11-1916

Análise da argumentação jurídica em decisão judicial: desenvolvimento e aplicação de modelo analítico-sintético

Analysis of the theory of juridical argumentation in judicial decision: development and application of analytical-synthetic model

Fabiano Hatmann Peixoto

Universidade de Brasília - UnB, Brasil. Doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UnB (Universidade de Brasília - Capes 6). Professor Adjunto da Graduação e Pós-Graduação da UnB (Universidade de Brasília - Capes 6). E-mail: [email protected]

Resumo

A temática da justificação e da correção das decisões judiciais colocou um interesse ainda maior na compreensão das conexões entre decidir e argumentar. O presente estudo parte da relevância da proposta teórica de Robert Alexy para a argumentação jurídica. O primeiro passo foi construir um modelo apto a permitir uma abordagem analítica de um conjunto (unitário ou múltiplo) de decisões. A partir desta concepção analítica standard é que se destacará a operabilidade de mecanismos avaliativos da estrutura argumentativa. Buscando estruturar um raciocínio pelo método dedutivo, ele tem como objetivo a explicação da construção de um modelo tabular analítico sintético que permita posteriormente a realização da avaliação da compatibilidade e qualidade argumentativa.

Palavras-chaves: Argumentação Jurídica. Racionalidade. Modelo de Análise. Robert Alexy.

Abstract

The theme of justification and correction of judicial decisions placed an even greater interest in understanding the connections between deciding and arguing. The present study arises from the relevance of the Robert Alexy’s theoretical proposal for the juridical argumentation. The first step was to construct a model capable of allowing an analytical approach to a set (unitary or multiple) of decisions. From this standard analytic conception, it will be highlighted the operability of evaluative mechanisms of the argumentative structure. Seeking to structure a reasoning by the deductive method, it aims to explain the construction of a synthetic analytical tabular model that allows later the accomplishment of the evaluation of the compatibility and argumentative quality.

Keywords: Juridical Argumentation. Rationality. Analysis model. Robert Alexy.

Introdução

Para o estabelecimento de uma resposta à pergunta de como se dá a relação da Argumentação Jurídica (ou parte dela) com o Direito e avaliar a argumentação apresentada em uma decisão judicial é necessário um procedimento aplicado anterior: o desenvolvimento de um modelo de análise. Assim, o primeiro passo é construir um modelo apto a permitir uma abordagem analítica de um conjunto (unitário ou múltiplo) de decisões. A partir desta concepção analítica standard é que se destacará a operabilidade de mecanismos avaliativos da estrutura argumentativa.

Comum entre os dois passos é que seus modelos podem ser obtido através de argumentações já dadas, isto é, já existentes. Deles será possível imaginar como as argumentações são ou não feitas,1 e se feitas com qualidade2.

1.

As sentenças e, especialmente, os votos em Acórdãos não raras vezes utilizam uma forma de argumentar muito peculiar, que não obedece a um padrão de organização de argumentos. Fazem, normalmente, um processo de construção decisória em longíssimas estruturas discursivas fragmentárias. Frequentemente, alguns acórdãos superaram 500 páginas de textos. Com esta dificuldade em mente, buscou-se construir um formato reproduzível que permita analisar as decisões. Partiu-se também de uma outra premissa: será melhor o modelo de análise argumentativa, tanto quanto se ajuste a propostas teóricas da própria argumentação jurídica. Neste particular, o modelo final de análise buscará a compreensão da decisão, mas, sobretudo, permitirá entender, e, eventualmente, apontar distorções na aplicação do modelo teórico de argumentação jurídica de Robert Alexy. Assim, uma forma de sistematizar e condensar os argumentos (que muitas vezes se repetem) passou a ser extremamente relevante para se possibilitar algum tipo de avaliação da argumentação produzida.

