8-1587

O Supremo Tribunal Federal e a autoridade constitucional compartilhada

Supremo Tribunal Federal and the shared constitutional authority

Bruno Meneses Lorenzetto(1); Clèmerson Merlin Clève(2)

1 Professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Coordenador do Programa de Mestrado em Direito (Direitos Fundamentais e Democracia) e Professor da Graduação do Centro Universitário Autônomo do Brasil - UniBrasil. Visitng Scholar na Columbia Law School, Columbia University, New York (2013-2014). Doutor em Direito pela UFPR na área de Direitos Humanos e Democracia (2010-2014). E-mail: [email protected]

2 Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná. Professor Titular de Direito Constitucional do Centro Universitário Autônomo do Brasil - UniBrasil. Sócio fundador do escritório Clèmerson Merlin Clève Advogados Associados, em Curitiba. E-mail: [email protected]

Resumo

O artigo delineia a diferença entre a Constituição e os processos decisórios a respeito da interpretação constitucional. Defende a tese de que a transferência de decisões de macro política para Judiciário depende da transmissão do poder decisório para as Cortes por outros Poderes e que, após a decisão pelo Tribunal, ainda restam espaços para discussão, divergência e alteração da interpretação constitucional estabelecida. Porém, tais transformações devem ser acompanhadas de um grande esforço político para redefinir a composição dos agentes públicos detentores de autoridade constitucional. Argumenta, ademais, em sentido contrário ao ativismo judicial, a respeito da possibilidade do compartilhamento da autoridade constitucional entre os Poderes.

Palavras-chave: Controle de constitucionalidade. Autoridade constitucional. Judicialização da política.

Abstract

The article traces the difference between the Constitution and decision-making processes regarding constitutional interpretation. Defends the thesis that the transference of macro-policy decisions to the Judiciary depends on the transmission of decision-making power to the Courts by other Powers and that after the decision by the Court, there are still spaces for discussion, divergence and change of the constitutional interpretation established. However, such transformations, must be followed by a major political effort to redefine the composition of public officials holders of constitutional authority. It argues, furthermore, in the opposite direction of constitutional activism, about the possibility of sharing constitutional authority between the Powers.

Keywords: Judicial review. Constitutional authority. Judicialization of politics.

“A Constitution is a Standard a Pillar and a Bond when it is understood approved and beloved. But without this Intelligence and attachment it might as well be a Kite or Balloon, flying in the air.” (John Adams)

1 Introdução

O artigo sustenta a tese de que, diante do fenômeno do aumento do poder do Judiciário para a solução de casos de macro política, é possível ver suas decisões legitimadas se forem atendidos dois requisitos: primeiro, a manifestação da intencional deferência dos outros Poderes na resolução do conflito e, segundo, o Supremo Tribunal Federal não pode pretender possuir o monopólio sobre o sentido dos temas de macro política objeto de discussão em diferentes âmbitos institucionais, devendo, quando possível, compartilhar a autoridade que ostenta em matéria constitucional.

Entende-se que tais requisitos contribuiriam para o Supremo Tribunal melhor compreender as mudanças estruturais da política e, eventualmente, realizar a revisão de posicionamentos anteriores – após diálogos com outros Poderes ou com aqueles afetados pela decisão – aperfeiçoando o processo decisório com a participação de outros atores políticos para além dos seus 11 ministros.

Nesse sentido, o ciclo de casos políticos que são judicializados ocorre da seguinte maneira: em um primeiro momento é transferida ao Judiciário a responsabilidade para responder a determinado assunto polêmico de forte apelo social, emergindo, portanto, o fenômeno da judicialização de um tema político; na sequência, após a tomada de decisão pelo Tribunal, a parte que teve sua interpretação derrotada pode procurar mobilizar forças políticas para contestar a tese vencedora, sem que isso signifique que possa deixar de respeitar a decisão judicial. Caso, em um momento posterior, a mobilização social venha a ter força suficiente para remodelar as instituições democráticas, caberá a um “novo” Tribunal realizar a revisão de determinado precedente, sendo certo que isso deve ser feito de modo explícito e considerando a decisão anterior, objeto da revisão.

A metodologia usada para a produção do artigo foi o método dedutivo, pautado pela investigação de documentos doutrinários, de precedentes, em especial, casos do Supremo Tribunal Federal e de normas. Tais elementos serviram de base para as considerações formuladas sobre o tópico investigado.

2 A política nos Tribunais

Diante da relativamente recente ascensão do Poder Judiciário, entende-se que, em termos políticos, cumpre questionar o monopólio de um Poder, com responsabilidade solitária e cristalizada, para a realização da interpretação constitucional. Deve-se, ao invés, preservar instituições democráticas para que disputas pelo o sentido da Constituição possam florescer, o que não implica a uma negação da fiscalização de constitucionalidade, em suas modalidades concreta ou abstrata, ou do dever institucional dos Tribunais de pacificar conflitos e apresentar respostas para temas de alta relevância para a sociedade.

