1998

O desempenho acadêmico dos estudantes cotistas e não cotistas no contexto inclusivo da Lei 12.711: uma análise comparativa na Universidade Federal Rural do Semi-árido

The academic performance of quota students in the inclusive context of Law 12.711: a comparative analysis at the Federal Rural University of the Semi-arid – UFERSA

Augusto Carlos Pavão(1); Celeneh Rocha de Castro(2)

1 Doutor em Engenharia Elétrica. Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), Pró-Reitoria de Graduação (gestão 2012-2016). Mossoró, RN, Brasil. E mail: [email protected]

2 Especialista em Pesquisa Educacional com mestrado em andamento em Educação. Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). Mossoró, RN, Brasil. E-mail: [email protected]

Resumo

Este estudo teve como objetivo analisar os aspectos relativos ao rendimento acadêmico, perfil socioeconômico e desempenho no ENEM dos estudantes cotistas de um curso de graduação a partir de dados comparativos à luz da Lei 12.711/2012. Como metodologia de estudo, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, na qual se buscou um panorama dos principais programas e políticas governamentais relacionados à expansão, reestruturação e inclusão no Ensino Superior Público, bem como uma contextualização histórica e política da chamada Lei de Cotas. Foi realizada ainda uma pesquisa de campo com dados coletados, a partir do Sistema de Gestão Acadêmica da UFERSA, dos estudantes do curso de Ciência e Tecnologia no período de 2012-2015. O conjunto de dados e análises efetuadas permite constatar que fatores pré-ingresso na universidade, como condição socioeconômica e resultado no ENEM, apesar de influenciarem, são pouco determinantes no rendimento acadêmico. Condições sociais dos estudantes existentes durante o curso superior, no entanto, tem influência significativa.

Palavras chave: Políticas públicas. Cotas. Rendimento acadêmico. UFERSA.

Abstract

The objective of this study was to analyze the aspects related to the academic performance, socioeconomic profile and performance in the ENEM of the quota students of an undergraduate course based on comparative data in light of Law 12.711/2012. As a study methodology, a bibliographical research was carried out, in which an overview of the main government programs and policies related to the expansion, restructuring and inclusion in Public Higher Education was searched, as well as a historical and political contextualization of the so-called Quota Law. A field survey was conducted with data collected from the UFERSA Academic Management System of the students of the Science and Technology course in the period 2012-2015. The set of data and analyzes made allow to verify that factors pre-admission in the university, such as socioeconomic condition and result in the ENEM, although they influence, are little determinant in the academic income. Social conditions of the existing students during the upper course, however, have significant influence, as in the case of night shift students.

Keywords: Public policies. Quotas. Academic achievement. UFERSA.

1 Introdução

Implantada recentemente, em termos da dinâmica acadêmica, a Lei 12.711/2012, chamada “Lei das Cotas”, insere-se em um amplo contexto de expansão e de democratização do Ensino Superior Público. Como qualquer política pública, é necessário um permanente acompanhamento e ajuste para garantir seus objetivos. Tal acompanhamento só pode ser feito a partir de dados obtidos de pesquisas e da análise do próprio processo em andamento, quase sempre muito distante da realidade planejada nos altos escalões do corpo técnico e político que a implementou.

O presente trabalho, após contextualizar o processo histórico mais amplo de expansão e de democratização, além de detalhar esse processo no âmbito da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), focaliza em dados obtidos da análise conjunta de desempenho acadêmico e de perfil socioeconômico dos estudantes do curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia. O objetivo dessa análise específica é trabalhar com dados concretos que permitam correlacionar o desempenho de estudantes cotistas entre si e com estudantes de ampla concorrência, além de traçar perfis genéricos e por categoria de cota de características como idade, sexo, entre outras.

Situada no interior do Rio Grande do Norte (RN), a UFERSA é exemplo típico do processo de expansão e democratização, tanto pelo aumento expressivo de vagas na graduação quanto pelo perfil socioeconômico dos moradores da região. Dessa forma, em que pese o fato de ser uma análise específica de um determinado curso, deve refletir uma realidade comum a muitas universidades brasileiras com semelhante histórico e condições regionais. Reflete principalmente, nos resultados de uma política pública, que, apesar de genérica para todo o país, visou alterar a realidade precisamente em contextos como da UFERSA: universidade que atende a regiões carentes tanto do ponto de vista social como de acesso ao ensino superior público, aspectos quase sempre associados em nosso país.

Os resultados obtidos permitem desmistificar pré-conceitos relativos à criação da reserva de vagas, elaborados sem a devida análise dos dados concretos, lacuna em que esse trabalho pretende oferecer alguma contribuição.

2 Expansão do ensino superior no Brasil

Brito (2009) aborda como os primeiros passos para entrada do ensino superior no Brasil, os cursos de Cirurgia na Bahia, Cirurgia e Anatomia no Rio de Janeiro, datados do ano de 1808; em 1810 com a Academia Real da Marinha e Real Militar; em 1812 com a Escola de Agricultura; em 1816 com a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios; em 1817 com o curso de Química e de Desenho Industrial em 1818 e posteriormente os cursos jurídicos (Convento de São Paulo e Mosteiro de São Bento, em Olinda). Sendo então a primeira Faculdade de Filosofia do Brasil, fundada em 1908 no mosteiro Beneditino de São Paulo. No entanto, o marco da criação da primeira universidade oficial (FÁVERO, 2006) foi em 1920 com a Universidade do Rio de Janeiro, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, a partir da junção dos cursos superiores da Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Direito.

Desde a então, já se passaram quase cem anos e atualmente contamos com 2.391 instituições, de acordo com o senso da educação superior (INEP, 2013). Desse total, 106 são federais, 119 são da esfera estadual, 76 da esfera municipal e sua grande maioria da esfera privada, num total de 2.090 instituições de ensino superior.

