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O uso de vídeos como dispositivo pedagógico na formação em psicologia

The use of videos as a pedagogical device in training in psychology

Cristiane Moreira da Silva(1); Diogo Fagundes Pereira(2); Sylvio Percoraro Júnior(3); Carolina Bayão da Silva(4)

1 Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis – RJ, Brasil.
E-mail: [email protected] | ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8496-0233

2 Faculdade Arthur Sá Earp Neto, Petrópolis – RJ, Brasil.
E-mail: [email protected] | ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4398-691X

3 Universidade Federal Fluminense, Niterói – RJ, Brasil.
E-mail: [email protected] | ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1145-6068

4 Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis – RJ, Brasil.
E-mail: carolinabayã[email protected] | ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1607-8550

Resumo

As transformações sociais advindas das tecnologias de informação, engendram novos tipos de relações e essas modificações chegaram também nas instituições de ensino. O professor foi destituído do papel do detentor único do saber, sendo imperiosa a necessidade de atualizar-se e compreender novas formas de construção de conhecimento, possibilitando uma melhor relação de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, ao deparar-se com uma realidade em que alunos acessam “informações” e “produzem” conhecimento obtido pela grande rede, filmes e outras mídias, a figura do professor e os livros didáticos como depositantes do saber, perderam a centralidade. Inspirados no campo da Ciência, Tecnologia e Sociedade seguimos a concepção de que os objetos existem por meio das práticas e não antes delas. Neste sentido rastrear as práticas que conectam vídeos, relação ensino-aprendizagem e formação em psicologia foi a finalidade desta pesquisa. Tratou-se de um estudo descritivo, do tipo pesquisa de levantamento, no qual foram entrevistados 13 (treze) professores de uma Universidade no interior do Rio de Janeiro a fim de investigar se utilizam vídeos em suas aulas, qual metodologia e forma de avaliação dos resultados. Para discussão recorremos à Análise de Conteúdo de Bardin. Concluiu-se que, a maior parte dos professores, usam os filmes como ferramenta de fixação de conteúdos o que reduz o dispositivo metodológico a um mero reforço da obsoleta relação ensino-aprendizagem, desconsiderando a autonomia do aluno e principalmente a sua capacidade de pensar e refletir sobre o que está sendo oferecido, demarcando a práxis pedagógica que é primordial para formação do indivíduo.

Palavras-chave: Relação ensino-aprendizagem. Vídeos. Formação em Psicologia.

Abstract

The social transformations coming from information technologies, generate new types of relations and these modifications also arrived at the educational institutions. The teacher was deprived of the role of supposed knowledge, being imperative the need to update and understand new forms of knowledge construction, enabling a better teaching-learning relationship. In this sense, when faced with a reality in which students access “information” and “produce” knowledge obtained by the great network, films and other media, the figure of the teacher and textbooks as depositors of knowledge, have lost their centrality. Inspired in the field of Science, Technology and Society we bet on the concept that objects exist through practices and not before them. In this sense, tracking the practices that connect videos, teaching-learning relationship and training in psychology was the purpose of this research. This was a descriptive study, of the survey research type, in which 13 (thirteen) teachers from a University in the interior of Rio de Janeiro were interviewed in order to investigate whether they use videos in their classes, what methodology and form of evaluation of the Results. For discussion we turn to Bardin’s Content Analysis. It was concluded that, most teachers use movies as a tool to fix content, which reduces the methodological device to a mere reinforcement of the obsolete teaching-learning relation, disregarding the student’s autonomy and especially his ability to think and To reflect on what is being offered, demarcating the pedagogical praxis that is primordial for the formation of the individual.

Keywords: Teaching-learning relationship. Videos. Training in Psychology.

