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Direito, escravidão e literatura: reflexões acerca da (in)efetividade dos direitos fundamentais a partir do conto “negrinha”, de Monteiro Lobato1

André Karam Trindade

Doutor em Teoria e Filosofia do Direito (Università degli Studi Roma Tre/Itália). Mestre em Direito Público (UNISINOS). Professor de Direito Constitucional da Faculdade Meridional (IMED). Membro Fundador e Pesquisador do Instituto de Hermenêutica Jurídica (IHJ). Produtor Executivo do Programa Direito & Literatura: do fato à ficção (TVE/RS e TV JUSTIÇA).

E-mail: <[email protected]>.

Fausto Santos de Morais

Doutorando e Mestre em Direito Público (UNISINOS). Professor da Escola de Direito da Faculdade Meridional (IMED). Advogado.

E-mail: <[email protected]>.

Marcelo Barbosa Brum

Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho (PUCRS). Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais (UFRGS). Analista Processual do Ministério Público do Trabalho (Passo Fundo).

E-mail: <[email protected]>.

Resumo

O presente estudo tem como problema a (in)efetividade dos direitos fundamentais, com ênfase na erradicação do trabalho escravo, procurando pensá-los em dois contextos político-jurídicos diferentes. A ideia para isso decorreu da leitura do conto “Negrinha”, de Monteiro Lobato. Este trabalho literato evidenciou a situação da menina que, mesmo após a Lei da Abolição do trabalho escravo, estava sujeita a relações típicas do modelo escravo. A partir de então, é possível estabelecer a diferença da efetividade nos regimes jurídicos imperial e republicano naquilo que se refere à proibição da relação escrava. Apresenta-se, assim, a sucessão normativa que, progressivamente, culminou na abolição da escravidão. Partindo do “método histórico”, o trabalho se vale da comparação de dois períodos diferentes como forma de apresentar a efetividade dos direitos fundamentais desde 1988, instigados mediante provação interdisciplinar literária. A metodologia utilizada parte da pesquisa bibliográfica, legislativa e jurisprudencial. Em suma, o texto pretende desenvolver a maneira como se dá a efetividade dos direitos fundamentais no que se refere à erradicação do trabalho escravo, indicando a limitação do direito diante de um problema que envolve a discussão de premissas mais complexas.

Palavras-chave: Direito e Literatura. Escravidão. Efetividade dos Direitos Fundamentais.

Introdução

Na sociedade pós-moderna, em que pese o modelo econômico financeiro adotado, é difícil imaginar que haja espaço para a escravidão. Entretanto, ao contrário do que se poderia esperar, após inúmeros avanços e conquistas civilizatórias, a escravidão é algo ainda latente na cultura brasileira.

A pergunta pelas relações escravocratas presentes num Brasil, não tão distante, pode ser a base para a compreensão da importância de institutos jurídicos atuais, tal como as políticas públicas brasileiras que visam, mediante ações afirmativas, dar o suporte socioeconômico necessário para mitigar as desigualdades enraizadas historicamente2.

Talvez não seja corriqueiro à ortodoxia do direito tematizar esse tipo de problema. Tal provocação, entretanto, será feita a partir da Literatura, mas especificamente de um conto de Monteiro Lobato3 intitulado “Negrinha”, que retrata a realidade político-jurídica da relação escravocrata no final do Império e nos primeiros anos da República4.

“Negrinha”, personagem principal da história, é uma menina mulata de sete anos de idade, de origem escrava. Órfã aos quatro anos de idade, Negrinha foi criada entre insultos e maus-tratos. Seu corpo, segundo o autor, era marcado por sinais decorrentes das agressões reiteradas que lhe eram infligidas.

A criação da menina ficava ao encargo de Dona Inácia, antiga “Senhora de Escravos”, que “era especialista em maltratar crianças”. Para ela, o novo regime que visava a igualar negros e brancos era absurdo5.