Imaginou-se algum tipo de tabulação que permita a construção de um modelo analítico sintético (abrangendo dados fáticos e jurídicos relevantes para a decisão, além de elementos especializados para análise da ponderação). A tabulação registrará, inclusive, a adesão de votos ou, eventualmente, a alteração dos mesmos, o que, de alguma forma, dará também uma dimensão do potencial argumentativo do emprego da técnica. Um modelo posterior de avaliação buscará a identificação do (des)cumprimento das regras e formas de argumentação trazidas na teoria da argumentação jurídica e que não podem ser dissociadas da avaliação da ponderação3.

A etapa da análise da argumentação jurídica parte de uma necessária constatação e uma impositiva opção. Uma análise envolve observação das formas e estruturas da argumentação, bem como as razões de fundamento e o peso dado a cada componente. Filia-se à linha de pensamento daqueles que imaginam a dificuldade ou impossibilidade de um método integral para isso. Além disso, não se pode deixar de observar o caráter instrumental desse passo, que impõe a aplicação de um método equilibrado entre o razoavelmente simples e o suficientemente completo para se trabalhar dentro de uma lógica do exequível.4

Então, é possível estabelecer alguns parâmetros para uma análise. O primeiro deles é, face à inesgotável possibilidade da linguagem, a representação simbólica de uma argumentação que deve ser observada com cautela e não como uma condição, senão um mero instrumento eventual de ajuda do estudo. Como as respostas que se pretende alcançar estão muito mais para o uso dos argumentos do que a sua organização dentro de um esquema estrutural simbólico, acredita-se justificada essa opção5. Assim, entende-se mais construtiva a realização de um modelo que permita uma espécie de tabulação das etapas argumentativas, destacando-se do texto tradicional de uma decisão judicial elementos importantes para a análise.

De forma instrumental e secundária, a análise se faria pela representação em diagramas a partir de uma pergunta que necessita de uma solução e, para ela, o caminho dos argumentos (razões a favor ou contra algo), os tipos de enunciados, a natureza das premissas, o conteúdo proposicional dos enunciados, as linhas argumentativas (conjunto de argumentos no mesmo sentido, defendendo ou atacando determinada tese).

Em uma ótica de complementariedade, Atienza (2012, p. 7, capítulo 6) aponta um modelo muito útil para a compreensão da fundamentação das decisões de um juiz frente a um caso. Ele estrutura esse modelo partindo de elementos que compõem um brief construído em escolas dos cursos de legal reasoning. Assim, acredita-se que um bom referencial para a elaboração de um quadro para análise de uma construção judicial possa ser a identificação dos seguintes elementos:1) citation, 2) facts, 3) issues, 4) holdings (ratio decidendi), 5) rationale (sustentação), 6) judgement particular, 7) precedente geral6.

Para cada elemento entende-se:

citation

a identificação, a situação temporal e espacial do caso a ser analisado. É fundamental para circunscrever a análise do julgamento, verificar a abrangência da análise, apontar para eventuais necessidades correção ou incompletudes.

facts

relato objetivo dos fatos juridicamente relevantes. Há a possibilidade de subdivisão entre o histórico processual relevante e os fatos ocorridos na situação concreta levada a julgamento. Na realidade, o início da construção argumentativa já pode ser observado na narrativa fática, daí também a importância da sua identificação para estudo.

issues

a identificação das questões jurídicas gerais que estão sendo discutidas no caso concreto

holdings

a identificação das teses jurídicas. É o núcleo da ratio decidendi.

rationale

a enumeração das razões ou argumentos para se sustentar o holding. Em outras palavras, se os holdings são as razões para se decidir, a rationale apresenta as razões das razões.

judgement particular

consiste na identificação da parte dispositiva central da temática.

precedente geral

identificação de afirmações de direito, que tem uma dimensão maior que a resolução do caso concreto demanda.

2.

Para a construção de um modelo de análise, também é importante refletir que os chamados casos difíceis podem requerer para análise de uma justificação judicial alguns desafios, nas seguintes ordens: questões processuais, de prova, qualificação, aplicabilidade, validez, interpretação, discricionariedade além da ponderação. (ATIENZA, 2012, p. 10, cap. 6).