1 Introdução

O desenvolvimento tecnológico desencadeou transformações socioculturais significativas, repercutindo em questões importantes nas áreas de saúde, comunicação, trabalho, educação e ética. Os efeitos ultrapassaram os muros das instituições de ensino e invadiram as salas de aula reconfigurando as relações ensino-aprendizagem. Os professores são destituídos do lugar de fonte de conhecimento para um papel de mediador no processo de aprendizagem. Estudantes inundados por informações acessíveis instantaneamente por dispositivos de comunicação móveis, imersos num universo de imagens e recursos audiovisuais são acusados de baixa motivação e desatenção nas aulas. Os professores são incitados à atualização constante e uso de recursos tecnológicos como metodologia de ensino. Recurso frequente são os filmes ou vídeos, especialmente na formação em Psicologia. Estudantes trazem filmes e vídeos para as discussões em aula e docentes recorrem à esta modalidade para ilustrar conteúdos curriculares, promover discussões e reforçar o conhecimento que se pretende fixar (MAESTRELLI, 2006).

Entretanto, a maior parte dos estudos (DE SOUZA, 2011; BARBOSA, 2011; FERREIRA et al., 2015) apontam que os docentes acabam utilizando o filme como um recurso de fixação de conteúdo e transmissão de um conhecimento disponível na grande rede. Esse cenário aponta não só uma fragilidade de adesão aos princípios norteadores das diretrizes curriculares, bem como, reduz a dimensão pedagógica da utilização desse dispositivo em sala de aula, por parte dos professores.

Esta pesquisa teve como objetivo geral, a partir do cenário exposto, mapear a dimensão pedagógica dos professores da graduação de Psicologia de uma Universidade do interior do Rio de Janeiro, sobre a finalidade do uso de filmes em sala de aula. Apoiada na Teoria Ator-Rede do filósofo francês Bruno Latour (1994), e outros pesquisadores como Foucault (1990, 1997) e Paulo Freire (2011), a pesquisa também buscou evidenciar: os discursos produzidos pelos professores no processo de formação dos estudantes de psicologia; o papel ocupado pelos filmes neste processo; e, principalmente, o porquê da tentativa de conectar os “discursos” a “natureza das coisas” ou mesmo “aos conteúdos” expostos.

2 Os desafios da relação ensino aprendizagem

As preocupações em relação ao processo de aprendizagem e o papel dos professores como um mediador já vem de longas datas, tanto as teorias psicológicas da aprendizagem como os teóricos da educação, já militam há bastante tempo sobre essas questões.

Naturalmente, a professora tem uma tarefa mais importante do que a de dizer certo ou errado. As modificações propostas devem liberta-las para o exercício cabal daquela tarefa. Ficar corrigindo exercícios ou problemas de aritmética – “Certo, nove e seis são quinze; não, não, nove e sete não são dezoito” - está abaixo da dignidade de qualquer pessoa inteligente. Há trabalho mais importante a ser feito, no qual as relações da professora com o aluno não podem ser duplicadas por um aparelho mecânico. Os recursos instrumentais só virão melhorar estas relações insubstituíveis (SKINNER, 1972, p. 25).

E,

Os conceitos se formam e se desenvolvem sob condições internas e externas totalmente diferentes, dependendo do fato de se originarem do aprendizado em sala de aula ou da experiência pessoal da criança. Mesmo os motivos que induzem a criança a formar os dois tipos de conceito não são os mesmos. A mente se defronta com problemas diferentes quando assimila os conceitos na escola e quando é entregue aos seus próprios recursos (VYGOTSKY, 1998, p. 108).

Os autores supracitados apontam o histórico litígio de uma didática em sala de aula vinculada a figura do professor que somente transmite conhecimentos, mesmo assim, percebe-se que a influência das mídias sociais e tecnologias da informação tem gerado mudança significativas no processo de subjetivação1 na modernidade, assim como, essas influências, chegaram no interior da escola, interferindo no processo de ensino e aprendizagem, a ponto de “retirar” o lugar “suposto saber” e “transmissor do conhecimento “do professor e instaurar no ambiente de ensino, desafios nucleares da história da educação: Fazer que o professor seja o mediador da construção do conhecimento e não um depositante conteudista.