Em meio a um crescimento não sistematizado, mas gradual e temporal, Biasotto (2010) aborda:

Desde a fundação da primeira Universidade brasileira, a UFRJ, em 1920, até 1963, foram criadas no Brasil 20 Universidades Federais. Dez delas, coincidindo com o governo desenvolvimentista de Juscelino Kubtscheck, sendo oito em 1960 e duas no início de 1961. Nos anos de 1962 e 1963 foram criadas apenas três Universidades no Brasil. [...] No período em que os militares ocuparam o poder foram criadas 16 Universidades1. [...] Entre 1986 e 2002 foram criadas 9 universidades sendo 6 delas no governo FHC, 1 em 2000 e 5 em 2002. Entre 2005 a 2009, período governado por Lula, foram criadas 12 Universidades no Brasil, e duas estão em frase de tramitação do Congresso Nacional (BIASOTTO, 2010, p. 1).

Apesar das diversas críticas sobre as reais intensões da expansão do ensino superior no Brasil, temos percebido que esta tem atingido um público nunca antes ocupante desse espaço educativo. Souza (2012) afirma que “desde a década de 1990 vem ocorrendo um leve crescimento no ingresso de estudantes negros e da classe trabalhadora nas universidades. Esse crescimento deve-se, em parte, à institucionalização por parte do Estado de ações afirmativas na área educacional”. Além das ações afirmativas outros mecanismos têm contribuído para ampliação desse acesso, especialmente das classes menos favorecidas.

Sem entrar nos pormenores dessas concepções que embasam a expansão do ensino superior, apresentaremos sinteticamente os principais projetos implantados pelos últimos governos visando a expansão da educação superior no país: Programa Universidade para Todos (PROUNI), Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI).

2.1 Programa Universidade para Todos – PROUNI

Programa que concede bolsas de estudo integrais e parciais em instituições privadas de educação superior, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica a estudantes brasileiros sem diploma de nível superior. No entanto, para tornar-se bolsista desse programa o estudante terá que atender pelo menos a uma das diversas condições impostas pelo programa.

Para a maioria das condições é exigido que o candidato possua renda familiar bruta mensal de até um salário mínimo e meio por pessoa para concorrer a bolsa integral e, de até três salários mínimos para concorrer a bolsas parciais de 50%.

2.2 Fundo de Financiamento Estudantil – FIES

Programa destinado à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores presenciais não gratuitos e com avaliação positiva no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), oferecidos por instituições de ensino superior participantes do programa, e que atendam as demais exigências estabelecidas nas normas do FIES para essa finalidade.

Para ter acesso ao programa o estudante tem que participar do ENEM, obtendo média aritmética igual ou superior a 450 pontos e nota diferente de zero na redação. Um aspecto que merece destaque no programa é o desconto de 1% ao estudante “professor” que tenha financiado seu curso de licenciatura, para tanto são definidos alguns critérios2.

2.3 Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni)

Os programas de expansão do ensino superior federal, nos últimos anos ocorreram em duas fases, sendo a primeira fase denominada de Expansão I, cuja meta principal era a interiorização do ensino superior público federal, e a segunda fase foi denominada de REUNI, que teve como objetivo principal “[…] criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação presencial, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais” (BRASIL, 2012).

Como uma das ações que integram o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), o REUNI foi instituído pelo Decreto 6.096, de 24/04/2007 tendo como meta global a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para 90% e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para 18, ao final de cinco anos, a contar do início de cada plano.

O programa definiu diretrizes estruturadas a partir de seis dimensões com um conjunto de aspectos específicos em cada uma delas que devem ser combinadas no plano de reestruturação das universidades federais, de acordo com a opção institucional em cada caso. No texto das Diretrizes Gerais para o REUNI as dimensões,

[…] visam, atendidas as exigências colocadas pelas metas, pontuar aspectos que, ao serem implementados, possibilitam uma concepção mais flexível de formação acadêmica na graduação de forma a evitar a especialização precoce e possibilitar que o seu desenvolvimento atenda às diversidades regionais, às particularidades locais, bem como às múltiplas áreas de conhecimento que integram os diferentes cursos, resguardado o caráter de universalidade que caracteriza o saber acadêmico. (Diretrizes Geais – REUNI, 2007, p. 10).

Levando em consideração as dimensões estabelecidas, as instituições, ao aderir ao programa, propõem ações dentro dos subitens para cada dimensão da reestruturação, conforme arranjo a seguir:

I. Ampliação da Oferta de Educação Superior Pública

a. Aumento de vagas de ingresso, especialmente no período noturno;

b. Redução das taxas de evasão; e

c. Ocupação de vagas ociosas.

II. Reestruturação Acadêmico-Curricular

a. Revisão da estrutura acadêmica buscando a constante elevação da qualidade;

b. Reorganização dos cursos de graduação;

c. Diversificação das modalidades de graduação, preferencialmente com superação da profissionalização precoce e especializada;

d. Implantação de regimes curriculares e sistemas de títulos que possibilitem a construção de itinerários formativos; e

e. Previsão de modelos de transição, quando for o caso.

III. Renovação Pedagógica da Educação Superior

a. Articulação da educação superior com a educação básica, profissional e tecnológica;

b. Atualização de metodologias (e tecnologias) de ensino-aprendizagem;

c. Previsão de programas de capacitação pedagógica, especialmente quando for o caso de implementação de um novo modelo.

IV. Mobilidade Intra e Interinstitucional

a. Promoção da ampla mobilidade estudantil mediante o aproveitamento de créditos e a circulação de estudantes entre cursos e programas, e entre instituições de educação superior.