As questões processuais também compõem uma decisão, posto que ao juiz, para uma adequada argumentação, se impõe observar o caráter instrumental do mecanismo de tratamento da problemática. A pertinência, a possibilidade, o procedimento e a própria ação devem fazer parte do universo de premissas a serem observadas, embora não se trate de fundamentos para resolver a questão de fundo, mas também podem, por si só, apresentar uma alto grau de complexidade. (ATIENZA, 2012, p. 10, cap. 6).

Nesse caminho, também se verifica que a justificativa para uma decisão é atual, isto é, no tempo presente, mas demanda elementos ocorridos preteritamente. Com base em fatos conhecidos do presente, busca-se compreender algo que tenha acontecido no passado. Essa é uma questão probatória que deve ser analisada na sua justificação por meio de induções, generalizações e conclusões. Por outro lado, essa conexão ao passado está submetida à falibilidade dos meios de prova (testemunhos, documentos, perícias e indícios) e à normatividade que estabelece limites para a prova. (ATIENZA, 2012, p. 11, cap. 6).

Problemas de qualificação e interpretação podem ter definições muito próximas que muitas vezes se identificam. Atienza apresenta um esclarecimento: nos problemas de qualificação, trata-se de argumentar a partir de definições. Nos de interpretação, os argumentos se dirigem à definição, e elas ora operam como premissa e ora como conclusão (ATIENZA, 2012, p. 12, cap. 6).

Dentro de um amplo universo normativo e constatando-se como constatou Aguiló Regla7, um momento de inflação normativa, na análise de uma decisão judicial surge um problema muito significativo: a reunião adequada, suficiente e integral da base normativa a ser aplicada a solução desejada. As questões de aplicabilidade, então, não devem ser afastadas de uma análise decisória. Nesse caminho de identificação do ferramental normativo, o problema de validez também surge, posto que, além da identificação das normas aplicáveis, há também a necessidade de resposta se essas normas são válidas sob o ponto de vista de seu conteúdo, ou em referência a outros componentes de validade como competência normativas, procedimento, abrangências temporais e espaciais, formalmente indispensáveis para a validez normativa. (ATIENZA, 2012, p. 13, cap. 6).

O modelo de análise de uma decisão permite o fracionamento do raciocínio argumentativo, ao enfrentar os gêneros de problemas ou questões controversas apresentadas pelos casos difíceis. O fracionamento permite o estudo e a compreensão; contudo, a maior dificuldade surgida nesse fracionamento é a capacidade de compreender que, sob uma ótica estrita, nem tudo é um problema interpretativo. Com esse raciocínio é possível identificar o que realmente é uma questão interpretativa.8

Um texto normativo (ATIENZA, 2012, p. 13, cap. 6) apresenta possibilidades em mais de um sentido, por imprecisão (ambiguidade ou vagueza), lacunas, contradições, dúvidas sobre o seu alcance, intenção legislativa (não identidade entre a linguagem legislativa e a expressão escrita do texto legal e dúvidas sobre o pretendido hipotético e a consequente real).

Sobre o esquema argumentativo de uma interpretação (ATIENZA, 2012, p. 13, cap. 6), Atienza utiliza interessante exemplo: um enunciado a interpretar poderia ser “todos têm direito a vida” (artigo 15 da Constituição Espanhola CE); um enunciado interpretativo “todos no artigo 15 significa todos os nascidos” e um enunciado interpretado (“todos os nascidos têm direito a vida”). O que resultaria problemático, segundo Atienza, seria a justificação para a segunda premissa do enunciado interpretativo. Para isso existem regras ou cânones de interpretação. Umas são de primeiro grau e servem para justificar a tal segunda premissa, isto é, permitem desfazer uma ambiguidade, preencher uma lacuna, identificar a intenção do autor. Outras, de segundo grau, indicam o que fazer quando existem várias regras de primeiro grau concorrentes ou contraditórias. De Atienza, além da exemplificação acima também se retira uma decisiva conclusão: a solução do problema interpretativo implica a necessidade de se recorrer a uma determinada teoria da interpretação, algo nos moldes da exigência de um respaldo dentro de uma argumentação mais completa. A base teórica para a interpretação funcionaria como um processo de maior garantia a uma justificação argumentativa.

