropolitanas, de maior poder aquisitivo e maiores indicadores socioeconômicos. Com efeito, foram contempladas as regiões com grande densidade demográfica e baixa cobertura universitária pública, mais afastadas e com demandas específicas de cursos de licenciatura ou regiões de fronteira com características de integração e escoamento regional. Além disso, foram considerados os papéis de internacionalização e integração interna e externa ao distribuir espacialmente os campi. Merece nota a função desempenhada pela UNILA, UNILAB, UFFS e UFOPA (BRASIL, 2012a).

Deslocando o olhar sobre a expansão das IFES do cenário nacional para o cenário local, perceberemos que Universidade Federal de Uberlândia acompanhou tais transformações, sendo sensível aos programas de expansão e aos novos modelos de ingresso no ensino superior. Valendo-nos dos anuários da UFU e do Censo da Educação Superior do INEP, percebemos alterações significativas no número de cursos, matrículas e vagas.

Em 2003 havia 35 cursos de graduação na UFU e em 2015 a instituição alcançou 90, um crescimento de 157%. No que tange ao número de matrículas no período em análise, o crescimento foi da ordem de 70,6%. Por fim, em termos de vagas abertas, a UFU saiu de 2.225 unidades, para 4.868, um incremento de 118%.

Além da expansão, deve-se também dar destaque ao impacto da Lei Federal 12.711/2012, conhecida como lei de cotas (BRASIL, 2012b), sobre as universidades federais. Para tanto valeria recorrer à IV Pesquisa de Perfil dos(as) Graduandos(as) das IFES (FONAPRACE/ANDIFES, 2016).

Atesta o estudo que as IFES são hoje mais negras. Em 2003, autodeclarados(as) brancos(as) somavam 59,4% da população dessas instituições, em 2010 esse índice caiu para 53,93% e em 2014/5 reduziu para 45,67%. Na tendência oposta, autodeclarados(as) pretos(as) têm crescido em participação nas IFES na respectiva cronologia de 5,9%, para 8,72% e 9,82%. Pardos(as), na mesma trajetória, foram de 28,3% para 32,08 e em 2014/5 para 37,75%. Em outras palavras, 47,57% dos(as) estudantes das IFES são negros(as). Em valores absolutos, quase triplicaram sua participação, comprovando o sucesso das políticas de democratização do acesso e das cotas.

Entretanto, ao que se pode constatar, além de enfrentar a questão racial no seu acesso, as IFES também o tem feito no aspecto da renda, uma vez que 66,19% de seus discentes vivem com renda per capita média familiar de até 1,5 salário mínimo, sendo que 31,97% vive com até 0,5 salário mínimo, e 21,96% vive com renda entre 0,5 e 1 salário mínimo. Dentro do perfil de vulnerabilidade social e econômica, os(as) discentes que vivem com até um salário mínimo representam 81,47%. Constata-se aqui um efeito explosivo e bem-vindo das cotas sobre o ingresso daqueles que possuem níveis de renda mais baixos, que levou a média de renda per capita dos discentes para R$ 916,80, com destaque para a média das regiões Norte e Nordeste que não superam os R$ 717,00.

Lembremos ainda que o corte de 1,5 salários mínimos é o mesmo que o Decreto do Programa Nacional de Assistência Estudantil (BRASIL, 2010) estabelece para cobertura de seu público alvo e em situação de vulnerabilidade social e econômica. Em outras palavras, dois de cada três estudantes encaixam-se no perfil vulnerável, um valor até 50% maior do que aquele registrado na pesquisa feita em 2010. Em que pese este cenário nacional, deve-se atentar também para o fato de que regionalmente as proporções são ainda maiores, pois nas regiões Norte e Nordeste este percentual chega aos 76%.

Por outro lado, há enorme riqueza e diversidade no perfil encontrado, em boa medida reproduzindo outras lógicas de desigualdade para além das registradas para o marcador racial e renda. Fala-se aqui das desigualdades de gênero. As IFES continuam fundamentalmente femininas, com 52,7% de seu público. No entanto com discrepâncias evidentes no que tange às suas rendas, ou seja, em média uma discente das IFES tem renda per capita de até R$ 835,00, enquanto um discente aufere R$ 1.007,00. Decompondo este quadro de renda pelo corte cor ou raça, percebemos que as estudantes pardas possuem renda per capita média mensal familiar de R$ 695,00, enquanto autodeclaradas pretas R$ 605,00, quilombolas R$ 489,00, indígenas não-aldeadas R$ 583,00 e indígenas aldeadas R$ 463,00.