V. Compromisso Social da Instituição

a. Políticas de inclusão;

b. Programas de assistência estudantil; e

c. Políticas de extensão universitária.

VI. Suporte da pós-graduação ao desenvolvimento e aperfeiçoamento qualitativo dos cursos de graduação

a. Articulação da graduação com a pós-graduação: Expansão quali-quantitativa da pós-graduação orientada para a renovação pedagógica da educação superior.

A participação no programa foi condicionada a adesão da universidade através da apresentação de planos de reestruturação que, após aprovados pelo MEC passa a receber investimentos para aplicar em contratações de professores e servidores administrativos, recuperação e construção de infraestrutura e aquisição de equipamentos diversos. Entretanto, o acréscimo desses investimentos é gradual e limitado ao percentual de 20% das despesas de custeio e pessoal da universidade, e condicionado à capacidade orçamentária e operacional do MEC. Além disso, as propostas encaminhadas ao MEC devem necessariamente atender às diretrizes do programa, além de assumir o compromisso de aumentar no mínimo 20% das matrículas de graduação projetadas para a universidade.

3 Democratização do ensino superior no Brasil

Avaliando conceitos em alguns dicionários, constatamos que o significado de democratização mais usual é o “ato ou efeito de democratizar”, que de forma mais delineada significa tornar acessível ou popular. Democratizar o ensino superior, portanto, significa permitir que os inúmeros grupos historicamente excluídos desse campo sejam inseridos quantitativa e qualitativamente.

A expansão dessa categoria é um movimento primordial para a consolidação de uma nação potencialmente desenvolvida e economicamente forte e que assegure a democratização de um ensino de qualidade.

Para Dias Sobrinho:

O direito social à educação de qualidade é um aspecto essencial e prioritário da construção da sociedade, de consolidação da identidade nacional e instrumento de inclusão socioeconômica. Por isso, assegurá-lo adequadamente é dever indeclinável do Estado (2010, p. 1225).

O direito social à educação de qualidade como um dever inevitável do Estado não pode ser visto apenas como a ampliação da oferta do número de vagas, é necessário que as condições materiais para a permanência e conclusão com qualidade também sejam garantidas aos alunos de poder aquisitivo restrito. Dias Sobrinho (2013) aborda que a expansão quantitativa, apesar de ser extremamente importante no processo de democratização da educação superior, é apenas uma das faces desse processo. Para Oliveira (2008), “democratizar o acesso à educação superior com qualidade social significa democratizar a utilização dos recursos do fundo público com efetivo controle social, exercido por organismos legitimamente aceitos pela sociedade civil”.

Projetos como FIES, PROUNI e REUNI favoreceram a expansão do ensino superior no Brasil, no entanto, são insuficientes para a efetivação dessa política, sendo necessária a adoção de outras medidas que promovam além do acesso das camadas sociais mais periféricas, a permanência desse aluno na universidade. Desta feita, eclodem discussões nos movimentos sociais que lutam pela implementação de políticas públicas que efetivamente favoreçam a concretude desse acesso, permanência e as ações afirmativas entram nesse rol.

Nesse sentido, corroboramos com o pensamento de Cavalcante (2015, p. 335) que compreende:

As políticas de cotas, como uma forma de ação afirmativa, entendida como conjunto de medidas que visam a superar as desigualdades entre grupos sociais e raciais que ocupam posições inferiores no espaço social, têm como finalidade proporcionar o acesso de grupos excluídos a níveis mais elevados de educação, de emprego, de bens materiais, de reconhecimento cultural, entre outros, bem como ampliar a participação no mundo social.

Dentre as ações afirmativas adotadas recentemente, destacamos a Lei 12.711/2012 e o PNAES. Importante faz-se destacar a compreensão de Souza (2012) sobre a polêmica temática das cotas, caracterizada como uma possibilidade de superação das desigualdades. Ele compreende que:

O sistema social tenta limitar essa superação, reproduzindo desigualdades de outras formas, no entanto, a política de cotas, mesmo fazendo parte de um sistema que sofre violência simbólica, contribui para a promoção de modificações na estrutura da pirâmide social e educacional, pois uma vez que proporciona a elevação dos níveis sociais, tais políticas abrem possibilidade para que aquelas pessoas que vivem em condições socioeconômicas menos favoráveis também sejam elevadas socialmente (SOUZA, 2012, p. 4).

Compreendemos que a abertura dessas possibilidades é iniciada pela sanção, em agosto de 2012 da Lei 12.711 que garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público ou da educação de jovens e adultos. A Lei foi regulamentada pelo Decreto 7.824/2012, que define as condições gerais de reservas de vagas, estabelece a sistemática de acompanhamento das reservas de vagas e a regra de transição para as instituições federais de educação superior. Há, também, a Portaria Normativa 18/2012, do MEC, que estabelece os conceitos básicos para aplicação da lei; prevê as modalidades das reservas de vagas e as fórmulas para cálculo; fixa as condições para concorrer às vagas reservadas e estabelece a sistemática de preenchimento das vagas reservadas.

A Lei 12.711/2012 representa um ícone na educação brasileira ao determinar às IFES a inclusão de grupos sociais historicamente excluídos, iniciando assim, um processo de “deselitização” das universidades, o que causa alguns incômodos aos grupos tradicionalmente beneficiários. Certamente o impacto dessa nova perspectiva, não apenas no âmbito das IFES, mas na sociedade brasileira, desperta a ampliação do debate e embates por grupos de interesses contraditórios. Não iremos aprofundar essa discussão, por limitação desse estudo, mas acessível à riqueza e importância de se efetivar discussões que se concretize uma sociedade justa e igualitária para todos os seus integrantes, independente de cor, raça ou qualquer outro atributo.