Percebe-se que a importância e peso da constatação de uma demanda interpretativa (ampla ou estrita), e de uma desejável relação com uma teoria da interpretação no processo de estruturação de um sistema de justificação das decisões judiciais, se tratada pela ótica simplesmente retórica em sentido raso contaminaria todo o seu propósito de consistência.

O problema da discricionariedade também deve atingir uma análise da estrutura argumentativa. Atienza (2012, p. 14, cap. 6) qualifica essas questões como as que surgem em relação com a aplicação de normas de fim: regras ou princípios. As normas de fim (diferentemente das normas de ação) estabelecem que, em determinadas circunstâncias, um sujeito tem uma obrigação de alcançar um fim. Como a maneira de alcançar esse fim não pode ser estabelecida de antemão, deixa-se certa liberdade para se elegerem os meios e chegar aos fins. O comportamento discricionário é o que realiza como seguir as normais finais e, para tanto, deve eleger os meios adequados e ponderar adequadamente para os fins. (ATIENZA, 2012, p. 14, cap. 6).

Para Atienza, a submissão aos juízes de normas fins é excepcional; para ele, os principais destinatários das normas de fim são legisladores e órgãos administrativos. Aceita, no entanto, que dentro dessas ocasiões especiais estaria situado, por exemplo, o controle da atuação discricionária de um órgão administrativo ou político; ou em uma ação de divórcio, a decisão judicial se orientar pelo melhor interesse da criança, ou seja, exemplos de formas atuais da chamada judicialização da política.

Por ser a judicialização da política um fenômeno, a excepcionalidade das decisões judiciais se conduzirem por normas de fim não é tão acentuada assim como afirma Atienza (2013, p. 15, cap. 6). Dessa maneira, as questões de discricionariedade na aplicação de normas fim e de ponderação passam a ter um elevado grau de relevância. Assim, mais frequentemente, a decisão judicial9 deve identificar que, em dadas circunstâncias, um sujeito estará obrigado a praticar ou não praticar determinada conduta em função da busca de se alcançar algo valioso. A maneira de se alcançar um fim não é estabelecida de antemão (um dos motivos de se tratar de uma norma fim e não uma norma de ação) é que há um espaço para se elegerem meios e identificar condições para tal realização. Nesse tipo de decisão, portanto, o elemento deliberativo é acentuado, e a Argumentação Jurídica tem função central. Aqui aparece fortemente o conceito de caso especial, pois, nessa dimensão deliberativa, a identificação da decisão pode necessitar de uma argumentação prática do tipo geral. Por essa mesma conclusão, a questão da ponderação tem um incremento de sua importância, pois permite, na passagem do plano axiológico para o deontológico e nele, a identificação de um comando específico ao caso concreto.

Atienza diferencia: na ponderação judicial típica, isto é, sem discricionariedade (ponderação de princípios) as “diretrizes” [produtos de norma fim] desempenham um importante fator a contribuir na eleição de peso de cada um dos elementos do balanço. Todavia, as diretrizes propriamente ditas compõem a atividade típica de legisladores e administradores (concretização de objetivos), e ao juiz caberia apenas o controle do limite de tal ponderação10.

3.

Estabelecidas as bases anteriores, um modelo derivado para análise da ponderação11 pode ser construído a partir da proposta de Atienza. A primeira parte do modelo é muito útil para a compreensão das premissas fáticas e jurídicas incidentes sobre a decisão. A compreensão fática (mesmo que hipotética nos casos de controle abstrato de constitucionalidade) também será importante para a identificação de parte das condições de precedência. E mais, ao menos aos olhos do sujeito que decide, as questões fáticas estão postas e estabilizadas. Assim, para completar uma possibilidade de análise das decisões, alterou-se a parte final do modelo original. Dessa forma, será possível, além de se obterem elementos para uma análise da decisão, a visualização do que comporia o processo de ponderação.