O compasso que guia a resiliência das instituições é norteado por sua capacidade para atravessar crises e continuar a funcionar. Este é um sinal de que, mesmo diante de turbulências, o levantamento dos temas que definem a identidade nacional e são colocados como relevantes para a construção da agenda política do país continuam a ser o moto dos agentes políticos.

O argumento não se coloca no sentido, um tanto ingênuo e difícil de ser verificado, de que as decisões dos Tribunais deveriam tratar de modo exclusivo de temas “jurídicos”, como se fosse possível realizar uma divisão precisa entre temas de maior ou menor repercussão social, ou a imunização de reflexos políticos de casos que, prima facie se apresentam como apenas atinentes a algumas pessoas. É inevitável que toda decisão judicial, em maior ou menor escala, tangencie alguma dimensão política.

Tal afirmação não é nova e tampouco suscita polêmica. O reconhecimento de que as Cortes, mesmo ocupando posição institucional menos favorecida para a atuação nas situações que suponham mudança de elementos estruturantes da sociedade (HAMILTON; MADISON; JAY, 2003), não apenas podem interferir, mas, de fato interferem de maneira decisiva no jogo dos poderes, levou às diferentes configurações institucionais em cada país que se submeteu aos valores do constitucionalismo democrático.

Ao compartilharem um substrato comum de elementos como a limitação do Poder, a separação dos Poderes, a proteção de direitos fundamentais, em um apanhado sintético de componentes do constitucionalismo democrático, pode-se afirmar que tais países definiram um papel maior ou menor para o Judiciário em razão de circunstâncias históricas e culturais – ainda que a judicialização da política tenha sido diagnosticada como crescente fenômeno internacional.

Basta contemplar as dessemelhanças entre os modelos de organização dos Poderes na França, na Inglaterra, nos Estados Unidos, no Brasil, na Alemanha, na Colômbia e na África do Sul para perceber que cada país acabou por definir suas instituições com maior ou menor capacidade de interferência na sociedade de acordo com elementos constitutivos do design institucional nacional e, também, em correspondência com aquilo que seus agentes políticos compreenderam como os locais adequados para realizar mudanças ou para preservar os valores nucleares da sociedade.1

Tais países guardam em comum, ademais, valores disseminados após a Segunda Guerra Mundial no sentido da proteção de direitos humanos e formas específicas para buscar concretizar direitos fundamentais. Porém, a questão não se coloca apenas sobre quais seriam tais valores, mas, com igual importância, sobre quais os espaços institucionais adequados para a sua promoção. Nesse sentido, Ran Hirschl constatou que nas últimas décadas ocorreu uma intensa transferência de poderes das instituições representativas para o Judiciário e que o conceito de supremacia constitucional passou a ser compartilhado por mais de uma centena de países (HIRSCHL, 2006, p. 721).

O ponto central do relatado fenômeno envolve o aumento da passagem de casos que pareciam, em sua origem, pertencentes às arenas deliberativas representativas, para a apreciação e decisão nas instâncias judiciais. Isto ocorreu, dentre outros motivos, em razão do aprimoramento dos instrumentais relacionados à realização do controle de constitucionalidade, como reflexo da sedimentação do constitucionalismo moderno, e da reconstrução de instituições democráticas após regimes autoritários.

Nos regimes democráticos jovens, foram aprimorados os meios de realização da jurisdição constitucional e passou-se a realizar a transferência para os Tribunais de parte significativa dos principais temas polêmicos discutidos na sociedade.2 Isso criou a expectativa – bastante nítida nos últimos anos em solo brasileiro – de que temas de alta repercussão política “naturalmente” serão conduzidos para o Judiciário toda vez que alguém sofra uma derrota na arena política tradicional sobre sua interpretação da Constituição.

Apesar da tese da “proliferação democrática” explicar a formação de Cortes mais fortes após a transição de determinados países para regimes guiados por Constituições democráticas, Hirschl pontua que ela é insuficiente para tratar da expansão do Judiciário em Estados com democracias já consolidadas (HIRSCHL, 2004, p. 74). Por isso, argumenta que a expansão do papel do Judiciário decorre de uma análise estratégica e de uma preservação hegemônica por parte dos agentes políticos detentores de grande poder, os quais, de maneira consciente, perceberam que o Judiciário poderia ser um novo espaço para a realização de disputas políticas.3

A tese da preservação hegemônica possui um calibre mais amplo do que a tese da proliferação democrática. Parece mais fácil diagnosticar as diversas maneiras pelas quais agentes políticos podem utilizar o Judiciário como nova instância deliberativa, mesmo que isso represente o parcial sacrifício do poder deles (HIRSCHL, 2004, p. 84). Um exemplo bastante disseminado caracteriza a transferência da responsabilidade para tomada de decisões sabidamente impopulares, implicando redução de custos políticos para os parlamentares. Cede-se parte do poder Legislativo ao Judiciário, porém, no mesmo movimento, transferem-se as responsabilidades e os custos (institucionais e políticos) sobre a decisão.