A adoção das medidas definidas pela Lei foi aplicada de forma gradativa, no entanto, apresenta impactos imediatos, como mostra o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) do IESP-Uerj ao publicar um estudo sobre o impacto da Lei nas universidades federais através da comparação do perfil da ação afirmativa no Brasil em 2012, ano imediatamente anterior à implantação da lei, com o de 2013. A partir de uma perspectiva bastante positiva, o estudo constata:

[...] um aumento significativo de vagas para alunos de escola pública e não-brancos: 31% universidades federais que ainda não praticavam as ações afirmativas aderiram a essas medidas. Além disso, ainda que a lei tenha previsto para o ano de 2013 um mínimo de reserva de vagas no valor de 12,5%, de modo geral as universidades ultrapassaram essa meta, o que aumentou o número mínimo previsto de 23.591 vagas para 59.432 vagas reservadas, isto é, 31,5% do total de vagas ofertadas. Esse aumento parece indicar uma adesão entusiasmada das universidades aos dispositivos da lei. (GEMAA, 2013).

Os direitos a igualdade de condições de acesso e permanência na escola estão assegurados na Constituição Federal Brasileira, e reforçados na LDB. Especificamente no ensino superior esses princípios estão avigorados também no SINAES, quando objetiva identificar na avaliação da instituição o significado de sua atuação na dimensão das políticas de atendimento aos estudantes.

Reforçando a perspectiva que o acesso ao ensino superior necessita de outras medidas além da ampliação de vagas, o PNAES surge com a finalidade específica de “[...] ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal” (BRASIL, 2010). Esse programa se efetivou por meio de ações de assistência estudantil vinculadas ao desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão tendo como destinatário os estudantes dos cursos de graduação presencial das IFES. As áreas estratégicas em que serão desenvolvidas as ações de assistência estão estabelecidas no Decreto 7.234/2010, que regulamenta o PNAES.

4 A expansão da UFERSA a partir do REUNI

A criação da UFERSA insere-se no programa de ampliação do ensino superior estabelecido pelo PNE (2001/2011), que tem como meta atender pelo menos 30% de jovens da faixa etária de 18 a 24 anos até o final desta década. Para atender às diversas metas estabelecidas, o plano prevê a expansão e ampliação da oferta de cursos superiores e de vagas para estudantes em instituições públicas.

O processo de criação da UFERSA ocorreu em 2005, a partir da transformação da Escola Superior de Agricultura de Mossoró, com um forte potencial de desenvolvimento para o semiárido nordestino, através da oferta de oportunidades de profissionalização, desenvolvimento tecnológico e científico, solidificando as atividades já desenvolvidas pelo arcabouço anterior.

Nesse sentido, a UFERSA é partícipe das duas fases do programa de expansão do Governo Federal: expansão I e Reuni. A sua criação, como uma ação da fase I e a sua expansão, como ação do Reuni.

A adesão ao REUNI ocorreu em 2008 com a proposta de ampliação do Campus Central em Mossoró e implantação de três Campi Avançados nas Microrregiões de Pau dos Ferros, Chapada do Apodi e Angicos, com a perspectiva de contribuir não apenas para essas regiões, mas para todo semiárido do Nordeste. A universidade se comprometeu ainda, com a “[…] implantação de uma nova estrutura pedagógica, iniciando-se pela escolha da carreira profissional reduzindo a precocidade dessa escolha” (Plano de Reestruturação/UFERSA 2008).

No seu Plano de adesão ao REUNI, a UFERSA atende as diretrizes do programa propondo atuação de acordo com cada uma das dimensões estabelecidas, conforme apresentação a seguir:

Na dimensão Ampliação da oferta de Educação Superior Pública, a UFERSA optou por apresentar as seguintes propostas: ampliação do total de vagas anuais com acréscimo na ordem de 133%. Para o noturno o aumento representativo é de 146%; ampliação do número de cursos de graduação; estudar um índice que quantifica as taxas de evasão e a retenção, procurando definir e atacar suas causas; reestruturar o programa de monitoria; criar um programa de apoio ao desenvolvimento básico, através de nivelamento ao ingressante; desenvolver um estudo da atual estrutura de reocupação de vagas ociosas; realizar modificação no sistema de provimento das vagas remanescentes; promover ampla divulgação de todos dos programas de mobilidade acadêmica interna e externa.

Na dimensão Reestruturação Acadêmico-curricular as ações foram: redução do número de pré-requisitos; criação do Bacharelado em Ciências e Tecnologia como critério de acesso aos cursos de segundo ciclo; reestruturação do Projeto Pedagógico Institucional; melhoria no atendimento de apoio pedagógico ao estudante; redução do número de disciplinas obrigatórias; criação de disciplinas que permitam a integração interdisciplinar; disponibilização de currículo mais flexível; organização de um sistema de orientações curriculares; flexibilização das estruturas curriculares; estudar a integração multidisciplinar entre os diversos cursos; criar grades curriculares com maior flexibilidade; reorganizar a estrutura pedagógica e acadêmica da instituição de modo a contemplar maior mobilidade estudantil intra/interinstitucional; ampliar a adoção de atividades complementares curriculares; elevação da taxa média de conclusão; superação da especialização precoce;

Na dimensão Renovação pedagógica da Educação Superior a UFERSA definiu: criar especializações voltadas ao aprofundamento da formação de professores do ensino fundamental e médio; criar um programa de licenciaturas; criar especializações voltadas ao aprofundamento da formação de professores do ensino fundamental e médio; oferta de novas opções de utilização de tecnologias para uso no ensino presencial; universalização do acesso dos alunos à informática, à internet e às novas tecnologias; modernização do acesso aos diversos serviços: bibliotecas, emissão de certificados e outros; incentivar a utilização de novas tecnologias; motivar a capacidade de estudo autônomo; propiciar o intercâmbio da experiência de ensino entre docentes intra e interdepartamental; oferecer cursos didáticos-pedagógicos aos docentes; criar sala de estudos com recursos de consulta e interatividade; e criar ambiente de convivência e interação docentes.