Justificada a mudança do modelo, para analisar a incidência da lei de colisão e do sopesamento, foram retirados os dois itens finais da tabulação original e acrescentadas à tabulação três etapas. A primeira será a identificação dos princípios contraditórios ou valores constitucionais em rota de colisão. A segunda etapa é a identificação das configurações típicas do caso e as condições de precedência, isto é, nas observações em que um ou outro princípio teria precedência. Na terceira, a identificação objetiva das escolhas das condições que importaram no resultado decisório. Portanto, como base modelo para análise da ponderação serão utilizados:

1. identificação

A identificação e a situação temporal e espacial do caso em análise.

2. fatos

Relato objetivo dos fatos juridicamente relevantes narrados na decisão.

3. questões jurídicas

A identificação das questões jurídicas gerais que estão sendo discutidas no caso concreto.

4. teses

As teses jurídicas (holding).

5. razões

A enumeração das razões ou argumentos para se sustentar o holding (teses jurídicas).

6. princípios colidentes

Identificação dos princípios contraditórios ou valores constitucionais em rota de colisão.

7. condições de precedência

Identificação das configurações típicas do caso e as condições de precedência.*

8. escolhas

Identificação objetiva das escolhas das condições que importaram no resultado decisório.

* Ao estabelecer as escolhas de precedência, é importante considerar que a condição de precedência deve ser submetida aos testes das regras e condições estabelecidas na teoria da argumentação proposta por Alexy. Ao identificar eventualmente possíveis inconsistências, será possível por esse item fazer uma avaliação da fragilidade racional da condição apresentada como de precedência.

Como teste, esse modelo poderia ser aplicado para uma análise do chamado caso Lebach (utilizado por Alexy para explicar a tese da ponderação) e permitiria a visualização tabulada das etapas da ponderação. Nesse caso do direito alemão, após frustrada medida cautelar interposta no Tribunal Estadual e Tribunal Superior Estadual, houve reclamação constitucional ao Tribunal Constitucional Federal alemão que visava à proibição de veiculação de programa televisivo. O programa televisivo apresentaria um documentário relembrando grave crime e divulgaria nome e fotos de um dos criminosos, que já estava em fase final de cumprimento da respectiva pena. Assim, na tabulação:

1. identificação

Reclamação constitucional apresentada ao Tribunal Constitucional Alemão. BVerfGE 35, 202 pleiteando a proibição da exibição de um documentário televisivo que veicularia nome e imagens do reclamante prejudicando sua ressocialização após cumprimento da pena.

2. fatos

1) Uma emissora de televisão na Alemanha planejava a exibição de um documentário “O assassinato de soldados em Lebach”.

2) Era a história de um grave crime, onde 4 soldados, sentinelas num depósito de munições do Exército Alemão, próximo a cidade de Lebach, foram mortos e armas foram roubadas.

3) Um dos condenados pelo crime, na época prevista para a exibição do documentário, estava prestes a ser libertado da prisão.

4) O documentário exibiria o nome e fotos desse indivíduo.

3. questões jurídicas

1) Afetação da ressocialização de um apenado.

2) Garantias atribuídas aos direitos de personalidade.

3) Direito à informação e garantias de veiculação pela radiodifusão.

4. teses

1) A proteção constitucional dos arts. 1o, par. 2o e 2o, par. 1o da Constituição Alemã, à personalidade, em especial, ao direito de ressocialização daquele que cumpriu a pena imposta.

2) A proteção constitucional dos art. 5o, par.1o. ao direito de informar por meio da radiodifusão.

5. razões

1) Os direitos da personalidade devem ser protegidos e têm eficácia horizontal e vertical.

2) A ressocialização é uma das bases da estrutura social de combate social ao crime.

3) A informação pode ser útil inclusive no combate ao crime e a criminosos, permitindo a identificação de crimes e autores.

6. princípios colidentes

Proteção da personalidade (P1) e proteção da liberdade de informar (por meio da radiodifusão) (P2).