Logo, a responsabilidade por uma providência de alta relevância social passa a ter origem em um lugar diverso do parlamento. Isso ocorre não apenas em virtude de uma decisão deliberada do Judiciário em assumir o papel do legislador, mas, também, do uso estratégico do Judiciário pelo Legislativo para evitar problemas com o eleitorado – o dever de coerência esperado das Cortes diz respeito mais às suas próprias decisões (precedentes) do que necessariamente à pura vontade popular.4

A presença recorrente de temas políticos no Judiciário ficou conhecida como a judicialização da política. Esta, contudo, não pode ser confundida com o ativismo judicial,5 o qual caracteriza decisões expansivas, as quais cruzam as fronteiras traçadas anteriormente para a atuação do Judiciário. Trata-se de uma atuação mais intensa nos espaços desenhados para a atuação dos outros Poderes (BARROSO, 2009, p. 75), em uma definição sumária, caracterizando-se por uma propensão acentuada dos tribunais para declarar um maior número de leis inconstitucionais.6 Logo, uma Corte mais ativista exerce de maneira mais recorrente e com maior liberdade o controle de constitucionalidade, chegando, até mesmo, a produzir, diante omissões do legislativo, soluções normativas para casos controvertidos.7

A adesão a uma postura mais ativa ou deferente por parte do Judiciário pode, ademais, vir a ser cadenciada por matizes de diferentes espectros ideológicos. Não obstante, parece ser de fácil adesão o argumento no sentido de que, por mais clarividente que possa vir a ser a atividade jurisdicional, a Constituição é muito importante para que a autoridade interpretativa sobre seu sentido venha a ser monopolizada por juízes. A diferença entre as outras vozes que procuram participar da luta pela fixação de sentidos para o texto constitucional encontra maior ou menor vazão de acordo com o papel institucional estabelecido pela própria Constituição para cada agente político.

Logo, a busca pela efetivação de direitos e a abrangência das decisões judiciais que envolvam temas políticos de alta intensidade – como, por exemplo, questões relacionadas às ações afirmativas, ao financiamento de campanhas e ao casamento de pessoas do mesmo sexo –, capazes de realizar importantes mudanças nas relações intersubjetivas, são contingentes e dependem da existência de condições técnicas – capacidade de adjudicação – mas, em igual medida, de um ambiente político que propicie sustentação à realização das transformações sociais protagonizadas “por cima”. Isto é, decorrente de provisão de uma Corte composta por juízes cuja atividade não é estruturada para representar ou responder à vontade popular, mas, fundada no “notório saber jurídico” de seus membros.

Por isso, observa Hirschl, quando as Cortes buscam plantar as “sementes da mudança social” em uma comunidade política, isso depende de condições socioculturais que acolham a judicialização, ou seja, apoiem transformações realizadas pela via Judicial (HIRSCHL, 2006, p. 725). Um rol não exaustivo ajuda a ilustrar a tendência no sentido do trânsito de casos de macro política para o Judiciário: a judicialização de processos eleitorais, as limitações às prerrogativas do Executivo, a colaboração para transformar o regime político e os processos de formação da vontade coletiva e de definição das estruturas políticas e governamentais. Isso conduz ao que Hirschl chamou de “Juristocracia” (HIRSCHL, 2007, p. 222-223).

Pode-se observar, em tais circunstâncias, o crescimento da deferência do Legislativo perante o Judiciário, o transpassar das linhas estabelecidas para a tomada de decisões pelas Cortes, a redefinição de atribuições dos Parlamentos e do Executivo e a judicialização de parte considerável da agenda política. Além dos casos de decisões concernentes ao processo eleitoral, alguns dos temas que passaram a ser decididos pelos Tribunais poderiam encontrar, em um cenário prévio, uma resposta estabilizadora na esfera política.

No Brasil, nas últimas décadas, o aumento da atenção destinada ao Supremo Tribunal Federal acompanha a tendência presente em outros países no sentido de uma possível “juristocracia”. A Corte, anota Oscar Vilhena Vieira, acabou por se tornar mais presente na vida das pessoas, ao que um crescente número de brasileiros se acostumou com a ideia de que questões fundamentais da política, da economia ou da moral nacional serão decididas pelo Supremo Tribunal Federal.8

A “hiperconstitucionalização” de diversos aspectos da vida social responde à experimentação de certa desconfiança de considerável parcela da sociedade em relação aos mecanismos tradicionais de representação democrática. Como contrapartida do aumento das responsabilidades do Judiciário, para, dentre outras atividades, guardar os compromissos constitucionais, acabou-se por mitigar parcela do protagonismo do sistema representativo (VIEIRA, 2010, p. 512).