A dimensão da Mobilidade Intra e Interinstitucional, foram propostas as seguintes ações: instituição de programas de mobilidade acadêmica; elaboração de uma legislação para mobilidade; ampla divulgação; incentivo à participação dos estudantes no processo de mobilidade.

Em relação à dimensão do Compromisso Social da Instituição, a UFERSA propôs: regulamentar um sistema de cotas; ampliar a taxa de escolarização superior dos alunos egressos da rede pública do ensino do ensino médio; adequação da estrutura arquitetônica para acessibilidade de pessoas com deficiência; aquisição de equipamentos e softwares para acessibilidade de pessoas com deficiência; ampliação do número de vagas na vila acadêmica; aumento do número de bolsas; instituição do programa de apoio à alimentação; implementação da bolsa para programas de pós-graduação; participação em editais com características específicas.

Completados oito anos de adesão REUNI, é inegável a expansão alcançada pela UFERSA, especialmente nos aspectos relacionados a primeira dimensão – Ampliação da Oferta de Educação Superior – que conseguiu índices bastante significativos. Ainda há um imenso caminho a percorrer, muitos são os desafios a enfrentar, entretanto, acredita-se que a universidade está empreendendo esforços na busca pela efetivação de uma educação superior acessível a todas as camadas sociais com qualidade.

Nessa perspectiva, apresentaremos na seção seguinte uma análise dos resultados acadêmicos dos estudantes cotistas, visando destacar a importância das políticas de acesso ao ensino superior enquanto estratégia de democratização.

5 Análise de resultados acadêmicos dos estudantes assistidos pelas políticas de acesso e permanência implantadas pela UFERSA

5.1 Contextualização dos dados

Um dos objetivos principais das políticas inclusivas na educação superior é o de permitir, além do acesso, a permanência e o adequado rendimento acadêmico daqueles contemplados por essas políticas.

Nesse contexto, foi realizada uma análise comparativa de dados do desempenho acadêmico entre estudantes cotistas e não cotistas no curso de Ciência e Tecnologia da UFERSA. Tratando-se de um bacharelado com duração de três anos, os resultados têm correlação direta com futuros índices de conclusão, pois integraram a pesquisa os ingressantes de 2012 a 2015, bem como foi este período o utilizado para coleta de resultados acadêmicos. Trata-se também de curso com elevada concorrência no ingresso, o que evidencia o fator inclusivo da política de cotas.

A seguir, são apresentados os parâmetros e a metodologia utilizados para coleta dos dados, bem como os resultados obtidos e devida discussão.

5.2 Parâmetros, metodologia e definição dos dados e variáveis

Quanto ao período de coleta, os dados utilizados se referem aos ingressantes de 2012 a 2015 e ao desempenho acadêmico extraído do SIGAA em 28 de janeiro de 2016, portanto, relativo às notas obtidas até o semestre 2015.1 (atraso no calendário letivo devido à greve de 2015).

Em meio às particularidades do dado estudo, foram unificadas através do CPF do discente as bases de dados do SISU e do Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA) da UFERSA, permitindo assim consolidar dados socioeconômicos e de desempenho do SISU com dados do desempenho acadêmico na UFERSA.

Em vista da configuração de dados disponíveis, para que as análises fossem consistentes, foram estabelecidos os seguintes parâmetros: a) o ano de ingresso 2012 foi incluído principalmente nas análises como fator comparativo com os anos seguintes, visto que em 2012 ainda não havia sido aplicada a Lei das Cotas3; b) só foram considerados os ingressantes até 2014 para que no cômputo do rendimento acadêmico (IRA e IEA) houvesse um mínimo de dois semestres completos de atividades acadêmicas; e c) todos os dados de desempenho no ENEM foram normalizados, dividindo-se a pontuação disponível no SISU por 100 vezes para que as comparações com o desempenho acadêmico pudessem ser feitas em uma mesma escala de zero a dez.

5.3 Análise dos dados

Os dados apresentados nesta seção têm por objetivo verificar e qualificar/quantificar possíveis correlações entre os fatores socioeconômicos, de desempenho acadêmico e de desempenho no ENEM dos estudantes do curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia da UFERSA. Devido grande número do conjunto desses fatores, as análises são feitas de forma distribuída entre pequenos grupos de fatores. Somadas, essas análises parciais permitem uma visão global das eventuais correlações. Por simplicidade, a menos de menção contrária, todos os dados se referem ao curso de Ciência e Tecnologia, sendo mencionados apenas em cada análise parâmetros como turno e categoria de cota dos estudantes desse curso.

Com relação ao rendimento acadêmico observou-se que os estudantes do período noturno têm resultados inferiores. Para o IRA os resultados foram 4,68 e 3,79 para os períodos diurno e noturno respectivamente. Analogamente, no que se refere ao IEA obteve-se 2,85 e 1,98. Devido o índice IEA estar relacionado a um desempenho mais constante e com menor número de reprovações, verifica-se uma acentuada deficiência no período noturno em relação ao diurno, fato previsível devido ao reduzido tempo disponível para estudo extraclasse, o maior número de faltas e demais responsabilidades dos estudantes do período noturno.

De forma comparativa pode-se destacar que em pesquisa realizada em um curso de Ciências Contábeis, num comparativo do desempenho acadêmico entre estudantes do turno noturno e integral, em que autores afirmam que os resultados foram contrários ao que se esperava, onde

Ferlim e Tozzi (2005), Camargo e Silva (2006) e Lacerda (2004) não foram encontradas diferenças significativas entre os desempenhos dos estudantes dos dois turnos. Já nas pesquisas de Carelli e Santos (1998) e Amorim, Rodrigues e Rodrigues (2012) os estudantes do turno diurno tiveram desempenhos superiores aos discentes do turno noturno (PEREIRA; MOURA; MIRANDA, 2015, p. 65).