Dentre os castigos sofridos, o conto refere um episódio em que Negrinha desentendeu-se com outra pessoa que trabalhava na casa, dirigindo-lhe uma ofensa verbal. Dona Inácia, ao tomar conhecimento do caso, enxergou a oportunidade perfeita para extravasar seu nervosismo. Desta vez, a punição escolhida foi colocar um ovo recém retirado da água fervente na boca de Negrinha, amordaçando-a até que o ovo esfriasse.

O relato central do conto versa sobre a visita das sobrinhas de Dona Inácia, no período das férias, “lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas”. Em um momento de “piedade”, a senhora consentiu que Negrinha brincasse com as outras crianças, oportunidade em que a menina pode descobrir que também era criança. A partida das sobrinhas após algum tempo, no entanto, restabeleceu a dura realidade, a qual a personagem central não conseguiu suportar, terminando por sucumbir.

A forte simbologia empregada no conto, marcada por metáforas e personagens caricatos, causa impacto. A literatura, enquanto arte, recria cenários do passado, trazendo à tona diversos temas para reflexão do jurista. Nessa esteira, “os juristas vêm recorrendo ao conteúdo e à forma literária na tentativa de superar o desafio de re-pensar o direito”6.

A problemática do presente trabalho gira em torna da (in)efetividade dos direitos fundamentais de proteção a erradicação do trabalho escravo. Embora seja difícil falar em efetividade de direitos fundamentais no momento histórico reconstruído no conto, pode-se indagar sobre a efetividade das normas proibitivas da escravidão. Busca-se apresentar o contexto jurídico de efetividade das normas de direitos fundamentais contra a erradicação do trabalho escravo. Partindo do “método histórico”, o trabalho se vale da comparação de dois períodos históricos diferentes como forma de apresentar a efetividade dos direitos fundamentais desde 1988, instigados mediante provação interdisciplinar literária. A metodologia utilizada parte da pesquisa bibliográfica, legislativa e jurisprudencial. Dessa forma, pretendemos apresentar como se dá a efetividade dos direitos fundamentais no que se refere à erradicação do trabalho escravo.

1. Da relação escravocrata no Brasil imperial

O Brasil, à época patriarcal, rural e escravocrata, permaneceu na condição de colônia de Portugal até o começo do século XIX. A vinda da família real portuguesa, em 1808, representou o estopim de uma série de acontecimentos que culminariam com a independência política em 1822. “Entre 1808 e 1822 importou-se da burocracia lusa não apenas uma miríade de leis, avisos e decretos, mas também os próprios quadros. Tratou-se primeiramente de adequar a vida cortesã à realidade colonial”7.

A mudança no cenário político brasileiro não significou transformação significativa em sua composição social, a despeito do incipiente processo de urbanização verificado. Na monarquia, como adverte Sérgio Buarque de Holanda, permaneciam os fazendeiros escravocratas e seus filhos, educados nas profissões liberais, como os sujeitos que monopolizavam todas as posições de mando, a exemplo de parlamentos e ministérios8. Nessa esteira, “é nítido que os juristas e os legisladores exprimiam o máximo de consciência possível da classe escravista, na busca da legitimação de suas atitudes e valores para si e para a sociedade como um todo”9.

A manutenção da escravidão no Brasil, notadamente sob o formato de grandes latifúndios, contribuiu para o atraso do Brasil na corrida industrial. Enquanto a Inglaterra, principal potência mundial do período, já havia iniciado o seu desenvolvimento fabril em meados do século XVIII, o Brasil independente permanecia conservador e aristocrático.

Na impossibilidade de formação de uma classe operária, a mão-de-obra escrava sustentava a classe dominante, com o apoio espiritual da Igreja Católica, religião oficial do Império10. Joaquim Nabuco, abolicionista e expectador in loco da vida na Corte, descreve que grande número de padres possuía escravos, sem que o celibato clerical o proibisse11.

A breve exposição desse cenário se justifica na condição de pano de fundo cultural que marca a edição de leis que procuram regulamentar as relações escravas. Embora já em 1850 houvessem leis que reconheciam a possibilidade de liberdade dos escravos, os valores culturais da sociedade escravista à época não se coadunavam com a ideia progressista de libertação dos escravos12.