Outro fator que contribuiu para o aumento da autoridade do Supremo Tribunal Federal decorre do próprio design institucional projetado para a Corte:

A Constituição de 1988, mais uma vez preocupada em preservar a sua obra contra os ataques do corpo político, conferiu ao Supremo Tribunal Federal amplos poderes de guardião constitucional. Ao Supremo Tribunal Federal foram atribuídas funções que, na maioria das democracias contemporâneas, estão divididas em pelo menos três tipos de instituições: tribunais constitucionais, foros judiciais especializados (ou simplesmente competências difusas pelo sistema judiciário) e tribunais de recursos de última instância. (VIEIRA, 2010, p. 517).

Por isso, apesar de ser fundamental tecer considerações a respeito das disputas pelos sentidos possíveis que podem ser derivados da Constituição, não afastando, portanto, a relevância de questões hermenêuticas e também de dilemas de ordem ideológica,9 deve-se atentar para a estrutura institucional projetada para o funcionamento do Judiciário e, em especial, do Supremo Tribunal Federal, e perceber como a autoridade constitucional pode ser exercida pela Corte na solução de temas controvertidos da política nacional.

Diante de um cenário em que se afirma que a Colenda Corte tem exercido prerrogativas funcionais alheias, uma das alternativas seria a adoção de postura inversa: a autocontenção. Esta conduziria a um fortalecimento da autoridade residual da Corte.10

Porém, o problema em modelos minimalistas de jurisdição constitucional está justamente nos limites que eles impõem aos magistrados. Se, por um lado, o minimalismo pode contribuir para reforçar a doutrina do stare decisis de decisões emancipatórias, por outro lado, sua integral adoção bloquearia qualquer possibilidade de Tribunais constitucionais tomarem novas decisões progressistas.11 Além disso, o conjunto de prerrogativas já definidas constitucionalmente para o Supremo Tribunal Federal parece fluir em sentido contrário a uma eventual busca de autorrestrição que viesse a ser experimentada entre nós.

Ademais, mesmo que se possa defender uma posição de maior deferência do Judiciário em dadas circunstâncias – em que outras instâncias deliberativas tenham promovido robustos debates sobre determinado tema, com expressiva participação popular – entende-se que seria arriscado abdicar por completo da supremacia constitucional (que não pode ser confundida com a supremocracia ou com a juristocracia) e do controle de constitucionalidade.

3 O silêncio dos outros (Poderes)

A ascensão do Judiciário nem sempre ocorreu em um vácuo de poder. Ao contrário do que pode inicialmente parecer, a maior interferência das Cortes Constitucionais deve-se ao uso estratégico de agentes políticos interessados que, de maneira expressa ou implícita, aproveitaram o surgimento de uma nova instância à qual poderiam dirigir seus apelos caso viessem a se encontrar em um cenário de perda do poder, de fragmentação da coalização governamental ou de derrota de suas teses políticas. A deferência para o Judiciário foi derivada, por isso, tanto de fatores políticos – que lhe conferiram suporte institucional – como, também, de fatores técnicos – com o aprimoramento dos instrumentais relacionados à jurisdição constitucional.

A transferência de poder decorreu, ademais, de outro aspecto que envolve a aparência – muitas vezes, mas nem sempre, verdadeira – de um melhor funcionamento sistêmico do Judiciário em comparação com outros espaços de decisão. Instituições judiciais são percebidas pelos agentes políticos como espaços que dispõem – via de regra – de melhor reputação sobre sua efetividade e sua imparcialidade do que outras instâncias (HIRSCHL, 2006, p. 744).

Quanto mais o sistema político é tratado como disfuncional para apresentar soluções para temas políticos controvertidos, mais fácil se torna a expansão do Judiciário – mesmo que os referidos argumentos sejam expostos em paralelo a críticas sobre a morosidade judicial. Por isso, a judicialização da política não está fundada apenas no tempo médio para a tomada de uma decisão por uma instituição ou na obrigatoriedade da resposta que pode ser demanda do Judiciário; trata-se, de maneira efetiva, de reduzir tanto os riscos como as responsabilidades sobre decisões políticas controvertidas.12

Para Mark Graber, um dos motivos que impulsionam, nos Estados Unidos, o poder da Suprema Corte para realizar o controle de constitucionalidade é a incapacidade ou a falta de vontade de dada coalizão política nacional para decidir uma disputa pública (GRABER, 1993, p. 36). Em tais casos, o Judiciário não está a ocupar um “espaço vazio” deixado de maneira não intencional pelos legisladores, ao contrário, os principais atores políticos convidam a Suprema Corte a solucionar casos que eles não poderiam ou não gostariam de decidir.

No Brasil, os exemplos dos casos da descriminalização do aborto de feto anencefálico (ADPF 54, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 12.04.2012, DJe 19.04.2012) e da união estável de pessoas do mesmo sexo (ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.2011, DJe 14.10.2011) contribuem para indicar que o diagnóstico de Graber pode cruzar fronteiras. Por motivos de várias ordens – tais como o conservadorismo de parcela dos eleitores, a influência de argumentos de ordem religiosa e a presença de grupos de interesse –, percebe-se que o custo político de uma eventual aprovação das demandas mencionadas poderia repercutir de modo negativo em futuras eleições para políticos de várias agremiações partidárias.

