2047

O ensino de avaliação psicológica e as tendências pedagógicas: possibilidades para um planejamento crítico

Psychological assesment teaching and pedagogical trends: possibilities for a critical planning

Darlene Pinho Fernandes de Moura

Mestra em Psicologia com doutorado em andamento em Psicologia. Universidade Federal do Ceará (UFC). Sobral, CE, Brasil. E-mail: [email protected]

Resumo

A avaliação psicológica é um campo da psicologia que estuda os procedimentos necessários para se avaliar processos psicológicos envolvidos em uma demanda específica. Ao longo da graduação em Psicologia tal área agrega um conjunto de disciplinas que visam propiciar conhecimentos teóricos e técnicos necessários para a elaboração do processo. Nesse contexto, as práticas pedagógicas liberais ainda prevalecem. No entanto, diante das críticas envolvidas, tem-se estimulado novas formas de pensar o ensino do campo e, consequentemente, a busca de mudanças significativas na formação do estudante de psicologia. Frente a essa realidade, este estudo tem o objetivo de discutir o ensino de avaliação psicológica, as tendências pedagógicas e as possibilidades para um planejamento baseado na pedagogia progressista. Para tal fim, foram articulados os modelos de práticas no ensino de avaliação psicológica com as características das principais tendências pedagógicas. A partir das discussões, são apresentadas reflexões acerca de um planejamento em avaliação psicológica compromissado com uma formação crítica, contextualizada e transformadora.

Palavras-chaves: Avaliação psicológica. Tendências pedagógicas. Ensino superior. Planejamento.

Abstract

Psychological assessment is a field of psychology that studies the procedures necessary to evaluate psychological processes involved in a specific demand. Throughout the graduation in Psychology, this area adds a set of subjects which provide theoretical and technical knowledge necessary for the elaboration of the process. In this context, liberal pedagogical practices still prevail. However, in the face of the criticisms involved, new ways of thinking about the teaching of the field and, consequently, the search for significant changes in the formation of psychology student have been stimulated. In sight of this reality, this study aims to discuss the teaching of psychological assessment, the pedagogical trends and the possibilities for a planning based on progressive pedagogy. To this purpose, the models of practices in the teaching of psychological assessment, including the characteristics of the main pedagogical tendencies, were articulated. In the discussions, reflections are presented about a planning in psychological evaluation committed to a critical, contextualized and transformative formation.

Keywords: Psychological assessment. Pedagogical trends. Higher education. Planning.

1 Introdução

A avaliação psicológica se constitui como uma área da Psicologia em que se estudam os elementos necessários para se avaliar fenômenos psicológicos (inteligência, atenção, memória, emoções, personalidade, dentre outros) relacionados a uma demanda específica (por exemplo, cirurgia bariátrica, orientação profissional, transtornos de aprendizagem), bem como os aspectos teóricos e técnicos ligados ao uso de testes, entrevistas e outros instrumentos psicológicos que são utilizados como recursos nesse processo (HUTZ et al., 2015; NORONHA et al., 2010). Tal área, presente nos currículos de graduação e em diferentes pós-graduações, tem contribuído para a avaliação e direcionamento de problemas no contexto escolar, hospitalar, clínico e jurídico, dentre outros (MACHADO, 2007).

Durante muito tempo, a avaliação psicológica foi estereotipada como um segmento particular da psicologia dedicado apenas à criação de instrumentos e ao uso indiscriminado de técnicas (PRIMI, 2010). No Brasil, historicamente, o campo foi alvo de críticas e, por vezes, foi considerado polêmico, o que impactou negativamente sua consolidação enquanto prática científica (PASQUALI, 2001). Apesar disso, nos últimos anos, tem-se observado um importante crescimento na área, especialmente no que diz respeito ao aumento da produção científica e das informações qualificadas sobre o tema (GOUVEIA, 2009; JOLY et al., 2010; PRIMI, 2010). No entanto, tem-se questionado o quanto esses avanços estão de fato influenciando a prática profissional do psicólogo (PRIMI, 2010). Como direções futuras, a literatura tem sugerido a necessidade de progressos metodológicos, integração de abordagens, incentivo à formação, busca de legitimidade científica da área e incentivo a posturas profissionais críticas da realidade (GOUVEIA, 2009; NORONHA; PRIMI, 2010; REPPOLD, 2010; RODRIGUES, 2011).