O que ocorre em sala de aula não é uma linha de setas direcionadas do professor para o aluno, como se o alvo fosse facilmente atingido e preenchido, conforme foi feito há tempos. O aprender acontece mediante uma relação de troca, como afirma Vygotsky (1997), o que se dá é uma construção do conhecimento. O processo de educar é um processo ativo na construção do ser humano, propiciando condições para que ele se descubra e reflita sobre si mesmo, associando os conteúdos com suas vivencias, e alargando sua visão de mundo, ou seja, formando-se.

O cão e a arvore também são inacabados, mas o homem se sabe inacabado e por isso se educa. Não haveria educação se o homem fosse um ser acabado. O homem pergunta-se: quem sou? De onde venho? Onde posso estar? O homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado momento, numa certa realidade: é um ser em reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em consoante busca. Eis aqui a raiz da educação (FREIRE, 1979, p. 27).

O que Freire chama de interação, Lopes (1996) chama de negociação, ou seja, o professor negocia outras perspectivas que se contrastam com a dos alunos, e nessa negociação o processo educacional acontece, assim como, fora dos muros da escola também. Esse processo acontece nos corredores, nas ruas e em casa. A diferença, é que na instituição de ensino o mediador normalmente é o professor. Mas a educação se dá no processo, na interação.

Outro aspecto discutido há décadas são as metodologias conservadoras que perpetuam nos diferentes níveis de ensino. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), pontua a necessidade de fazer da experiência em sala de aula, principalmente no ensino superior, no qual os estudantes passam de 4 a 5 anos aprendendo uma profissão, que, possivelmente, atuarão a vida toda, de uma construção de conhecimento pautada em negociação, interação e dialética, atento em combinar as mudanças sociais de cada época, com o compromisso de atualizar sempre a noção da construção de conhecimento, para a formação da um sujeito pensante, participativo e em conexão com sua cidadania, apto a aprender a aprender (BRASIL, 1996).

Conforme Freire (2011a, p. 25) “não há docência sem discência” mas fato é, que por séculos o modelo tradicional de educação sempre privilegiou o ensino com o poder do professor sobre o aluno (NAGAI, 2013). A mudança da postura do professor frente a essas novas demandas não é fácil, porque além de abandonar uma estrutura secular de educação, o professor precisa envolver o aluno enquanto protagonista de sua aprendizagem.

Assim, aprendizagem ativa ocorre quando o aluno interage com o assunto em estudo – ouvindo, falando, perguntando, discutindo, fazendo e ensinando – sendo estimulado a construir o conhecimento ao invés de recebê-lo de forma passiva do professor. Em um ambiente de aprendizagem ativa, o professor atua como orientador, supervisor, facilitador do processo de aprendizagem, e não apenas como fonte única de informação e conhecimento (BARBOSA; MOURA, 2013, p. 55).

Surge então nesse cenário a necessidade de falar sobre uma metodologia ativa, alicerçada no princípio significativo da autonomia. Freire (1979) já falava que a educação deve pressupor um discente capaz de autogerenciar ou autogovernar seu processo de formação. Logo o “ensinar” exige respeito à autonomia do discente. Como propõe Freire (1979) que o processo de ensino aprendizagem pressupõe respeito a bagagem cultural do aluno, bem como, aos seus saberes construídos na sua prática comunitária. Essas metodologias utilizam a problematização como estratégia de ensino aprendizagem, com objetivo de alcançar e motivar o discente, pois diante do problema, ele reflete, pensa examina e relaciona a sua história, ressignificando suas descobertas. Nessa perspectiva o estudante assume um papel ativo, descaracterizando o velho perfil de mero receptor de conhecimento.

3 O professor e o seu papel no processo educativo

Atendendo os objetivos centrais dessa pesquisa é imperioso delimitar a ação do docente no processo de ensino aprendizagem, mesmo sabendo das outras redes que compõe esse processo. É valido salientar que, apesar de entender que a relação de ensino aprendizagem, é construída em sala de aula por diversos atores e contextos, não existe igualdade entre professor e aluno. Ambos, apesar de parceiros intelectuais, são desiguais em termo de papéis ocupados no processo histórico e funções dentro da aprendizagem. (MANACORDA, 1992).