Aliás, as demandas apresentadas por outros Poderes ao Judiciário encontra abrigo na legitimação ativa de diversos agentes políticos, órgãos ou pessoas jurídicas (Presidente da República, Governador de Estado, Mesa do Senado, etc.), prevista na Constituição e, em especial, a dos partidos políticos com representação no Congresso nacional (Art. 103, VII – CF).

Assim, além do desenho institucional expresso na Constituição, percebe-se que a judicialização da política acaba por se transformar em uma via de mão dupla,13 eis que serve à oposição, que pode forçar uma nova instância deliberativa sobre tese que tenha sido derrotada no Parlamento ou sobre política da qual discorde, servindo também para os governistas, pois, quando parte de sua agenda se torna impopular ou estes não conseguem formar uma maioria sobre determinado assunto, o Supremo Tribunal Federal surge como possível esfera de revisão da articulação majoritária contrária ao governo.

No caso do julgamento da ADPF 186,14 que reconheceu a constitucionalidade das cotas raciais para ingresso na Universidade de Brasília, o Partido Democratas (DEM) se opôs às providências que introduziram a ação afirmativa por entender que a adoção de “políticas afirmativas racialistas”, nos moldes estabelecidos pela UnB, seriam incompatíveis com as “especificidades brasileiras”. Independentemente da derrota da tese do partido, o julgamento prova o uso do STF como nova instância argumentativa para a oposição.

No julgamento do financiamento de campanhas por pessoas jurídicas, ainda que o autor da ADI 465015 tenha sido o Conselho Federal da OAB, a posição da maioria do Supremo Tribunal Federal ao declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que permitiam a doação de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, encontrava-se em sintonia com a do governo. Tanto que, em um primeiro momento, em 09 de setembro de 2015, o Plenário da Câmara havia derrubado a decisão do Senado que proibia o financiamento privado de campanhas. A decisão da Colenda Corte foi tomada em 17 de setembro de 2015 e, no dia 24 do mesmo mês, a Presidente Dilma Rousseff acabou por seguir o sentido da Corte, ao vetar o dispositivo legal que autorizava referido tipo de financiamento eleitoral. O veto presidencial teve como embasamento prévio a decisão do STF em sentido oposto ao que a maioria dos parlamentares havia decidido; no caso aludido, o Supremo serviu como instância argumentativa favorável ao governo.

Outros exemplos que sustentam o argumento de que os partidos efetivamente utilizam a estrutura institucional do Supremo Tribunal Federal para endereçar diferentes tipos de demandas políticas são os seguintes: ADPF 347,16 em que o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), demandou o reconhecimento da violação sistemática dos direitos fundamentais dos presos no Brasil e solicitou que fosse declarado o Estado de Coisas Inconstitucional do sistema prisional nacional; ADI 3112,17 de autoria do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e do Partido Democrático Trabalhista (PDT), em que contestaram dispositivos da Lei 10.826/2003, o também conhecido Estatuto do Desarmamento; ADI 1351,18 em que o Partido Comunista do Brasil (PC do B) e outros desafiaram a constitucionalidade de dispositivos da Lei 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos), os quais haviam instituído a “cláusula de barreira” e a ADC 29,19 de autoria do Partido Popular Socialista (PPS), em que o Partido instou o STF a declarar a constitucionalidade da Lei Complementar n. 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), e para que a mesma fosse aplicada para fatos que haviam ocorrido antes da vigência da norma.

Os casos foram listados com a finalidade de provar os argumentos teóricos suscitados anteriormente, tanto a incapacidade ou a falta de vontade de dada coalizão política nacional para decidir uma disputa pública, assim como, a judicialização da política como via de mão dupla, ao forçar uma nova instância deliberativa que pode ser acessada tanto pela oposição como também por governistas. Não se busca discutir, aqui, se os casos foram decididos de maneira adequada ou não pelo Supremo Tribunal Federal. O elenco dos julgados foi realizado para tratar de argumento mais singelo, qual seja, que a judicialização da política e, em certo grau, o ativismo judicial, não podem ser interpretados como derivados exclusivamente de uma “fome de poder” do Judiciário ou de uma busca pelo monopólio da interpretação constitucional por parte deste, sem que o olhar também incida sobre os arranjos políticos que permitem que tais fenômenos ganhem corpo e reconfigurem fronteiras institucionais. A supremacia do Judiciário, por isso, não pode surgir sem o apoio – ainda que silencioso – por parte dos outros Poderes.