A avaliação e descrição da realidade psicológica de alguém possibilita ao psicólogo um conjunto de informações, as quais devem ser interpretadas, selecionadas, transmitidas e devolvidas (CFP, 2010). Sobre isso, uma das principais críticas direcionadas é a de que a avaliação que é feita, muitas vezes, pode ser facilitadora dos processos de exclusão (NORONHA et al, 2002). Na história da avaliação psicológica, por exemplo, há relatos que os primeiros usos dos testes foram para selecionar os sujeitos mais adaptados para a guerra ou para selecionar os estudantes mais aptos a cursar escolas ditas “normais” (PASQUALI, 2001). Em dias atuais, têm sido constantes as denúncias feitas aos Conselhos Regionais de Psicologias relacionadas às faltas éticas cometidas na elaboração de relatórios provenientes de avaliação psicológica. Em muitos casos, as descrições dos resultados trazem informações que, em vez de ajudar as pessoas em suas demandas, fazem é contribuir para o seu processo de exclusão (CFP, 2010).

No âmbito acadêmico, a avaliação psicológica, em geral, é caracterizada, de uma maneira simplista, como uma área mais técnica da Psicologia, a qual se utiliza de diferentes conhecimentos para embasar epistemologicamente o campo de conhecimento (PRIMI, 2010). Nas disciplinas teóricas, como é o caso da Psicometria (presente, em alguns currículos, com essa nomenclatura) é exigida uma variedade de conceitos ligados às ciências exatas (estatística, matemática), dos quais a maioria dos estudantes do curso se esquiva desde a escola. Nas disciplinas práticas, apesar de se demandar conhecimentos na área do desenvolvimento, psicopatologia e ética, muitas práticas pedagógicas ainda se limitam a uma “testologia” (mera aplicação de testes) sem qualquer contextualização ou discussão crítica dos instrumentos que vêm sendo utilizados.

As consequências dessas práticas se manifestam no contexto de ensino (MENDES et al, 2013; PAULA et al., 2007). Grande parte dos estudantes de graduação, em seu primeiro contato com as disciplinas, já chegam com um estereótipo, denominando, sem conhecer, como uma área que “rotula o sujeito” ou que “todo mundo tira nota baixa”. Diante disso, os desafios da docência são potencializados, uma vez que, em geral, há uma resistência por parte dos alunos, o que sinaliza a necessidade de se desmistificar os preconceitos, pensar em avanços e comprometer-se com uma formação em avaliação psicológica mais crítica, contextualizada e reflexiva (NORONHA et al., 2002, 2010).

Discutir as tendências pedagógicas no contexto do Ensino Superior torna-se essencial para a realização de uma prática docente significativa, que direcione o trabalho do professor e que contribua para a proposta de soluções sobre as quais se deve estruturar o processo de ensino (LIBÂNEO, 1990; LUCKESI, 2005). Diferentes estudos têm problematizado as práticas docentes em diferentes campos de conhecimentos (BARDINI et al., 2016; FREITAS et al., 2016; PEREIRA; GUEDES, 2016), no entanto, na Psicologia tais reflexões ainda carecem de mais pesquisas, sobretudo no contexto da avaliação psicológica (NORONHA, 2006). Frente a essa realidade, este estudo tem o objetivo de discutir sobre o ensino de avaliação psicológica e as diferentes tendências pedagógicas propostas por Libâneo (1990), apontando possibilidades no campo do planejamento. Diante disso, como ponto de partida inicial, questiona-se: 1) que tipo de relação pode ser encontrada entre as diferentes tendências pedagógicas e a forma que o ensino de avaliação psicológica tem sido feito?; e 2) como planejar um ensino de avaliação psicológica crítico e comprometido?

2 As tendências pedagógicas e o ensino de avaliação psicológica

Para nortear o ensino de avaliação psicológica, com base nas resoluções do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e no Código de Ética Profissional, Nunes et al. (2012) apresentam um documento, em que são abordadas as competências mínimas a serem alcançadas na formação do aluno na área de avaliação psicológica, bem como são sugeridas as disciplinas e os conteúdos programáticos relacionados com as competências esperadas. Adicionalmente, também são apontadas orientações referentes à estrutura necessária para o ensino, aos métodos de ensino e à formação docente.

Embora se tenha o suporte de tais diretrizes, é preciso ponderar que, na prática, o ensino de qualquer “coisa” (nesse caso, a avaliação psicológica) está sujeito à influência de diversas variáveis de ordem sociopolítica que favorecem o uso de uma ou outra tendência pedagógica (LUCKESI, 2005). Sobre isso, Libâneo (1990) propõe dois grupos de perspectivas: a tendência liberal e a tendência progressista. Nas formas atuais de ensino de avaliação psicológica, é possível encontrar diversos elementos de cada uma dessas tendências envolvidas na prática docente, uma vez que suas manifestações não são puras nem mutuamente exclusivas (LUCKESI, 2005).