Mesmo com todo o discurso da “informação” de fácil acesso por parte dos alunos e essa destituição da figura do professor como o “detentor” do conhecimento. É imprescindível nesse momento de transformações, estabelecermos o fundamental papel desse profissional no processo de formação discente e consequente mudanças sociais. O professor na contemporaneidade deve estar ciente que a sua função já não é mais de tratar conteúdos em sala de aula, mas poder resgatar conhecimentos mais amplos e históricos e conectar com a experiência do aluno, para que possam interpretar sua aprendizagem na vida social (GOMES, 2006).

Não se trata de competir com o aluno, muito menos com os smartphones e computadores. Pois o processo não se resume em “acesso” à informação e sim, a como estabelecer uma relação com o conhecimento e nesse sentido, mais uma vez, surge a figura do professor como a ponte capaz de proporcionar a construção desse saber.

Em Jamais Fomos Modernos, Latour (1994) entende que aqueles que acreditam serem modernos, no afã de derrubar antigas verdades, acabam funcionando a sob a lógica da exclusão, introduzindo novas ideias e promovendo rupturas e apagamentos aos que representaram o pensamento anterior. Com o fenômeno da aprendizagem, não aconteceria diferente. Diversas são as “tendências” que são trazidas para a sala de aula, como solução mágica para os desafios educacionais, mas o processo educativo é resultado de diversos fatores que vão se combinando, ao longo da história.

A aprendizagem, como uma incorporação de saberes e fazeres, só faz sentido se a pessoa dispõe dela para operar efeitos sobre si e sobre o mundo. Essa possibilidade de lançar mão de determinados conhecimentos torna-se possível, uma vez que o aprendido faça sentido e seja digerido/transformado como parte daquele que aprende, ou seja, desde que se opere uma “tradução”, desde que se ache um nexo entre o que se pretende ensinar e o que se pode aprender de um assunto num determinado momento. Caso contrário, acreditamos que a aprendizagem de fato não se processa, podendo meramente ocorrer o que Jorge Visca (1987) chama de aprendizagem mimética, ou seja, aquela que ocorre por uma pressão circunstancial - como na urgência de uma prova - mas logo se perde porque resta como corpo estranho, sem fazer sentido na vida daquele que supunha ter aprendido. Para sermos fiéis a Teoria Ator-Rede, na abordagem das aprendizagens, entendemos que cada sujeito tem suas aprendizagens ligadas a uma rede que lhes dá sustentação e que se origina em vários coletivos (MELO, 2011, p. 180).

Isso afasta o possível fantasma da educação, mantido por vários professores, no qual a internet “prejudica” em alguns aspectos a formação. A aprendizagem desconectada não se sustenta e não conecta o conhecimento aprendido com a realidade discente. Para Latour (2002), aprendizagem pressupõe estar conectado em redes. O fato dos conteúdos não estarem mais em poder dos professores e dos livros, em nada afeta a função deste profissional e muito menos assombra o processo de relação professor-aluno.

Não há uma metodologia única para construir conhecimento, muito menos para ensinar e aprender. Cada pessoa, a partir de sua história e das redes que a compõem, terá um estilo único de realizar esta tarefa que estará sempre passível de modificações em função das novas conexões que forem ocorrendo, fato que a deixará tão mais diferenciada quanto mais vinculada estiver (ARENDT, 2004, p. 06).

E mais,

Olhar para as recalcitrâncias em humanos e não humanos é uma estratégia de sobrevivência. Aprender/ensinar tem muito a ver com esse olhar, com esta atenção àquilo que resiste, porque são essas recalcitrâncias que podem nos propiciar uma reorientação de estratégias na busca por melhores efeitos. As formas de recalcitrar podem variar muito de humano para humano e de não humano para não humano, mas sempre poderão ensejar muitas e valiosas aprendizagens para todas as partes envolvidas (LATOUR, 1994, p. 11).