Outra constatação importante diz respeito à origem escolar do público pesquisado. Deve-se ter claro que a maioria (60,16%) fez toda sua trajetória da educação básica integralmente na rede pública, destacando que quanto mais recente for o ingresso, maiores são os valores alcançados, sendo que aqueles(as) que ingressaram após 2013 já correspondem a 64,53% de estudantes com vida escolar exclusiva em instituições públicas.

Compreende-se, inicialmente, que nunca a Universidade refletiu tanto a composição social da população brasileira, nunca se pareceu tanto com o perfil do país e sua diversidade. Num ritmo mais lento, mas também deixando claros os novos matizes da composição do corpo discente da Universidade Federal de Uberlândia, a Pesquisa de Perfil dos Graduandos da UFU (FONAPRACE/ANDIFES, 2015) revelou algo parecido à sua congênere nacional.

Observando o quantitativo de discentes que se encontra no perfil do público alvo do PNAES por cidade onde a UFU possui seus campi, constata-se que Uberlândia possui 61,1% de seus estudantes vivendo com até 1,5 salários mínimos, enquanto Ituiutaba possui 90,2%, Patos de Minas 87,3% e Monte Carmelo 94,5%. Valores alarmantes e desafiadores. Descendo ao nível do detalhamento, vê-se que Uberlândia possui seu público discente com renda de até 0,5 salário mínimo, isto é, aqueles(as) que apresentam maior vulnerabilidade, na faixa dos 19,3%, Ituiutaba com 39,7%, Patos de Minas com 29,4% e Monte Carmelo com 42,9%.

A variável “sexo” também foi utilizada na pesquisa e demonstrou que nos Campi de Uberlândia e Ituiutaba a proporção de mulheres (53% e 63%, respectivamente) é maior do que a proporção de homens (47% e 37% respectivamente). Nos demais casos não se pode afirmar que há diferença nas estimativas das proporções de mulheres e homens. Todavia, deve-se dar destaque ao fato de que a renda familiar mensal per capita média dos graduandos é superior à das graduandas.

No tocante ao perfil étnico racial, vê-se grande predomínio de graduandos(as) que se autodeclaram brancos(as) (56%) no total. Em seguida, no total dos(as) graduandos(as), aparecem os que se autodeclararam pardos(as) (28,6%), pretos(as) (6,5%), amarelos(as) (2,2%) e indígenas (0,2%). Os(as) que não declararam cor ou raça totalizam 6,4%. Ao se fazer o cruzamento entre os dados de renda e de cor da pela/raça, foi possível detectar que: não há diferença na renda familiar mensal per capita média entre brancos(as) e amarelos(as); brancos têm renda familiar mensal per capita média superior à de índios(as), pardos(as) e pretos(as); amarelos(as) têm renda familiar mensal per capita média superior à de pardos(as) e pretos(as); e pardos(as) têm renda familiar mensal per capita média superior à de pretos(as).

Retornando à narrativa descritiva do novo perfil discente da UFU, constatou-se que a maioria dos(as) graduandos(as) relatou ter feito o ensino médio somente em escola pública. Porém, na comparação entre veteranos e ingressantes, esse percentual passou de 54% para quase 70% dos ingressantes, o que configura um aumento de 16 pontos percentuais.

Em síntese, como se pode observar nas duas pesquisas, é notório que o perfil dos discentes das IFES, em geral, e da UFU, em particular, mostra uma nova configuração portadora de feições mais próximas à realidade nacional, isto é, mais negra e popular.

4 Mecanismos institucionais e silenciosos de exclusão das oportunidades acadêmicas

Tal como havia sido anunciado, depois de expostos o processo de expansão recente das IFES e a mudança do perfil discente, encaminha-se agora para a análise dos dados acerca da lógica de distribuição de oportunidades acadêmicas ofertadas aos(às) discentes da UFU a partir de uma perspectiva racial. Serão analisadas as composições demográficas dos programas acadêmicos disponíveis na UFU, sem perder o referencial médio das demais IFES brasileiras, desenvolvidos para o público interno e no âmbito da própria instituição, ou desenvolvidos nas instituições “irmãs” no Brasil (mobilidade nacional) ou noutros países (mobilidade internacional).