A pedagogia liberal caracteriza-se pela concepção de que a educação tem o objetivo de preparar indivíduos para a execução de papéis sociais, de acordo com o seu desempenho individual (LIBÂNEO, 1990). Dentro dessa perspectiva, encontra-se a tendência liberal tradicional, a tendência liberal renovada e a tendência liberal tecnicista. Na tendência liberal tradicional, os conteúdos, as metodologias e a relação professor-aluno estão desvinculadas do cotidiano. A aprendizagem está centrada no professor, nas regras impostas e na aquisição de conhecimentos (LIBÂNEO, 1990; LUCKESI, 2005). O ensino de avaliação psicológica nessa perspectiva se limita a uma formação baseada em um ensino frenético de como aplicar os testes, sem qualquer reflexão acerca da importância de se escolher um ou outro instrumento. Pouco se estimula a adaptação dos instrumentos às realidades locais e nem se aponta necessidade de se construir instrumentos conforme demandas específicas.

Na tendência liberal renovada, o foco também está no desenvolvimento das competências individuais, porém a educação é um processo interno, que parte das necessidades e interesses particulares necessários para a adaptação ao meio (LIBÂNEO, 1990). O ensino de avaliação psicológica centrado nessa tendência prioriza o “aprender experimentando”, valorizando as tentativas experimentais, a descoberta, levando em conta os interesses do aluno, com foco na qualidade e no processo.

Já a tendência liberal tecnicista subordina a educação aos interesses do mercado de trabalho, de modo que o professor é “refém” da técnica repassada pelos manuais e o aluno um mero reprodutor de respostas pré-estabelecidas (LIBÂNEO, 1990). Uma prática de avaliação psicológica baseada nesse tipo de concepção busca perfeição da técnica, limitando-se ao ensino dos padrões de aplicação dos testes e a critérios de correção sem considerar a totalidade em curso e as idiossincrasias envolvidas.

Por outro lado, tem-se a pedagogia progressista, a qual parte de uma análise crítica das realidades sociais, apoiando as finalidades sociopolíticas da educação (FREIRE, 2003; LIBÂNEO, 1990; SAVIANI,2005). Libâneo (1990) a subdivide em libertadora, libertária e crítico-social dos conteúdos. Na perspectiva progressista libertadora, aprender é um ato de conhecimento da realidade concreta, isto é, da situação real vivenciada pelo educando, e só faz sentido se resulta de uma postura crítica relacionada a essa realidade (FREIRE, 2003; LIBÂNEO, 1990). Uma formação em avaliação psicológica nesse contexto se utiliza, por exemplo, de situações-problemas, priorizando a construção do conhecimento, a crítica, o debate e o saber de todos.

A tendência progressista libertária, por sua vez, enfatiza que apenas o vivido pelo educando é incorporado e utilizado em situações novas, por isso o saber sistematizado só terá relevância se for possível seu uso prático (LIBÂNEO, 1990). Assim, propiciar vivências relacionadas à avaliação psicológica, como é o caso das experiências reais com aplicação de testes e atendimento de casos clínicos, podem sinalizar um ensino focado nessa concepção.

Por fim, tem-se a tendência progressista crítico-social dos conteúdos, a qual fundamenta a pedagogia histórico-crítica (SAVIANI, 2003) e acentua a primazia dos conteúdos como modo de formar a consciência crítica para confrontar à realidade social injusta e desigual (LIBÂNEO, 1990). Nesse sentido, é importante que os alunos tenham o domínio dos conhecimentos, das habilidades e capacidades para interpretar suas experiências de vida e defender seus interesses de classe. Um ensino fundamentado nessa perspectiva favorece a problematização da realidade social, discutindo as consequências e limites do que tem sido feito até o presente momento e buscando alternativas para resolver tais entraves.

De uma maneira geral, sabe-se que durante muito tempo na história da avaliação psicológica, as perspectivas liberais foram as que imperaram. No entanto, dados os limites e impasses envolvidos, tem-se estimulado novas formas de pensar o ensino do campo e, por conseguinte, buscar elementos transformadores da formação e, consequentemente, da prática profissional. Nessa discussão, a pedagogia progressista tem se apresentado como uma possibilidade para a superação dos dilemas/desafios até então relacionados ao campo de estudo. Surge, então, a pergunta: como fazer isso na prática?

3 Ensino de avaliação psicológica e as possibilidades para um planejamento crítico

Como possibilidade de resposta, temos a ajuda de um elemento poderoso na prática docente: o planejamento. Lopes (2004, p. 56-57) aponta que “o real sentido do planejamento do ensino no trabalho do professor é a organização da ação pedagógica intencional, de forma responsável e comprometida com a formação do aluno”. Ou seja, planejar o ensino envolve ação, cuidado e ética do professor em alcançar as finalidades da educação.