4 O uso de filme na formação em psicologia

É necessário pensar nas práticas educacionais e na conexão dos saberes produzidos em parceria professor/aluno. Para Foucault (1997) as práticas discursivas não são somente discursos fabricados por saberes, elas “[...] ganham corpo em conjuntos técnicos, em instituições, em esquemas de comportamento, em tipos de transmissão e difusão, em formas pedagógicas, que ao mesmo tempo as impõem e as mantém” (FOUCAULT, 1997, p. 12). O filósofo mostra que o discurso é um conjunto de enunciados que podem pertencer a saberes diferentes, mas que obedecem às mesmas regras de funcionamento, próprias de um período histórico específico. Sendo assim, é necessário analisar as condições de emergência desse discurso e como estes sustentam práticas.

Rose (2011) utiliza a descrição de governo para Foucault (1990) vinculando a história do saber psi à história do governo enquanto “um modo de conceitualizar todos aqueles programas, estratégias e táticas para a ‘condução da conduta’, mais ou menos racionalizados, para agir sobre as ações dos outros de maneira a alcançar certos fins” (FOUCAULT, 1990, p. 25).

Longe de produzir uma discussão fantasiosa, a práxis esperada principalmente no ensino superior, deve obrigatoriamente considerar a articulação do conhecimento formal com a experiência da construção de um saber produzido em sala de aula. Possibilitar através dos filmes, a produção de conhecimentos a partir das leituras que os alunos fazem, é muito mais do que estabelecer a relação professor aluno, é dar sentido a uma prática que só faz sentido com a existência desses dois atores: professor e aluno.

Usar filmes na sala de aula ou recorrer a outros meios de comunicação contribui decisivamente para o alargamento das fronteiras da instituição, e do ensino como um todo. Como argumenta Fischer, “talvez um dos trabalhos pedagógicos mais revolucionários seja o que se refere a uma ampliação do repertório de professores, crianças e adolescentes, em matéria de cinema, televisão, literatura, teatro, artes plásticas e música” (FISCHER, 2007, p. 298). Mas a oferta de conteúdos e experiências precisa ir além do que “circula na grande mídia”, ou apontado num recorte de filme, possibilitando “educar olhos e ouvidos”, de maneira a permitir a formação de um pensamento crítico. Conforme Fischer (2007, p. 298), investir na ampliação dos repertórios tem o sentido de “ampliar as possibilidades de estabelecer relações”, permitindo inclusive criar um saber-fazer “para pensar de outro modo o presente que vivemos”.

A sala de aula já vem incorporando, e sofrendo a intervenção dos meios de comunicação de massa com a utilização de jornais, revistas, programas de televisão. Porém, é preciso ver que esses meios podem ser considerados como salas de aula, como espaços de transformação de consciência, de aquisição de conhecimentos; que eles dependem de uma pedagogia crítica e que o sucesso dessa pedagogia crítica depende de como vamos ver e ouvir os produtos da indústria cultural (NAPOLITANO, 2006, p. 89).

Portanto, o cinema em sala de aula não deve ser pensado apenas como uma ferramenta pedagógica de transmissão e fixação de conteúdo, pois limita a produção de outros saberes que são imprescindíveis para o processo de formação do aluno.

5 Metodologia

Inspirados no campo da Ciência, Tecnologia e Sociedade recorremos a concepção de que nas práticas os objetos são feitos (enacted), isto é, eles existem por meio das práticas e não antes delas. Isso sugere, conforme Mol (2002) salienta, que em ato – e apenas aí – alguma coisa é, alguma coisa existe. Neste sentido, rastrear as práticas que conectam o uso de vídeos em sala de aula, relação ensino-aprendizagem e formação em Psicologia foi a finalidade desta pesquisa. Para tal recorremos a entrevistas com professores que usam vídeos como ferramenta metodológica de ensino em curso de graduação de psicologia.

Tratou-se de um estudo descritivo, do tipo pesquisa de levantamento. Esse delineamento conforme Gil (2002) caracteriza-se pela interrogação direta das pessoas cujo comportamento deseja conhecer.

5.1 Participantes

Participaram dessa pesquisa 13 professores do curso de Psicologia de uma Universidade no interior do Rio de Janeiro, que fazem uso de vídeos em sala de aula, sendo 8 professores da graduação e 5 da graduação e mestrado em Psicologia.