No rol de oportunidades desenvolvidas no âmbito da própria instituição, encontram-se atividades importantes para a formação profissional (como as Empresas Juniores2 e os estágios3), para o desenvolvimento do ensino (como as monitorias4 e programa de incentivo à docência5), para o desenvolvimento da pesquisa (como as bolsas de iniciação científica6), para o desenvolvimento da extensão (como as bolsas de extensão7) e, por fim, os Programas de Educação Tutorial8 (PET) que podem condensadamente abarcar atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Todas elas, sem exceção, recrutam discentes por meio de processo seletivo ou edital, valendo-se de critérios meritocráticos a partir dos quais se faz a escolha de candidaturas, e estas, por seu turno, sustentadas em documentos comprobatórios do mérito como projetos, histórico escolar ou currículos. Isto posto, como se pode perceber, não há quaisquer impedimentos evidentes nos documentos de chamada para recrutamento que excluam, a priori, negros e negras das seleções.

Entretanto, quando se observa a composição dos coletivos discentes em cada um dos programas acadêmicos da UFU, salta aos olhos uma distribuição distinta daquela que representa a diversidade racial de todo o corpo discente desta universidade. E este será o critério de análise utilizado no artigo. O percentual de participação de cada grupo étnico-racial dentro de um programa acadêmico será comparado com a composição étnico-racial da UFU e de Minas, assim quanto mais próximos estiverem os percentuais de participação nas atividades acadêmicas em relação aos percentuais de participação na composição populacional, maior é a identidade entre os universos e menor a incidência de racismo institucional.

A partir da tabela 2 é possível tecer reflexões que confirmam a hipótese do trabalho. Inicialmente deve-se destacar que as últimas colunas descrevem a composição demográfica da UFU, da cidade de Uberlândia, do estado de Minas Gerais e do país.

Tabela 2. Composição demográfica de estudantes nos programas acadêmicos da UFU
por cor ou raça e composição demográfica da UFU, de Uberlândia,
de MG e do Brasil em 2014/2015

Cor ou raça

Empresa Júnior (%)

Ensino (%)

Estágio (%)

Extensão (%)

Pesquisa (%)

PET (%)

Total

UFU (%)

Total Uberlândia (%)

Total

MG (%)

Total

Brasil (%)

SD*

16,0

7,7

6,4

7,9

4,6

7,1

6,4

0,0

0,0

0,0

Amarela

0,0

1,5

3,4

0,0

2,8

0,0

2,2

1,1

0,9

0,9

Branca

48,0

49,2

57,8

58,7

65,8

57,6

56,0

55,8

45,4

45,5

Parda

30,0

32,3

26,4

23,8

22,4

29,3

28,6

34,5

44,3

45,0

Preta

6,0

9,2

5,8

9,5

4,3

5,1

6,5

8,3

9,2

8,6

Indígena

0,0

0,1

0,3

0,1

0,1

1,0

0,3

0,1

0,1

0,9

Total

100

100

100

100

100

100

100

100

100

100

Fonte: elaboração própria a partir da base de dados da Pesquisa de Perfil dos Graduandos das IFES (FONAPRACE/ANDIFES, 2016), Censo 2010 (IBGE, 2010).

*Sem declaração.

Parte-se da constatação de que brancos e brancas encontram-se super-representados(as) em todas as atividades acadêmicas quando a baliza é a distribuição demográfica da população mineira e, portanto, quando o critério de comparação é aquele previsto pela Lei de Cotas. Em média, quem se declarara branco ou branca ocupa 56,18% das vagas em atividades acadêmicas da UFU, correspondendo a um patamar de quase 11 pontos percentuais acima da distribuição da população branca na população de MG, que se encontra em 45,4%. Deve-se dar relevo também ao fato de que a atividade em que brancos e brancas possuem participação com maior desvio é a atividade de pesquisa, na qual ocupam 65,8% das vagas e se distanciam em mais de vinte pontos percentuais do parâmetro utilizado. Note-se também que brancos e brancas possuem uma distribuição nas atividades acadêmicas de extensão e PET similar à população de Minas, encontrando-se sub-representados(as) nas atividades de ensino e empresa juniores e super-representados em pesquisa.

Não se pode deixar de dar importância ao fato de que as atividades de ensino, pesquisa e extensão possuem reconhecimento e status diferentes no interior das IFES. Não obstante vários esforços sejam feitos para dar igualdade ao tripé que sustenta a prática universitária, o universo da pesquisa é especialmente destacado. Assim sendo, discentes autodeclarados brancos(as) são desproporcionalmente mais representativos, sobretudo na atividade acadêmica de maior status no ensino superior.