7. condições de precedência

1) A garantia da difusão da informação (P2), tendo como condição de precedência uma informação atual sobre crime ou criminosos (C1), prevaleceria. Alexy representa (P2 P P1) C1.

Não há algo identificado no caso para excepcionar a regra de precedência.

2) A proteção à personalidade (P1), tendo como condição de precedência a ausência de interesse atual sobre a informações do crime e há risco de ressocialização (C2), prevaleceria. Na representação: (P1 P P2) C2

8. escolhas

Se não há mais um interesse atual sobre informações sobre o crime, e há risco na ressocialização do autor, a proteção da personalidade tem precedência sobre a liberdade de informar. Portanto, no caso, significa a proibição da veiculação do documentário.

Estabelecidos estes testes é possível a aplicação segura em uma decisão. Em 2012 foi julgado, na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus- HC 104410/RS, cujo tema central era o porte/posse ilegal de arma de fogo desmuniciada e o tratamento constitucionalizado dos crimes de perigo abstrato. O caso se originou com a medida impetrada pela defensoria pública da União em favor de denunciado pelo crime de posse ilegal de arma de fogo desmuniciada, essencialmente pelo argumento da atipicidade.

No Habeas Corpus, encaminhou-se a análise sobre a orientação constitucional sobre a criminalização em abstrato de condutas e os parâmetros estabelecidos pelos direitos fundamentais, de um lado a vedação dos excessos, mas, de outro a proibição de uma proteção geral insuficiente.

Seguindo uma análise teórica sobre os princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso, compreendeu-se, nos crimes de mera conduta, que a configuração de um resultado material exterior não seria exigido. Essa compreensão, entretanto, não deveria se tornar absoluta, porque não se poderia admiti-la também desconectada de uma lesão efetiva ou potencial de um bem jurídico tutelado. Com isso, o grau potencial ou efetivo de lesão ao bem jurídico protegido deveria ser aferido no julgamento concreto.

Assim, em marcante passagem (p. 9 do inteiro teor), desenvolveu-se a argumentação que o dever de proteção envolve: 1) dever de proibição, consistente no dever de proibir determinada conduta; 2) dever de segurança, como imposição ao Estado do dever de proteger o indivíduo contra ataques de terceiros mediante a adoção de medidas diversas; 3) dever de evitar riscos, que autorizaria o Estado a atuar com o objetivo de evitar riscos para o cidadão em geral, mediante a adoção de medidas de proteção ou de prevenção especialmente em relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico.

Segue-se a tabulação analítica:

1. identificação

HC 104410/RS

Julgado em 2012, decisão unânime.

Detalhamento da composição do STF para a decisão: 2a Turma

Relator: Ministro Gilmar Mendes

A favor do voto do Relator: Ministros Ayres Britto, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, com ausência do Ministro Joaquim Barbosa.

A discussão central no Habeas Corpus é sobre o tratamento constitucional aos crimes de perigo abstrato.

2. fatos

1) O paciente foi denunciado como incurso, dentre outros, no art. 10, caput, da Lei n. 9.437/97 (posse ilegal de arma de fogo).

2) O Juízo de primeiro grau condenou o paciente, dentre outras condenações mais leves, a 1 ano de detenção pelo crime de posse ilegal de arma de fogo, cumulada à pena de 10 dias-multa.

3) A Defensoria Pública apelou sustentando a atipicidade da conduta, alegando que a arma encontrada em poder do paciente estava desmuniciada e, por isso, sem potencialidade lesiva.

4) O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul deu provimento ao recurso e absolveu. Em Recurso Especial, o STJ restabeleceu a sentença condenatória.

3. questões jurídicas

1) Pela Defensoria Pública: “pelo princípio da ofensividade do direito penal, é inconcebível que o simples porte da arma desmuniciada configure o delito. A potencialidade lesiva ofensiva está diretamente dependente da funcionalidade da arma e também da disponibilidade da munição. Diante desse fato, feita uma análise à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, tem-se a conclusão de que a conduta do agente é atípica, considerando não haver qualquer possibilidade de se conseguir imediato acesso à munição”.