Considerando os dados disponíveis para ingressantes de 2012 a 2015, as figuras 1 e 2 mostram o rendimento acadêmico em função da categoria de cota para os períodos integral e noturno dos cursos de Ciência e Tecnologia. Observou-se que embora o maior índice de IRA seja, em ambos os casos, o da ampla concorrência, para o IEA, índice que procura mensurar a regularidade do estudante, ocorre uma inversão no período noturno. Nesse período, os estudantes da categoria L1 têm IEA superior ao da ampla concorrência e maior regularidade acadêmica. Nessa perspectiva Cardoso (2008, p. 99) supõe que “os alunos cotistas valorizem mais a entrada na universidade por conta das dificuldades enfrentadas na seleção de ingresso”.

Figura 1. Comparativo entre os índices IRA e IEA entre estudantes
das 4 categorias de cotas do turno integral

2979.png

Fonte: Elaborado pelos autores.

Figura 2. Comparativo entre os índices IRA e IEA entre estudantes
das 4 categorias de cotas do turno noturno

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Fonte: Elaborado pelos autores.

As cotas L1 e L2, caraterizadas pela renda per capita inferior a 1,5 salários mínimos, apresentam em geral rendimento acadêmico superior ao das categorias L3 e L4, o que mostra, a princípio, que considerando estudantes de escola pública, a renda familiar não é fator preponderante no desempenho acadêmico, ou, se for, atua em sentido inversamente proporcional a esse desempenho.

Quanto às categorias L2 e L4, relacionadas aos autodeclarados pretos, pardos ou índios, comparadas com seus complementares dentro da mesma faixa de renda, L1 e L3, mostram desempenho de estudos influenciado fortemente pelo período no caso de L2. No período integral, L2 tem rendimento nitidamente inferior a L1. Entretanto, L4 e L3 têm rendimento praticamente idêntico nos dois períodos. Ou seja, para o estudante já integrado ao mercado de trabalho, a etnia não influencia em seu desempenho acadêmico, talvez porque essa própria integração já indique que não houve maior deficiência comparativa em sua formação no ensino básico ou que essa integração tenha sido o motor para uma melhor qualificação e superação das eventuais dificuldades relativas.

Outra característica que marca acentuadamente a diferença no perfil dos estudantes nos dois períodos é a faixa etária. Como esperado, a média de idade dos estudantes do período noturno é superior, e a figura 3 indica que essa diferença é de cerca de 4 anos e meio na categoria AP (máxima diferença) e, em torno de 2 a 3 anos e meio nas outras categorias. O fato da maior diferença ocorrer na categoria AP pode ser explicado pelo fato dessa categoria apresentar, a princípio, um maior poder aquisitivo, pois provém da rede particular no Ensino Básico, e, portanto, seus estudantes geralmente ingressam de forma mais tardia no mercado de trabalho.

Figura 3. Comparativo da idade média entre estudantes
das 4 categorias de cotas para o integral e noturno

3013.png

Fonte: Elaborado pelos autores.

Analisando a questão etária independente da categoria de cota, a idade média geral de ingresso foi de 19,8 e 23,6 anos respectivamente para os períodos diurno e noturno, o que é um resultado bem próximo ao da categoria AP, pois, essa numericamente é bem superior às outras e, portanto, define a média geral e a distribuição da idade no ingresso. Na distribuição foram desconsiderados os ingressantes com idade superior a 48 anos.

Na Figura 4, é apresentada a distribuição da idade no ingresso em faixas de 2 anos, onde pode-se observar melhor a diferença na composição etária. Nota-se que a distribuição no período noturno é muito mais uniforme em uma faixa, por exemplo, de 17 a 30 anos, enquanto que no período integral há forte predominância de estudantes entre 17 a 20 anos, cerca de 77% do total. Tal constatação provoca importantes reflexões nas questões, sempre presentes, da excessiva rigidez curricular, “conteudismo” e falta de flexibilidade nos processos avaliativos e pedagógicos no âmbito geral.

Figura 4. Distribuição da idade por faixa etária nos turnos integral e noturno

3033.png

Fonte: Elaborado pelos autores.

Na sequência são analisadas correlações entre o sexo desses estudantes, seu desempenho tanto no ENEM quanto acadêmico, bem como a distribuição de sexo em cada período. Na figura 5 verifica-se uma distribuição semelhante entre os sexos para o período integral e para o noturno, mas com maior discrepância no período noturno, onde atinge mais de 70% para o sexo masculino e menos de 30% para o sexo feminino, adequando-se a mecanismos socioculturais que levam a área de Ciências Exatas a serem escolhidas majoritariamente pelos homens.

Figura 5. Distribuição dos estudantes entre os sexos para
os turnos integral e noturno

3053.png

Fonte: Elaborado pelos autores.

A figura 6 permite observar que essa proporção entre os sexos não apresenta ao longo do tempo uma tendência de alteração constante, mas apenas flutuações em torno de um valor de aproximadamente 25% para o sexo feminino. Na figura 7 pode ser observada a distribuição entre os sexos em função da categoria de cota. Observa-se que, no período integral na categoria L1 – estudantes de escola pública com renda familiar per capita inferior a 1,5 salários mínimos – ocorre a maior porcentagem do sexo feminino, aproximadamente 38%. Nesse mesmo período, a porcentagem de L2 é uma das mais baixas, 28%.