Observando a participação de estudantes pardos(as) nas atividades acadêmicas, constata-se que são, em média, 27,3% nos programas, isto é, dezessete pontos percentuais mais baixos do que sua participação na população mineira, tendo como loci de maior presença os programas de ensino e os de menor presença os programas de pesquisa. Importa salientar que nos programas de ensino estão compreendidas atividades como PIBID e monitoria.

Por seu turno, quando os holofotes se dirigem para a população preta, em média representam 6,6% das vagas nas atividades acadêmicas oportunizadas pela UFU, quando são 9,2% da população mineira, o que significa um déficit de 2,55 pontos percentuais ou quase 30% a menos de participação. A exemplo do que acontece com pardos(as), a participação mais desproporcional ou desviante ocorre justamente nas atividades de pesquisa, quando chegam a menos da metade de sua representação devida. No entanto, quem capitaneia a maior representação são as atividades extensionsistas, seguidas de perto das atividades de ensino, registrando que supera, inclusive, os 9,2% de população autodeclarada preta em MG.

Não obstante exista uma única atividade em que a presença negra (parda e preta) supera os patamares desejáveis na qual o critério de comparação é a distribuição demográfica mineira, é preciso que se reforce que: 1) negros e negras encontram-se sub-representados(as) em quase todas as atividades acadêmicas que a UFU disponibiliza aos(às) discentes; 2) a sub-representação é, em média, superior a 30%, chegando a casos de 50%; 3) a sub-representação ocorre preferencialmente nas atividades de pesquisa, cuja importância e status as distingue positivamente das demais atividades.

Vencida a primeira baliza, deve-se agora partir para a segunda, qual seja, as comparações de representações populacionais a partir da distribuição demográfica da UFU. Inicialmente, observa-se que a população discente branca continua sobre-representada em quase todas as oportunidades, excetuando Empresa Júnior e Ensino. Nas atividades de estágio, extensão e PET, sua participação se aproxima da distribuição geral de brancos e brancas na universidade. Entretanto, novamente, a atividade de pesquisa destaca-se como aquela que reúne a maior desproporcionalidade.

Quando se trata da participação de negros e negras, pode-se dizer que pardos e pardas encontram representação próxima àquela da sua composição na UFU para as atividades de empresa júnior e PET, com sobre-representação em atividades de ensino e sub-representação em estágio, extensão e pesquisa. Já quem se autodeclarou negro ou negra encontra-se sobre-representado em atividades de ensino e extensão, com sub-representação em todas as demais atividades, com destaque recorrente na área da pesquisa.

Portanto, ainda que se utilize o critério da distribuição demográfica da UFU que é, como bem visto, escancaradamente mais branco, mais injusto e mais discriminatório, e por isso mesmo o parâmetro seria mais baixo permitindo que a participação de grupos vítima de discriminação ficasse menos evidente, negros e negras são sub-representados na maioria das oportunidades acadêmicas.

A grandeza da sobre ou da sub-representação pode ser verificada mais facilmente se utilizarmos os Índices de Distribuição Seletiva de Vantagens (IDSV), tanto para MG, quanto para a UFU. Recordando, esses índices nada mais são do que a razão entre a participação do grupo racial em uma oportunidade acadêmica e sua participação na população, indicando porcentagem, sendo que quanto mais próxima de “1”, mais idealmente representada.

Perceba que, tal com demonstra a tabela 3, as posições que são iguais ou superiores a “1” (em cor preta) indicam representação ideal ou sobre-representação, o que ocorre com a população branca em todos os quesitos, com uma variação de desvio que vai de 6% até 45%. Para a população negra, as posições iguais ou superiores a “1” são minoritárias, e a imensa maioria (abaixo de “1” e em negrito) varia de seu pico em 73% de participação ao vale de 47%.

Tabela 3. Índice de Distribuição Seletiva de Vantagens (IDSV) para discentes
da UFU por cor da pele com referência
à população de MG

Cor ou raça

Empresa Júnior

Ensino

Estágio

Extensão

Pesquisa

PET

Branca

1,06

1,08

1,27

1,29

1,45

1,27

Parda

0,68

0,73

0,60

0,54

0,51

0,66

Preta

0,65

1,00

0,63

1,03

0,47

0,55

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados da Pesquisa de Perfil dos Graduandos
das IFES (FONAPRACE/ANDIFES, 2016), Censo 2010 (IBGE, 2010).