Além disso, a Constituição, mesmo ante disputas interpretativas que a circundam, possui a característica de desafiar a temporalidade imediatista de parte dos debates políticos. É um documento que estabelece os compromissos constitutivos da comunidade política e, por isso, funciona como uma “reserva de justiça” tanto para o sistema jurídico como para o político, por ela instituídos.20

Fonte contínua de respostas para os temas políticos mais controvertidos, as constituições modernas, elevadas à condição de leis hierarquicamente superiores em relação às disputas políticas, observaram, em muitos casos, edificações de Cortes Constitucionais como suas respectivas guardiãs (KELSEN, 2007). A redação do caput do Art. 102 – CF é ilustrativa: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe [...]”. É atribuição da Corte, portanto, assegurar a ordem constitucional e proteger os acordos políticos constitutivos do país.

Sem referida diferenciação, sem a elevação de Tribunais ao papel de autoridade cuja leitura da Carta é obrigatória, temia-se o retorno interminável dos embates políticos e a desintegração das instituições democráticas.21 Contudo, desde suas origens, as Cortes Constitucionais não encontraram um caminho solitário para a definição de quem deveria ser o guardião da Constituição ou seu intérprete privilegiado. Na Europa continental a resposta de Carl Schmitt a Hans Kelsen foi a de que o Presidente do Reich seria o legítimo guardião da Constituição por este ter sido submetido ao crivo da vontade popular.22

Nos Estados Unidos, mesmo ante o histórico julgamento do caso Marbury v. Madison (1803), em que o Justice Marshall afirmou ser dever do Judiciário dizer “aquilo que é o direito”, foi aberto espaço para a participação de outros intérpretes da Constituição, eis que o próprio Marshall reconheceu, no final de suas razões em Marbury, que outras instituições políticas também participavam ativamente da interpretação constitucional, devendo suas compreensões eram aceitas como detentoras de autoridade.23

No mesmo sentido, a função do STF de guarda da Constituição pode se coadunar com as leituras que procuram enfatizar que a Constituição é um documento importante demais para ficar sob a responsabilidade de apenas um dos Poderes.24 Assim, o sentido substantivo que o Supremo Tribunal Federal fixa em uma decisão pode, no futuro, ser objeto de contestações ou, até mesmo, de revisões, tendo sido mobilizadas forças políticas para a alteração da interpretação constitucional em disputa ou dos membros que compõem a Corte. Em tais circunstâncias, o “novo” Tribunal precisaria cuidar do câmbio nos precedentes e enfrentar o ônus argumentativo mais elevado de alterar a “narrativa” decisória antes estabelecida.25

4 Autoridade constitucional compartilhada

Um dos principais desafios apresentados às Cortes Constitucionais está em mediar tensões desenvolvidas na sociedade, apresentando respostas para momentos de mudança ou de estabilização. Além de assumir posições que variam entre ativismo e deferência, a Corte Constitucional também é instada a decidir entre a conservação dos valores fundantes da comunidade política, da própria “reserva de justiça” constitucional, e a renovação da interpretação da Constituição.

A atividade que, em um primeiro momento pode parecer ambivalente, pode ser compreendida com o auxílio do conceito de auctoritas. Hannah Arendt, ao enfatizar a origem romana da palavra e do conceito de autoridade, procurou equacionar a paradoxal dimensão temporal que esta supõe. A auctoritas é derivada do verbo augere, aumentar, e aquilo que é expandido pelos detentores da autoridade é a fundação (ARENDT, 2007, p. 163-164). A autoridade dos vivos era sempre derivada, dependente dos fundadores (mortos). A autoridade, em contraposição à potestas (poder), encontrava suas raízes no passado, “[...] mas esse passado não era menos presente na vida real da cidade que o poder e a força dos vivos” (ARENDT, 2007, p. 164). A tensão entre constitucionalismo e democracia é circunscrita por este nada novo dilema entre governo dos vivos e governo dos mortos.

Ao analisar a Revolução Americana, Arendt entendeu que o modelo romano foi afirmado de maneira quase “cega”, e que, das várias inovações apresentadas estrutura de governo dos Estados Unidos, talvez, a mais importante teria sido a mudança do lócus da autoridade, ao passar do seu lugar de origem, Senado romano, para o Judiciário (ARENDT, 2011, p. 256-257). Após ressaltar trechos do Federalista, em especial a famosa passagem do n. 78, em que se afirma que o Judiciário é o mais fraco dos Poderes (HAMILTON; MADISON; JAY, 2003, p. 464), Arendt é assertiva: “[...] é a falta de poder, somada à permanência no cargo, que indica que a verdadeira sede de autoridade na república americana é o Supremo Tribunal” (ARENDT, 2011, p. 257-258).

Porém, ainda que a distinção entre auctoritas e potestas tenha traços romanos, o conceito de autoridade derivado da Revolução Americana é diverso, pois a autoridade romana, segundo Arendt, havia desaparecido do mundo moderno (ARENDT, 2007, p. 127). Enquanto em Roma o Senado funcionava como uma instância de “conselhos” dados por aqueles que reencarnavam os ancestrais, a função da Suprema Corte seria interpretativa, o Tribunal teria sua autoridade derivada de um documento escrito e de sua competência hermenêutica perante o mesmo.