Figura 6. Distribuição dos estudantes entre os sexos para os turnos
integral e noturno, em função do ano de ingresso

3081.png

Fonte: Elaborado pelos autores.

Figura 7. Distribuição dos estudantes entre os sexos para os turnos integral
e noturno e por categoria de cota

3076.png

Fonte: Elaborado pelos autores.

No período noturno há inversão: 28% para L1 e 33% para L2. O mesmo tipo de inversão acontece quando consideramos L3 e L4 nos dois períodos. Pode-se, em vista disso, aventar as seguintes hipóteses: mulheres economicamente ativas se sentem mais atraídas pelas profissões relacionadas à área de exatas, bem como, de forma geral, mulheres que cursam o ensino básico em escola pública também são mais presentes nas carreiras de exatas que as mulheres provenientes do ensino privado. Tal fato pode ser explicado pelo maior número de oportunidades de trabalho que foram criadas nos últimos anos nessa área.

Quanto à correlação entre desempenho e sexo, observa-se na figura 8 que o desempenho acadêmico dos estudantes do sexo masculino é sistematicamente inferior ao dos estudantes do sexo feminino. No período integral essa diferença é mais acentuada, sendo de 7% para o IRA e de 16% para o IEA, o que é esperado no sentido da maior organização dos estudos e demais atividades acadêmicas por parte das mulheres, realidade contrária aos estudos de Cardoso (2008) que apontam um melhor desempenho masculino representado pelos alunos cotistas, enquanto para o sexo feminino o melhor desempenho é das não cotistas.

Figura 8. Desempenho acadêmico médio para cada sexo e turno

3097.png

Fonte: Elaborado pelos autores.

Na figura 9 o status do estudante (situação em fevereiro de 2016), está indicado em função do sexo e do período no curso. De maneira similar ao dos índices acadêmicos, o índice de cancelamentos é inferior nos estudantes do sexo feminino e, por conseguinte, o índice de estudantes ativos é maior. Repete-se a menor discrepância entre os sexos no período noturno, da mesma forma que ocorreu com os índices acadêmicos.

Figura 9. Distribuição do status de matrícula para cada sexo e turno

3116.png

Fonte: Elaborado pelos autores.

A figura 10 apresenta o status por categoria de cota; restrito ao período de ingresso 2013-2014, eliminando o ano de 2012 onde não houve cotistas e o ano de 2015 para o qual ainda não houve, à época da coleta de dados, suficiente consolidação do status. Os resultados são apresentados em porcentagem em relação ao total de cada categoria de cota de cada curso. Constata-se um comportamento nitidamente diferente nos dois períodos. Os índices de cancelamento são em média 10% superiores aos do curso diurno considerando-se todas as categorias de cota. A categoria AP tem um dos menores índices no período integral e um dos maiores índices no período noturno, o que pode indicar que o fator da atividade profissional é mais preponderante que diferenças relacionadas à categoria de cota, como o local em que foi cursado o Ensino Básico. Outro ponto a se destacar dessa análise é que os índices de cancelamento das categorias L2 e L4 são os mais elevados dentro de um mesmo período, mas essa diferença é inferior à diferença entre os períodos.

Figura 10. Distribuição do “status” de matrícula em função
da categoria de cotas e do turno

3123.png

Fonte: Elaborado pelos autores.

Nas figuras 11 e 12 são apresentados os desempenhos acadêmicos médio em função do sexo e da categoria de cotas para os períodos integral e noturno respectivamente. No período integral o desempenho das mulheres é superior ao dos homens em todas as cotas, o que é consistente com os resultados gerais já apresentados na figura 10. Já no período noturno, o desempenho acadêmico das mulheres é inferior ao dos homens nas categorias L1, L2 e L3, portanto apenas em AP e L4 mantém-se o comportamento verificado no período integral. Provavelmente a, muitas vezes, “jornada tripla” das mulheres estudantes, inseridas no mercado de trabalho e responsáveis por tarefas domésticas, explica esse rendimento inferior no período noturno ao demonstrar sua sobrecarga de atividades em relação aos homens.

Figura 11. Desempenho acadêmico médio em função do sexo
e da categoria de cota para o período integral

3141.png

Fonte: Elaborado pelos autores.

Figura 12. Desempenho acadêmico médio em função do sexo
e da categoria de cota para o período noturno

3153.png

Fonte: Elaborado pelos autores.

A menor renda per capita é mais determinante no período noturno do que a etnia ao se comparar L3 com L4 e L1 com L2, podendo-se, inclusive, dizer que as categorias “pares”, ligadas ao grupo de pretos, pardos e índios tem rendimento superior quando há condições econômicas favoráveis, talvez, devido a uma maior valorização subjetiva da oportunidade advinda da reserva de cotas.

Nas análises seguintes foi considerada a nota final no curso obtida no ENEM, uma nota ponderada com os pesos das áreas de conhecimento definidos por cada IFES. No caso, o peso para a área de matemática e suas tecnologias é geralmente maior para os cursos da área de tecnologia.

A Figura 13 mostra a média da nota no ENEM normalizada para o intervalo zero a dez, considerando a ponderação do curso, observando que apenas a categoria de ampla concorrência se destaca com uma nota superior em cerca de 13% das demais categorias, que tem resultados praticamente idênticos entre si. Pela visualização simultânea nesse gráfico dos índices de rendimento acadêmico, percebe-se que as diferentes condições socioeconômicas apresentam maior impacto no desempenho acadêmico que no resultado obtido no ENEM.

Figura 13. Média de desempenho acadêmico e média de desempenho
no ENEM em função da categoria de cota e do turno

3166.png

Fonte: Elaborado pelos autores.