Antes de tudo, é preciso estar ciente de que o planejamento está diretamente relacionado com a concepção de educação, de conhecimento e de currículo que é adotada (VASCONCELLOS, 2002). Desse modo, para planejar o ensino, é preciso responder à questão básica: que tipo de professor eu sou? Com a pergunta respondida, já se tem um critério de decisão sobre o tipo de planejamento que se deseja assumir.

Entretanto, como estamos considerando um professor que deseja um ensino de avaliação psicológica comprometido, contextualizado e crítico, o planejamento deve abranger a definição dos objetivos de ensino, a escolha dos conteúdos, a seleção de metodologia e a escolha de instrumento de avaliação da aprendizagem voltados para o alcance dessa meta (VASCONCELLOS, 2002). Nesse contexto, a tendência progressista tem sido uma boa aliada na fundamentação da prática docente.

Diferentes estudos sobre o conhecimento de estudantes e profissionais em avaliação psicológica têm apontado a necessidade de reflexões acerca dos objetivos de ensino na área (ALCHIERI, 2004; MENDES et al., 2013; NORONHA; PAULA et al., 2007). No estudo realizado por Mendes et al. (2013), por exemplo, em uma amostra composta por 40 profissionais formados e 40 estudantes de graduação, observou-se que não havia diferenças significativas entre os dois grupos pesquisados em relação aos níveis de conhecimento em avaliação psicológica, bem como também não foi demonstrada maior apropriação dos conceitos por parte dos profissionais. Noronha e Alchieri (2004), em pesquisa feita com a mesma temática, sinalizam que os objetivos principais do ensino de avaliação psicológica devem ser definidos com clareza nos currículos dos cursos de Psicologia do país, uma vez que o aprendizado pontual das técnicas de avaliação psicológica não garante o estabelecimento das competências necessárias, relacionadas, por exemplo, para a expressão de habilidades como o levantamento de hipóteses e a elaboração de laudos.

Diante de tal problemática, a literatura tem indicado que, em um processo educativo que se propõe a ser transformador, a elaboração dos objetivos deve priorizar a reelaboração e a produção dos conhecimentos, exprimindo ações como reflexão, curiosidade, investigação e criatividade (LOPES, 2004). Assim, os planos de ensino/aula da área de avaliação psicológica, para além do mero ensino de técnicas, devem conter objetivos que incentivem a reflexão e a crítica, como: “analisar os principais testes psicológicos da área de avaliação psicológica, destacando suas características e limitações”; “refletir sobre a importância da ética no uso dos testes em um processo de avaliação psicológica” e “discutir sobre um caso clínico da área de avaliação psicológica”, dentre outros.

Sobre os conteúdos, sabe-se que estes são frutos da atividade produtiva e científica de muitas gerações e abrangem um conjunto de valores, conhecimentos, habilidades e atitudes ensinados para garantir o desenvolvimento e a socialização dos indivíduos (LIBÂNEO, 1994; NOGUEIRA, 2001). Em estudo realizado por Noronha et al. (2013) constatou-se que as técnicas de avaliação psicológica e os fundamentos teóricos dos testes são os conteúdos que mais comumente têm sido abordados pela maioria dos professores da área, ao passo que o histórico da avaliação e os princípios da elaboração de documentos psicológicos são os menos contemplados. Dentro de uma concepção crítica no ensino de avaliação psicológica, conteúdos como “história da avaliação psicológica”; “ética na avaliação psicológica” e “elaboração de documentos psicológicos” são tão importantes para a formação em avaliação psicológica como qualquer outro conteúdo, portanto, também deveriam ser priorizados nos planejamentos.

Posteriormente, tem-se a escolha dos procedimentos didáticos ou metodologias, as quais devem ser selecionadas para atender os diferentes níveis de aprendizagem, bem como a natureza do conteúdo de ensino (LOPES, 2004). Nesse contexto, a função do professor é propor uma metodologia caracterizada pela variedade de recursos que possibilitem a curiosidade do aluno. Apesar disso, os dados têm mostrado que a aula expositiva continua sendo a metodologia preferida entre os professores de avaliação psicológica, em detrimento, por exemplo, das experiências em elaboração de documentos (NORONHA et al., 2013). Sugere-se, portanto, como possibilidade para uma formação crítica da área, uma maior diversidade de recursos didáticos que contemplem, por exemplo, experiências de aplicação “reais” de testes e técnicas, estudos de caso, oficinas para treino em elaboração de documentos psicológicos e realização de projetos de pesquisa e extensão ligados ao tema. Nessa discussão, merecem destaque as clínicas-escolas especializadas em avaliação psicológica, as quais, além de atender a demanda de uma comunidade, também se constituem como um importante instrumento de aprendizado técnico, prático e contínuo na área (BORSA et al., 2013).