2) O estatuto do desarmamento tipifica a posse e o porte e de arma como crime de perigo abstrato.

3) Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção, expressando também um postulado de proteção. Isto é, os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso, mas também uma proibição de proteção insuficiente.

4) Existe a possibilidade de distinção de três níveis de intensidade de controle de constitucionalidade de leis penais: controle de evidência, controle de sustentabilidade e controle material de intensidade.

Princípios ou valores em discussão:

1) Lesividade e ofensividade

2) Segurança pública (vida, liberdade, integridade física e psíquica)

4. teses

1) Nos crimes de mera conduta, a configuração do delito não exigiria a identificação concreta de um potencial lesivo, isto é, a posse de arma como um delito de perigo abstrato receberia a incidência da norma penal independente da arma estar ou não municiada.

2) Todo crime segue o princípio da ofensividade/lesividade, o qual exige que uma ação seja potencialmente lesiva, e isso é inexistente para uma posse de arma sem disponibilidade de munição.

5. razões

Para a tese 1:

1) Arma de fogo tem a característica inerente da lesividade.

2) A danosidade é intrínseca ao objeto.

3) O precedente RHC 91553 estabeleceu que “o crime de porte de arma de fogo constitui delito de perigo abstrato, consumando-se, independentemente da ocorrência de efetivo prejuízo à sociedade, pois o dano é presumido pelo tipo penal.

Para a tese 2:

1) Concretamente, é possível verificar a ausência de significado lesivo a conduta.

2) É preciso distinguir ofensividade (arma funcional e municiada) com poder de intimidação. Isto é, a funcionalidade da arma e a disponibilidade de munição são fatores para a potencialidade lesiva.

3) Constitui precedente do STF que é “fato atípico o porte de arma desmuniciada e sem que o agente tenha a pronta disponibilidade de munição (RHC 81057/SP).

4) O grau de potencial ou efetiva lesão ao bem jurídico protegido deve ser aferido no julgamento.

6. princípios colidentes

Proteção à segurança pública (indiretamente a vida, liberdade, integridade física e psíquica) (P1) e lesividade/ofensividade (P2).

7. condições de precedência

1) Condição de precedência para (P1)

1.1 a previsão legal de crime de perigo abstrato (tipicidade) representa expressão do dever genérico de proteção que o Estado tem para com o cidadão. A aparente lesividade da conduta faz prevalecer a tutela a segurança pública. (C1).

(P1 P P2) C1.

2) Condições de precedência para (P2):

2.1 pelo entendimento unânime, o Tribunal não identificou circunstância de precedência, que estaria na concretização de alguma hipótese de excessos de proteção. (C2)

(P2 P P1) C2 não identificada

8. escolhas

O Estado, dentro de uma perspectiva constitucional, se obriga não apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face de investidas do poder público, mas de proteger direitos contra agressões (Estado como guardião). Esse dever genérico de proteção fundado nos direitos fundamentais relativiza a separação entre ordem constitucional e legal, irradiando-se por toda ordem jurídica. Assim, é possível identificar um dever do Estado de tomar providências necessárias para a realização ou concretização dos direitos fundamentais, e tais providências devem ser balanceadas entre a Proibição do Excesso e a Proteção Insuficiente.

Considerações finais

Percebe-se que as etapas da ponderação ficam bem evidentes e permitem a realização de uma avaliação da proposta teórica, bem como a identificação de eventuais contradições ou omissões nas etapas construtivas.

Como apresentado, um modelo de análise deve reunir algumas características: 1) possibilidade de condensação dos elementos da argumentação; 2) compatibilidade com o referencial teórico e 3) operabilidade para o passo avaliativo. Acredita-se que o modelo proposto atende às características necessárias tornando-se um adequado instrumento analítico.

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[Received/Recebido: Maio 17, 2017; Accepted/Aceito: Dez. 12, 2017]

DOI: https://doi.org/10.18256/2238-0604.2017.v13i3.1916

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