Quando se utiliza o IDSV-UFU, como se poderia imaginar, as diferenças entre o ponto ideal e os patamares reais diminuem e têm-se índices com desvios menores, como comprova a tabela 4. Nela se vê que a sub-representação branca encontra-se em patamares muito próximos de 90% e que a sobre-representação em programas de pesquisa alcança quase 20%. Para pardos (as), os desvios encontram-se próximos de 10% para cima e para baixo, menos para a área de pesquisa e extensão. Por fim, para negros(as) as sobre-representações, como já destacado, aparecem nas atividades de extensão e ensino em patamares que superam os 40%, todavia com sub-representações próximas a 90% em empresa júnior, estágio e PET, restando à pesquisa o desvio mais incisivo.

Tabela 4. Índice de Distribuição Seletiva de Vantagens (IDSV) para discentes
da UFU por cor da pele com referência
à população da UFU

Cor ou raça

Empresa Júnior

Ensino

Estágio

Extensão

Pesquisa

PET

Branca

0,86

0,88

1,03

1,05

1,18

0,86

Parda

1,05

1,13

0,92

0,83

0,78

1,05

Preta

0,92

1,42

0,89

1,46

0,66

0,92

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados da Pesquisa de Perfil dos Graduandos
das IFES (FONAPRACE/ANDIFES, 2016), Censo 2010 (IBGE, 2010).

É bem verdade que esta realidade de racismo institucional na distribuição seletiva das oportunidades acadêmicas estudadas não está circunscrita exclusivamente aos muros da UFU. Ela também marca sua existência nas demais IFES do país. Acessando a mesma base de dados de onde se extraiu as informações para as reflexões até aqui, também é possível replicar a metodologia para compor um cenário nacional das oportunidades acadêmicas e seu perfil acesso. Se aplicarmos o IDSV para as IFES, tomando por baliza a composição demográfica das próprias instituições de ensino, percebe-se que a população discente branca apresenta IDSV próximos ou levemente superiores a “1” para a totalidade dos programas como Empresa Jr (1,24), ensino (1,02), estágio (1,10), extensão (1,02), pesquisa (1,13) e PET (1,07). Já os (as) pardos (as) encontram-se com seus IDSV todos abaixo de “1”, com a maioria das atividades acadêmicas com índice deficitário em aproximadamente 10%, exceção feita à Empresa Jr (0,80) e pesquisa (0,87). Por fim, os (as) pretos (as) possuem três atividades (ensino, extensão e PET) com valores levemente superiores a “1” e as atividades tais como Empresa Jr (0,70), estágio (0,95) e pesquisa (0,85) abaixo do ponto de equiparação.

Vê-se, portanto, que o racismo institucional também atua nas IFES distribuindo seletiva e injustamente as oportunidades acadêmicas. Contudo, é preciso ressalvar três aspectos importantes: a) que o desvio ou a desproporcionalidade são menores do que aqueles apresentados na UFU; b) que a atividade de pesquisa continua a merecer destaque em razão de seus desvios elevados, mas para as IFES perdendo espaço para a Empresa Jr como a que registra os menores índices; e c) que os(as) pardos(as) nacionalmente possuem índices abaixo de “1” em todos os quesitos, algo que não se percebe na avaliação da UFU quando a baliza é a própria população discente.

Quando se alteram os critérios de comparação e a distribuição das oportunidades é confrontada com a composição demográfica do país, outros dados relevantes saltam aos olhos. Novamente discentes brancos(as) possuem IDSV iguais ou superiores a “1”. Seus índices são muito próximos daqueles gerados quando a baliza é a população discente interna, com variações mais dilatadas para Empresa Jr (1,22) e pesquisa (1,12). Para pardos (as) registra-se novamente índices menores do que “1” em todas as atividades, destacando que nesta oportunidade os valores se afastam mais do ponto de equiparação para Empresa Jr (0,69), ensino (0,82), estágio (0,78), extensão (0,82), pesquisa (0,75) e PET (0,77). Por seu turno, os(as) pretos(as) apresentaram índices superiores aos(às) pardos(as), com desempenho positivo em ensino (1,24), estágio (1,08), extensão (1,15) e PET (1,20), reservando para Empresa Jr (0,80) e pesquisa (0,97) os índices inferiores. Veja-se que, para a baliza mencionada, os desvios são maiores e comparativamente mais intensos para discentes da população parda.