Ora, a Constituição traz consigo ambivalências similares às da auctoritas, pois, remete tanto ao ato constituinte (mortos), a fundação, como ao documento resultante deste momento anterior, a Carta, o texto escrito que é objeto de interpretação pela Suprema Corte (vivos).26

Por conseguinte, a autoridade da Constituição não estaria pautada por sua perfeição, nem por um momento inicial de força ou violência, mas, antes, pela concordância dos membros de uma comunidade política em tratar o evento de fundação como o ponto de partida para todas as atividades políticas subsequentes, da necessidade de um ponto de referência a partir do qual concorda-se que os compromissos fundamentais que constituem a polis deverão ser mantidos.

A equação da autoridade constitucional não está em tratar a Carta Magna como um documento sagrado e imutável. Como será objeto de interpretação, é inevitável que possa ser mudada e aumentada (WALDRON, 2000, p. 213). Se, por um lado, a Constituição – ou, ao menos, o seu núcleo duro – é algo perene e desafia a temporalidade acelerada das disputas políticas, por outro lado, ela pode ser observada por ângulos distintos e ter interpretações derivadas de diferentes atores políticos.

Um passo além da noção da auctoritas permite perceber diferentes disputas a respeito da extensão da autoridade do Judiciário. Se, no caso dos Estados Unidos, os embates sobre a autoridade judicial ocorreram dentro da moldura constitucional, é possível observar a construção da juristocracia por meio de sucessivas decisões que procuraram determinar a Suprema Corte como a “última intérprete da Constituição”.27 Em democracias mais recentes, as condições para a emergência de tal fenômeno não encontrava espaço institucional para ocorrer até a transição dos regimes para o constitucionalismo democrático.28 Em ambos cenários, é inafastável a participação de atores políticos que favoreceram não apenas o controle de constitucionalidade, mas também, a construção da supremacia judicial.29

Do mesmo modo que a deferência é o inverso do ativismo, a distribuição da autoridade constitucional pode ser o oposto da juristocracia. Ao se mudar o foco para o compartilhamento da autoridade constitucional e alocar a responsabilidade pela interpretação da Constituição em diferentes poderes, seria possível não apenas reduzir conflitos entre poderes (WHITTINGTON, 2007, p. 14) mas também enfatizar que todos devem se submeter à Constituição, a qual não é de domínio exclusivo de nenhuma instituição.

Se todos devem se submeter à posição privilegiada que a Constituição ocupa, deve-se também disseminar a autoridade interpretativa sobre a mesma. Logo, mesmo aqueles que eventualmente criticam determinada decisão por parte do Judiciário, devem levar em consideração que outra instituição precisa assumir a autoridade constitucional exercida pela Corte. Como observa Keith Whittington, o direito constitucional se situa em um campo mais amplo que é o da política constitucional, e os limites e conteúdos do direito constitucional poderão ser moldados por esta política (WHITTINGTON, 2007, p. 26-27). Nesse diapasão, a autoridade constitucional é dinâmica e objeto de contestação política. Isso faz com que o Judiciário seja considerado como um importante participante do processo constitucional, contudo, este se equivoca ao acreditar ser capaz de atuar sozinho nesse cenário.

Deve-se considerar, ademais, a ênfase conferida à última palavra ou aos diálogos institucionais por cada ator político. Por mais que a supremacia do judiciário dependa do interesse de agentes políticos externos para ocorrer, o compartilhamento da autoridade sobre a Constituição possui maior probabilidade de ser efetivado entre atores desejosos de participar de diálogos do que entre aqueles que procurem afirmar o monopólio da última palavra sobre a interpretação da Constituição.30

Segundo Graber, as leituras constitucionais de um ramo do governo influenciam as dos demais. Além disso, os membros de um ramo muitas vezes consentem que membros de outro tomem decisões constitucionais (retome-se o exemplo das decisões sobre financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas) (GRABER, 2013, p. 103).

Uma forma de incentivar a prática dos diálogos institucionais está no compartilhamento da autoridade constitucional. Tome-se a situação hipotética em que o Supremo Tribunal Federal, após reconhecer que dado tema envolve disputa política acirrada, tendo o ato normativo impugnado sido aprovado no Congresso por pequena diferença de votos, é instado a participar de mais uma rodada deliberativa por meio de uma ADI aforada pela oposição. Na sequência do ajuizamento da ação, observa a emergência de intenso debate entre os cidadãos e nos meios de comunicação sobre o caso, considerado de grande relevância política e social para o país.