5.2 Instrumentos

Com os professores utilizou-se uma entrevista semiestruturada, na qual, segundo Matos e Lincoln (2005), o entrevistador segue lista de questões previamente formuladas. A entrevista foi composta por: dados curriculares e disciplinas ministradas; uso de vídeos como ferramenta pedagógica; contribuição na formação discente e seu uso como instrumento de produção de subjetividade.

5.3 Procedimentos de análise de dados

Os dados coletados nas entrevistas foram transcritos e analisados através do levantamento de categorias temáticas a posteriori, de acordo com a Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977, 1979). Para a autora, a Análise de Conteúdo é composta por três fases, sendo: (a) a pré-análise; (b) a exploração do material; e, (c) o tratamento dos resultados e interpretação. A primeira consistiu na organização das temáticas através de leitura flutuante, hipóteses, formulação de hipóteses, objetivos e elaboração de indicadores. Na segunda, os dados foram codificados a partir de unidades de registro em acordo com o significado presente no relato dos participantes. Na terceira foi realizada a categorização das temáticas a partir de classificações dos dados em acordo com suas semelhanças e por diferenciação. As unidades de registro analisadas foram: visão do docente no uso de filme em sala de aula; estratégia de avaliação desse recurso e metodologia utilizada.

5.4 Procedimentos éticos

A presente pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética da Universidade Católica de Petrópolis (35139914.6.0000.5281) em agosto de 2014. Os procedimentos de consentimento utilizados nesta pesquisa obedeceram aos Critérios da Ética na Pesquisa com Seres Humanos, pautados na Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.

6 Resultados e discussão

Os resultados e análise dos dados serão apresentados em três grandes blocos, a saber: (a) Vídeos como ferramenta pedagógica; (b) Metodologia utilizada com os vídeos; (c) Avaliação da metodologia utilizada e avaliação do discente.

6.1 Vídeos como ferramenta pedagógica

Das 13 entrevistas realizadas, percebe-se um viés predominante em que vídeos e filmes são utilizados em sala de aula para assegurar a aprendizagem dos conteúdos. Falas como: “filmes eu evito porque acho que são muito longos e completos, o que acaba perdendo um pouco do foco, do objetivo, porque tem cenas que não são relevantes, não são interessantes” (E8), ou seja, se possível recortar a cena que melhor retrata o conteúdo ministrado.

O objetivo principal é tornar a aprendizagem mais significativa, através dos vídeos eles possam aplicar aqueles conhecimentos e absorver melhor né a teoria que foi trabalhada, ilustrando isso através dos vídeos né, fixar o conteúdo, não sei se ficou muito claro através da explanação teórica, o aluno consegue aprender melhor através do vídeo. (E2).

Essas falas ainda retratam que os vídeos ou filmes podem contemplar a teoria de maneira que possivelmente na aula expositiva não foi contemplada, atribuindo a ferramenta pedagógica a responsabilidade de transmissão ou exemplificação do conhecimento.

Noutro momento, percebe-se a tentativa do direcionamento do olhar do aluno, o que de alguma maneira interfere em seu posicionamento crítico:

A maior exigência para o professor é trazer algo bem adequado, pertinente ali, e que consiga prestar uma dinâmica atrativa para o aluno, não adianta ser muito longo, tem que estar dentro da temática, e principalmente, principalmente, é... ser bem acadêmico e científico. Então o maior trabalho é selecionar vídeos curtos que estejam bem restritos à temática para dar o colorido e a gente resolve o resto na sala de aula, porque eu uso mais o vídeo para que eu consiga fazer com que o aluno se motive a comentar sobre o tema (E3).

Outra perspectiva observada tem relação com o uso recreativo e meramente ilustrativo dos vídeos:

Eu acho que é importante hoje em dia a gente utilizar esses recursos, por causa da acessibilidade à tecnologia, então se você fica com aquele cuspe e giz, hoje a gente nem usa mais o giz, usa a caneta, acho que isso tira um pouco o dinamismo, até mesmo a motivação do aluno. [...] Hoje a gente disputa muito com a tecnologia ne? (E1).