Crê-se que os dados capturados dão sustentação à hipótese de que existe racismo institucional na UFU, especialmente na distribuição das oportunidades acadêmicas e, ao que tudo indica, com intensidade superior às médias nacionais. Entretanto, há outras oportunidades acadêmicas que são oferecidas a discentes cujas realizações ocorrem noutras IFES, dentro ou fora do país. Aqui se refere aos programas de mobilidade nacional e internacional. Os programas de mobilidade internacional da UFU são geridos pela Diretoria de Relações Internacionais e interinstitucionais (DRII) e regulamentados por convênios bilaterais estabelecidos entre a UFU e várias universidades do mundo. Na página eletrônica da DRI I (UFU, 2013) é possível reconhecer que os critérios de acesso ao programa são meritocráticos, passando por testes de proficiência na língua do país para o qual se deseja realizar os estudos, além de avaliação do Coeficiente de Rendimento Acadêmico e de currículo Lattes, para consideração de participação em outros programas acadêmicos (PET, Empresas Jr, iniciação científica, estágio, monitoria etc.). A mobilidade nacional está vinculada aos programas ANDIFES ou Santander. Regulamentados por resolução da própria instituição, requer do(a) discente um número máximo de duas reprovações no curso e a apresentação de desempenho acadêmico para sua aprovação em processo seletivo.

Sem alterar a metodologia até agora utilizada, deve-se seguir a análise da tabela 5 que traz a distribuição racial de participantes de programas de mobilidade e a mesma composição demográfica racial das populações da UFU, de Uberlândia, de MG e do Brasil. Quando se vale da baliza utilizada pela Lei Federal 12.711/12, isto é a referência de justiça racial para distribuição de vagas em IFES seria a composição demográfica de cada estado da federação, vê-se logo que brancos e brancas são 45,4% da população mineira, mas discentes de mesma cor ocupam 47,1% das vagas de mobilidade nacional e 67,9% das vagas de mobilidade internacional. Como se pode perceber, há uma participação próxima à proporcional para o caso da mobilidade nacional e uma participação muito desproporcional para o caso da mobilidade internacional, superando vinte pontos percentuais de diferença.

Tabela 5. Participação de discentes da UFU em Programa de Mobilidade Estudantil
por raça ou cor da pele e composição demográfica da UFU, Uberlândia, MG e Brasil

Cor ou raça

Mobilidade nacional (%)

Mobilidade internacional (%)

Total UFU (%)

Total Uberlândia (%)

Total MG (%)

Total Brasil (%)

SD*

5,9

10,3

6,4

0,0

0,0

0,0

Amarela

0,0

0,0

2,2

1,1

0,9

0,9

Branca

47,1

67,9

56,0

55,8

45,4

45,5

Parda

41,2

20,5

28,6

34,5

44,3

45,0

Preta

5,9

1,3

6,5

8,3

9,2

8,6

Indígena

0,0

0,0

0,3

0,1

0,1

0,9

Total

100

100

100

100

100

100

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados da Pesquisa de Perfil dos Graduandos das IFES (FONAPRACE/ANDIFES, 2016), Censo 2010 (IBGE, 2010).

* SD: Sem declaração.

Para a população discente parda, a participação na modalidade nacional não atinge os 44,3% de nossa referência estadual, todavia a participação na versão internacional é menor do que a metade desta mesma referência. Para a população discente autodeclarada preta os valores são estarrecedores, uma vez que para mobilidade nacional não se atinge 6% e para a internacional encontra-se represado em 1,3%.

Quando se toma por referência a composição demográfica da UFU, tem-se que discentes de cor branca estão sub-representados no programa de mobilidade nacional com quase nove pontos percentuais de defasagem e super-representados em quase doze pontos percentuais na modalidade internacional. Por seu turno, negros(as) que são 35,1% da população discente da UFU, representam a mesma porcentagem de participação de brancos(as) na mobilidade nacional, mas somam 21,8% da mobilidade internacional.