Perante tal cenário, ao menos três alternativas devem ser consideradas. Primeiro, havendo margem hermenêutica para tanto, pode assumir uma postura deferente e afirmar a constitucionalidade da lei questionada, propiciando nova derrota à oposição. Segundo, pode assumir uma postura contramajoritária, declarar a lei inconstitucional e afirmar que o faz em defesa da Constituição para além das paixões momentâneas da maioria – garantindo uma vitória à oposição. Por fim, há a alternativa da tomada de uma decisão que procure limitar sua abrangência decisória e de seus argumentos a aspectos fundamentais do caso, deixando a responsabilidade sobre minúcias para o aperfeiçoamento legislativo para outros agentes políticos.31 Em tais circunstâncias, o Supremo Tribunal Federal não se furta ao seu dever de decidir; porém, deixa em aberto espaços para outras construções políticas em ambientes institucionais distintos do Judiciário.

Um dos efeitos esperados do compartilhamento da autoridade constitucional é o incentivo à participação popular, ao permitir que cidadãos e movimentos políticos também possam se manifestar sobre os temas de política constitucional e participar da construção das soluções (GRABER, 2013, p. 138).

Nas três hipóteses suscitadas previamente, fica em aberto, com maior ou menor extensão, a possibilidade da decisão vir a ser contestada pelas partes que tiveram sua leitura constitucional derrotada. Para que as mudanças interpretativas ocorram, faz-se necessário mobilizar forças políticas suficientes para modificar a compreensão estabelecida.

Uma das premissas do próprio constitucionalismo democrático está centrada na dependência entre a autoridade da Constituição e sua legitimação democrática. A Constituição precisa dialogar com os cidadãos a ponto de eles tratarem-na não apenas como um documento vazio, mas como um dos elementos (pilares) que constituem a própria comunidade política.

Nos termos de Robert Post e Reva Siegel, é importante convidar os cidadãos a fazerem suas próprias leituras dos sentidos da Constituição e, por meio dos mecanismos institucionais estabelecidos, sendo o caso, manifestarem oposição ao governo quando julgarem que este não está respeitando a Constituição (POST; SIEGEL, 2007, p. 374). Cabe ao governo, por sua vez, responder e eventualmente resistir às demandas formuladas pelo povo. Tais intercâmbios possibilitam o compartilhamento sobre a autoridade da Constituição, quando aqueles que constroem o seu sentido são também aqueles que vão se submeter aos seus ditames.

Para Post e Siegel, as Cortes exercem uma autoridade particular de fazer com que os direitos sejam cumpridos, em razão da própria estrutura constitucional. Por isso, ao passo que os cidadãos respeitam as Cortes como instituições com a responsabilidade de proteger importantes valores quando os governos excedem seus limites, a própria autoridade judicial para fazer com que a Constituição seja cumprida – ocupada em posição privilegiada pelas Cortes, mas, de obrigação de todos os oficiais de governo – depende dos próprios cidadãos para se sustentar. Se as Cortes tomarem decisões que ofendem convicções populares arraigadas, a cidadania ativa poderá construir caminhos de resistência, comunicando suas objeções e buscando interferir na composição das instituições governamentais (POST; SIEGEL, 2007, p. 374).

Uma distinção que precisa ser feita para diminuir certas confusões envolve os processos de tomada de decisão constitucional e a própria Constituição. Uma vez que o povo ou a oposição resistem às ações do governo apresentando outras interpretações constitucionais, que não aquelas esposadas pelos Tribunais, isso não necessariamente significa uma ameaça à ordem constitucional. Faz parte do jogo democrático divergir. Por isso, quando os cidadãos: “[...] falam sobre os seus compromissos mais apaixonadamente estabelecidos na linguagem de uma tradição constitucional compartilhada, eles revigoram esta tradição” (POST; SIEGEL, 2007, p. 374-375, tradução livre). De tal maneira, deve-se compreender que mesmo as resistências às interpretações constitucionais das Cortes servem como contributo para o compartilhamento da autoridade constitucional e como mecanismo de reforço da legitimação democrática.

5 Considerações finais

Procurou-se avançar o debate sobre questões recorrentes no cenário jurídico-político nacional. Para tanto, o artigo buscou evidenciar que a ocorrência da judicialização da política e do ativismo judicial nem sempre ocorrem em momentos de vazio de poder.

Através de exemplos, também foi exposto que isso pode funcionar em favor não apenas do governo como da oposição, logo, não se pode falar que a atuação das Cortes Constitucionais é sempre contramajoritária. Ela se insere no panorama mais amplo da política constitucional, a qual molda as estruturas de poder e confere oportunidades de maior presença do Judiciário na definição de temas políticos latentes.

Também foi defendida a perspectiva de que, no caso do Brasil, tanto o fato de termos uma democracia nova com a atuação estratégica de grupos favorecem a formação da juristocracia. Assim, como alternativa para o cruzamento de fronteiras por parte do Judiciário, foi sugerida a adoção, quando possível, da noção de autoridade constitucional compartilhada.

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Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, vol. 13, n. 3, p. 142-162, Set.-Dez., 2017 - ISSN 2238-0604

[Received/Recebido: Out. 06, 2016; Accepted/Aceito: Out. 01, 2017]

DOI: https://doi.org/10.18256/2238-0604.2017.v13i3.1587

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