Duas falas conseguiram distanciar dessa perspectiva direcionadora:

Motiva porque acompanham e vivenciam o processo. Eu acho que quebra um pouco a rotina do professor estar o tempo todo falando, falando. Envolve até o próprio professor no processo, quando você está junto com eles vendo, essa troca de olhares num debate... na aula você instiga para perguntarem e as vezes eles não perguntam, eu sempre acho que tirar o aluno da situação de passividade traz um crescimento maior (E4).

E “Levantar questionamentos, olhar crítico” (E5). Esses olhares apontam uma preocupação com a formação efetiva de um sujeito psi consciente, e não meramente reprodutor de teorias psicológicas históricas.

6.2 Metodologia utilizada com os vídeos

Das metodologias utilizadas encontra-se: Assistir e debater (6); Substituir conteúdo na modalidade EAD (1); Pausando e orientando (4); Alunos apresentam discussões de caso (1); Provas com análise dos vídeos (1).

6.3 Avaliação da metodologia utilizada e avaliação do discente

Das avaliações feitas, (7) professores apenas observam os alunos que estão prestando atenção, (1) utiliza questionários, (2) fazem debates e os demais não fazem avaliação. A maneira pouco clara de avaliar essa estratégia adotada pelos professores acena para uma pouca compreensão da utilização dos vídeos e filmes em sala de aula negligenciando o potencial reflexivo do dispositivo, o tratando como ilustração ou recurso lúdico para direcionar a atenção dos estudantes.

7 Considerações finais

Em relação ao uso de filmes por parte dos professores, as pesquisas deixam claro que no universo estudado, existe uma tendência em usar os vídeos para ilustrar os conteúdos ministrados em sala de aula, sintetizando a práxis pedagógica. O que reduz o dispositivo metodológico a um reforço da relação ensino-aprendizagem, obliterando a possibilidade dos diversos olhares e questionamentos gerados em sala de aula, fenômeno este, fundamental no processo da formação em psicologia. Ao invés de trazer uma crítica, ou mesmo indicar um caminho a seguir, essa pesquisa abre espaço para novas reflexões sobre o uso de vídeos em sala de aula e a relação das mídias na produção de subjetividade.

Ao pensar na construção do conhecimento, no professor como mediador, a simples colocação de filme com objetivos pré-determinados de fixação de conteúdo já desconstrói a relação de ensino aprendizagem. Essa verticalidade apresentada pelos professores, limita a dimensão pedagógica do ato de ensinar e aprender.

Considerando a noção de autonomia proposta por Paulo Freire (2011), quando o professor faz uso do filme como uma ferramenta para associação de conteúdos e em alguns casos como foi visto, ainda vai pausando o filme e inserido os contextos, ele retira de cena qualquer possibilidade de negociação de conhecimento. Pois o mesmo já oferece um raciocínio pronto e acabado, encerrando a possibilidade da problematização como estratégia de metodologia ativa.

A educação imposta funciona como um instrumento de perpetuação de desigualdades e, o uso de filmes nessas condições, mascara a realidade aparecendo como uma questão técnica, como um recurso metodológico, que na verdade não é. A educação deve ser um ato coletivo, composto por diversos atores. É uma tarefa de troca entre pessoas e não um resultado de depósito de conhecimento, que hoje está facilmente acessado na grande rede. Esse estudo além de denunciar uma suposta prática enriquecedora, que acontece com frequência na educação brasileira, inclusive no ensino superior, sinaliza a necessidade dos educadores de repensarem as suas práticas, compreendendo o seu papel e reconhecendo a educação como uma das principais forçar capazes de melhorar as desigualdades sociais.

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Revista Brasileira de Ensino Superior, Passo Fundo, vol. 4, n. 2, p. 103-118, Abril-Junho, 2018 - ISSN 2447-3944

[Recebido: Março 06, 2018; Aceito: Julho 24, 2019]

DOI: https://doi.org/10.18256/2447-3944.2018.v4i2.2514

Endereço correspondente / Correspondence address

Cristiane Moreira da Silva

Rua Benjamin Constant, 213 – Centro Petrópolis, Brasil

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e-ISSN: 2447-3944

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