Deste modo, é nítido que: a) discentes de cor branca são agraciados(as) com um volume de vagas em mobilidade bem superior à sua participação na composição demográfica mineira; b) e seu desnível é mais expressivo, justamente na modalidade que possui maior status e destaque, que empodera mais seus(suas) participantes; c) a desproporção da distribuição das vagas é gritante para a população negra, sobretudo para a modalidade internacional quando os percentuais de participação ficam bem abaixo do desejável; d) ainda quando o referencial passa a ser a população discente da UFU, as desproporções na ocupação das vagas continua abissal principalmente no programa de maior status.

Como já se viu para outras oportunidades ou atividades acadêmicas, é possível utilizar o IDSV-UFU e o IDSV-MG para avaliar a intensidade da desproporção da distribuição de vagas entre discentes. Quando tal exercício é refeito, tomando por objeto os programas de mobilidade nacional e internacional é possível ratificar a hipótese de racismo institucional, agora asseverado por valores ainda mais assustadores. Tal como demonstra a tabela 6, a população discente branca encontra-se proporcionalmente coberta no programa de mobilidade nacional com referência no IDSV-MG, mas com um plus de representação de 50% para a modalidade internacional valendo-se do mesmo índice. Quando o índice é o IDSV-UFU, há sub-representação na versão nacional na casa dos 16%, mas sobre-representação superior a 20% na variante estrangeira. Quando o olhar se volta para negros, somente pardos alcançam sobre-representação em um programa (44% na modalidade nacional). Entretanto grande desproporção é percebida para mobilidade internacional no IDSV-UFU para pardos, e assustador desvio é encontrado na mesma mobilidade internacional para pretos no mesmo índice e para pardos e pretos quando o índice é o IDSV-MG. Pretos(as) têm 80% ou mais de defasagem de participação nas mobilidades internacionais sejam quais forem os critérios de comparação.

Tabela 6. Índice de Distribuição Seletiva de Vantagens (IDSV) para discentes
da UFU em programas de mobilidade por cor da pele com referência
à população da UFU e de MG

Cor ou raça

IDSV/UFU

IDSV/MG

Mobilidade nacional

Mobilidade internacional

Mobilidade nacional

Mobilidade internacional

Branca

0,84

1,21

1,04

1,50

Parda

1,44

0,72

0,93

0,46

Preta

0,91

0,20

0,64

0,14

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados da Pesquisa de Perfil dos Graduandos
das IFES (FONAPRACE/ANDIFES, 2016), Censo 2010 (IBGE, 2010).

Vê-se, assim, que o programa de mobilidade nacional e internacional da UFU é tomado por mecanismo de exclusão racial que, nalguns casos, quase impede a participação de negros(as) em seus editais. Com efeito, esse programa pode ser reconhecido como dotado de maior nível de racismo institucional do que aqueles que já foram analisados nesse trabalho. Para avaliar se esta é uma especificidade exclusiva da UFU, seria relevante observar como se comporta o mesmo programa nas demais IFES.

De acordo com a tabela 7, é possível perceber que a participação branca nos programas de mobilidade encontra-se em patamares inferiores (mais do que 12 pontos percentuais) aos mesmos patamares de distribuição racial na composição demográfica das IFES e do país, mas superiores (mais do que 12 pontos percentuais) quando se trata de mobilidade internacional. Já discentes cuja autodeclaração apontou para cor da pele negra, possuem comportamentos invertidos, isto é, mais representados em mobilidade nacional e menos em mobilidade internacional.

Tabela 7. Participação de discentes das IFES em Programa de Mobilidade
Estudantil por raça ou cor da pele e composição demográfica
das IFES e do Brasil

Cor ou raça

Mobilidade nacional (%)

Mobilidade internacional (%)

Total nas IFES (%)

Total no Brasil (%)

SD*

3,9

6,7

3,8

0,0

Amarela

2,3

2,2

2,3

0,9

Branca

33,8

58,6

45,0

45,5

Parda

43,5

26,5

38,5

45,0

Preta

14,3

5,8

9,8

8,6

Indígena

2,1%

0,2%

0,6%

0,90%

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados da Pesquisa de Perfil dos Graduandos
das IFES (FONAPRACE/ANDIFES, 2016), Censo 2010 (IBGE, 2010).

* Sem declaração.

Tais comportamentos são muito semelhantes àqueles encontrados na UFU, com exceção da posição da população preta, pois sua sub-representação em Uberlândia ocorre em todas as modalidades, seja qual for o critério de comparação. No entanto, o que chama a atenção não é esta aproximação, porém a disparidade nos percentuais, ou seja, a intensidade da desproporcionalidade da distribuição das oportunidades. Para tal avaliação ganhar mais didatismo e nitidez deve-se recorrer novamente ao uso dos IDSV.