O desempenho no ENEM também não parece dependente do sexo nas médias gerais do curso analisado, conforme indica a tabela 1. No entanto, ao observar a média por sexo, conforme dados da mesma tabela, dentro de cada cota, surgem resultados semelhantes aos obtidos anteriormente para o desempenho acadêmico, com certo comportamento típico em função da cota e do sexo, relacionado às fragilidades sociais em questão.

Tabela 1. Desempenho no ENEM em função do período do curso,
categoria de cota e sexo

Média ENEM normalizada

Sexo

Total geral

F

M

C&T INT

AP

5,94

5,99

5,97

L1

5,19

5,25

5,23

L2

5,29

5,18

5,21

L3

5,12

5,24

5,20

L4

5,17

5,21

5,20

C&T INT Total

5,67

5,72

5,70

C&T NOT

AP

6,00

6,10

6,08

L1

5,48

5,19

5,27

L2

5,34

5,14

5,20

L3

5,30

5,47

5,43

L4

5,07

5,42

5,32

C&T NOT Total

5,68

5,79

5,76

Total Geral

5,68

5,74

5,72

Fonte: Elaborado pelos autores.

O SISU tem se mostrado efetivo na mobilidade regional de estudantes, ou seja, permitido ou facilitado que estudantes ocupem vagas em IFES de estados vizinhos. No caso específico da UFERSA, localizada no RN, a contribuição significativa de ingressantes fora desse estado vem do Ceará, e ultrapassa os 20% para o período diurno e os 10% para os cursos noturnos, que tem menor porcentagem devido a questões de natureza de vínculo profissional pré-existente. Os demais estados, individualmente, não contribuem com valores superiores a 2%.

Restringindo a análise a esses dois estados, a figura 14 mostra que há diferença de desempenho no ENEM, onde o sexo masculino chega a uma pontuação 22% superior para os estudantes oriundos do Ceará, mas como esperado em vista de resultados anteriores, essa diferença não se reflete de modo proporcional no desempenho acadêmico.

Figura 14. Desempenho médio acadêmico e no ENEM
em função do sexo, do turno e da UF

3182.png

Fonte: Elaborado pelos autores.

6 Considerações Finais

Este estudo teve como propósito avaliar o rendimento acadêmico, o perfil socioeconômico e o desempenho no ENEM dos estudantes cotistas do curso de Ciência e Tecnologia da UFERSA tanto do turno integral quanto do noturno. As análises em relação ao desempenho acadêmico indicaram que os estudantes do turno noturno têm resultados inferiores, corroborando assim com os diversos estudos apresentados na literatura, excetuando as conclusões de (PEREIRA; MOURA; MIRANDA, 2015) referendadas no texto.

Outra constatação confirma os resultados apresentados em diversos outros estudos onde a categoria da ampla concorrência tem resultados superiores. Dentre os estudos com tal conclusão destacamos Peixoto et al. (2016) e Mendes Júnior (2013). Numa perspectiva diferente, destacamos os estudos de Velloso (2009), Bezerra e Gurgel (2011) que indicam o desempenho dos estudantes cotistas semelhantes ao dos que entraram pelo sistema de ampla concorrência. Essa divergência de resultados pode ser explicada a partir do pensamento do próprio Peixoto et al. quando na conclusão de seus estudos afirmam:

Os resultados encontrados sugerem que o desempenho comparativo entre grupos de estudantes deve ser compreendido como um fenômeno complexo e multideterminado, permitindo recortes bastante diferenciados dos dados empíricos para efeito de comparação. Para um adequado entendimento das questões relacionadas à diferença de desempenho entre alunos cotistas e não cotistas deve buscar analisar características específicas de cada curso, já que resultados agregados, apesar de bastante informativos, tendem a esconder elementos mais significativos (2016, p. 584).

Dentro do cenário histórico apresentado de fragmentação e descontinuidade de políticas públicas relacionadas à expansão do Ensino Superior Público, desde sua criação, o conjunto de dados e análises efetuadas no Curso de Ciência e Tecnologia permite constatar que fatores pré-ingresso na universidade, como condição socioeconômica e resultado no ENEM, apesar de influírem, são pouco determinantes no rendimento acadêmico. Condições sociais dos estudantes existentes durante o curso superior, no entanto, tem influência significativa, como no caso de estudantes do turno noturno. No entanto, muitas vezes uma fragilidade social pode levar a uma maior valorização e persistência acadêmica, chegando, em alguns casos, a reverter uma possível tendência de piora no rendimento acadêmico. Nesse cenário, contata-se fortemente a importância de políticas de auxílio à permanência do estudante, desde que ligadas a uma melhora relativa de seu rendimento acadêmico ou manutenção de um patamar mínimo desse rendimento.

Como conclusão final, a inclusão decorrente da Lei oportunizou efetivamente que estudantes com potencial tanto em termos de motivação quanto de condições acadêmicas tivessem um acesso antes dificultado ao Ensino Superior Público. Contudo, políticas complementares devem ser implementadas e mantidas para melhorar a eficiência do processo como um todo, ou seja, permitir o maior índice de eficiência possível no rendimento acadêmico e de conclusão de curso desses estudantes.

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Revista Brasileira de Ensino Superior, Passo Fundo, vol. 3, n. 3, p. 54-79, Jul.-Set. 2017 - ISSN 2447-3944

[Recebido: Jun. 21, 2017; Aceito: Nov. 24, 2017]

DOI: https://doi.org/10.18256/2447-3944.2017.v3i3.1998

Endereço correspondente / Correspondence address

Dr. Augusto Carlos Pavão

Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Departamento de Ciências Ambientais e Tecnológicas.

Av. Francisco Mota, 572, Costa e Silva

CEP: 59625-900 – Mossoró, RN, Brasil

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Sistema de avaliação: Double Blind Review

Editora responsável: Verônica Paludo Bressan

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e-ISSN: 2447-3944

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