A etapa final do processo de planejamento é a avaliação da aprendizagem. Para além da noção de exame, em um processo educativo que se privilegia a reflexão, a avaliação tem a função de acompanhamento desse processo (LOPES, 2004). Assim, uma boa avaliação de aprendizagem na área de avaliação psicológica deve estar atenta ao nível de criticidade desenvolvido pelos alunos e sua qualidade de elaboração, reelaboração e de produção de novos conhecimentos. Conforme relatos de experiências referenciados na literatura, avaliações de aprendizagem baseadas na elaboração de documentos decorrentes da avaliação psicológica (NORONHA et al., 2013), leituras dos manuais dos testes (VENDRAMINI; LOPES, 2008) e intervenções em projetos sociais (REPOLD; SERAFINI, 2010) têm se constituído como possibilidades nessa etapa.

Por fim, não menos importante, é preciso destacar que, em todas essas etapas, a postura docente necessita ser compromissada com o pedagógico e com o social, de modo que o processo transformador de fato possa ocorrer (LOPES, 2004). Nesse sentido, resgatar no professor a qualidade da relação com o aluno é fundamental para auxiliar no esclarecimento dos rumos de uma nova ação pedagógica (CUNHA, 2004). Em termos práticos, destaca-se aqui o professor como um mediador do processo e seu interesse na formação crítica do aluno de avaliação psicológica.

4 Considerações finais

Conclui-se que planejar um ensino de avaliação psicológica crítico e reflexivo é algo complexo. Deve-se partir, antes de tudo, de um exercício de reflexão diária: que professor eu gostaria de ser?; o que estou fazendo em sala de aula?; por que eu ensino avaliação psicológica?

Assim, é preciso entender que uma concepção mais progressista/crítica no ensino da avaliação psicológica (ou de qualquer outra área) pressupõe atenção especial aos seguintes princípios:

    1. heterogeneidade, na medida em que se tem a consciência de que cada um tem sua forma de aprender e suas limitações com o tema;

    2. contradição, a partir do momento em que se entende que faz parte do processo ter opiniões distintas acerca da importância da área;

    3. mediação, quando se compreende que a função docente não é a de simples transmissor de conteúdos, mas de facilitador/mediador de processos;

    4. atendimento às diferenças, quando se percebe a necessidade de se propor instrumentos/testes de avaliação psicológica que sejam adaptados a diferentes públicos e necessidades estudantis;

    5. criticidade, a partir do momento que, com ética, é discutida a prática de avaliação psicológica, suas dificuldades, limitações e impasses, por meio de situações-problemas, estudos de casos, dentre outros;

    6. atividade, à medida que se tem clareza do papel ativo dos estudantes na produção de conhecimento de avaliação psicológica e é possibilitada sua participação em aula, por meio de diferentes estratégias, como é caso dos debates, problematização de temas e construção de instrumentos para a área;

    7. criatividade, em que se discute em sala de aula ou em sua extensão, a possibilidade de se propor processos de avaliação psicológica inovadores e voltados para a realidade dos avaliados;

    8. cooperação, à medida que é problematizado que nenhuma prática se faz de maneira isolada e que os desafios encontrados na atuação da avaliação psicológica demandam saber lidar com as diferenças e levar em consideração a contribuições de todos;

    9. contextualização, a partir do momento, que se compreende a avaliação psicológica como dependente de um contexto que jamais deve ser desconsiderado.

Desse modo, com base nas discussões anteriores, pode-se apontar que a relação entre ensino de avaliação psicológica, tendências pedagógicas e o planejamento crítico estão mais correlacionadas do que se pensa. Assim, espera-se que, mediante a reflexão sobre as tendências pedagógicas que influenciaram e continuam influenciando o ensino-aprendizagem da avaliação psicológica, esse estudo possa auxiliar os docentes da área a perceberem-se como sujeitos do processo, fornecendo-lhes base para repensar seus planejamentos de modo transformador, crítico e contextualizado.

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Revista Brasileira de Ensino Superior, Passo Fundo, vol. 3, n. 3, p. 42-53, Jul.-Set. 2017 - ISSN 2447-3944

[Recebido: Jul. 24, 2017; Aceito: Nov. 30, 2017]

DOI: https://doi.org/10.18256/2447-3944.2017.v3i3.2047

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