Tabela 8. Índice de Distribuição Seletiva de Vantagens (IDSV) para discentes
das IFES em programas de mobilidade por cor da pele com referência
à população das IFES e do Brasil

Cor ou raça

IDSV/IFES

IDSV/BRASIL

Mobilidade nacional

Mobilidade internacional

Mobilidade nacional

Mobilidade internacional

Branca

0,75

1,30

0,74

1,29

Parda

1,13

0,69

0,97

0,59

Preta

1,46

0,59

1,66

0,67

Fonte: elaboração própria a partir da base de dados da Pesquisa de Perfil dos Graduandos
das IFES (FONAPRACE/ANDIFES, 2016), Censo 2010 (IBGE, 2010).

Importa salientar que discentes de cor branca perdem um quarto de participação nos programas de mobilidade nacional, sendo que para o critério população das IFES isso significa um déficit maior do que o encontrado na UFU, quando o critério é a população da própria universidade. E quando o critério é a população geral de Minas ou do Brasil, discentes brancos(as) das IFES ainda encontram-se em desvantagem. Mas, ao passo que se toma a mobilidade internacional, a sobre-representação encontra patamares próximos a 30%, menores do que os vistos na UFU, mas superiores à defasagem vista para mobilidade nacional. Já a população discente negra encontra-se representada proporcionalmente ou mais que proporcionalmente na modalidade nacional, sendo que para pretos(as) essa sobre-representação é significativa.

Contudo, a desproporção aparece em defasagem na mobilidade internacional, variando entre 30% a 40%, seja no IDSV-IFES ou no IDSV-Brasil. Constata-se aqui que o racismo institucional também encontra morada nos programas de mobilidade, a) primeiramente reservando aos(às) negros(as) participação maior nos programas de menor status e reconhecimento; b) posteriormente conferindo participação desproporcionalmente menor nos programas internacionais; mas c) destaca-se que tais desproporções são menores na média nacional do que na Universidade Federal de Uberlândia.

5 Conclusões

Viu-se até aqui que o Brasil mergulhou num espiral virtuoso de democratização do acesso à educação superior. Universidades federais cresceram em número de unidades, de campi, de estudantes e de matrículas. Espalharam-se pelo interior alcançando regiões nas quais a população tinha dificuldades em sonhar com o ingresso nesse nível de ensino. Entretanto, o grande salto veio com a Lei Federal 12.711/12. Ela “pintou a universidade de povo”, deixando-a mais popular e mais negra.

Tais avanços constituem um antigo desejo de parte da sociedade. Mas os desafios ainda estão longe de ser vencidos. Uma vez dentro das IFES, negros e negras não acessam com equidade oportunidades acadêmicas fundamentais para uma formação universitária com qualidade. Dado que esta população encontra-se em desvantagem para acessar serviços oferecidos pelo Estado, pode-se afirmar que as IFES são reprodutoras de racismo institucional.

Mais do que isso, uma vez que esta pesquisa escolheu a Universidade Federal de Uberlândia por objeto particular da análise, é necessário não finalizar esta conclusão sem asseverar que a UFU não só possui uma composição racial mais branca do que a média da IFES, do município de Uberlândia, de Minas Gerais e do Brasil, como também possui índices de distribuição seletiva de vantagens muito mais intensos, demonstrando que seu racismo institucional é mais vigoroso do que se vê em geral nas demais instituições assemelhadas.

Deste modo, seria recomendado instituir politicas de ações afirmativas capazes de alterar a lógica de exclusão e garantir acesso às oportunidades acadêmicas na proporção da composição demográfica racial de cada instituição.

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Revista Brasileira de Ensino Superior, Passo Fundo, vol. 3, n. 3, p. 80-99, Jul.-Set. 2017 - ISSN 2447-3944

[Recebido: Jul. 06, 2017; Aceito: Nov. 24, 2017]

DOI: https://doi.org/10.18256/2447-3944.2017.v3i3.2028

Endereço correspondente / Correspondence address

Doutor Leonardo Barbosa e Silva

Universidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais, Departamento de Ciências Sociais.

Avenida João Naves de Ávila, 2121 Bloco H, sala 1H42, Santa Mônica

CEP: 38498-100 – Uberlândia, MG, Brasil.

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