Será possível identificar, na próxima seção, os principais marcos normativos relacionados à escravatura, indicando que, pelo menos formalmente, o discurso jurídico apontava para a mudança.

2. Do regime legal das relações escravocratas no império

Para desenvolver a temática do regime legal escravocrata, levaremos em conta as leis promulgadas a partir do Império que regulamentam, direta ou indiretamente, as relações de escravidão. Entretanto, por força da limitação temporal para realização do presente trabalho, não será possível esgotar todo o material legal disponível.

A independência nacional em 1822 não significou a ocorrência de mudanças radicais nas práticas do regime escravista na antiga colônia portuguesa. “Expressão do regime liberal instituído pelos dominadores”13 a Carta Constitucional de 1824 negava a grande parte dos escravos o direito à nacionalidade, pois conforme dispunha o artigo 6º, I, em sua original redação, “são cidadãos brazileiros os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação”. Ingênuos, na dicção constitucional, eram os filhos de escravos livres.

Embora a condição de cidadão brasileiro fosse reconhecida constitucionalmente aos filhos dos escravos, a legislação infraconstitucional vigente no período imperial pouco tratava dos direitos dos escravos, com exceção do Código Criminal de 1830. Isto porque, o referido marco normativo ao tratar dos “Crimes Justificáveis”, previa ao artigo 14, § 6°, que os senhores que castigassem seus escravos de forma moderada não sofreriam com a persecução penal. O mesmo estatuto previa através do artigo 60 que o escravo poderia ser condenado à pena de até 50 açoites por dia14.

A segunda parte do século XIX foi o momento histórico em que a legislação regulamentadora das relações escravas inaugurou leis que indicaram a tendência de abolição da escravidão. Em 1850, surge a Lei Eusébio de Queiroz (Lei n° 581, de 04/09/1850), que procura proibir o tráfico negreiro no Brasil. Pouco mais de vinte anos, a Lei do Ventre Livre (Lei n° 2.040, de 28/09/1871) estabelece que os filhos de mãe escrava, a partir daquele momento, seriam livres. Com a promulgação da Lei dos Sexagenários (Lei nº 3.270, de 28/09/1885), procurou-se regulamentar a manutenção e prolongação dos serviços escravos até atingirem determinada idade.

A Lei Áurea foi o instrumento jurídico utilizado para extinguir, formalmente, as relações escravas no território brasileiro. Por ato da Princesa Isabel, promulgou-se a Lei Imperial de n° 3.353, em 13/05/1888, determinado o fim da escravidão no Brasil.

Todavia, em meados da década de 1880, aconteceu um emblemático caso, notório em âmbito nacional, que demonstrou a confusão que o regime jurídico relacionado ao trabalho escravo poderia proporcionar. Trata-se do célebre caso da escrava Honorata15.

Honorata, cuja idade à época era de cerca de doze anos, foi abusada sexualmente por seu senhor logo após ser comprada. Embora o infrator sequer negasse o fato, uma série de filigranas jurídicas serviu de base para sua absolvição.

Em decisão de primeiro grau, o juiz de Olinda decidiu pronunciar o réu, com base nos argumentos levantados pelo Ministério Público. Sustentou que o artigo 73 do Código de Processo Criminal do Império16 determinava que cabia ação penal pública quando miserável a pessoa ofendida, sobretudo se tratasse de escravo, o qual, por expressa disposição legal, não podia prestar queixa direta contra seu dono.

Ao recorrer do despacho de pronúncia à Relação de Pernambuco, o Desembargador Freitas Henriques, que no futuro seria o primeiro presidente do Supremo Tribunal Federal, apresentou as razões pelas quais não haveria como levar a júri popular o réu.

Na interpretação do magistrado, o inquérito foi baseado nas declarações de Honorata e do escravo Tibúrcio, depoimentos que não tinham qualquer força jurídica, já que, pela letra e “espírito” do artigo 89 do Código de Processo Criminal do Império17, os escravos não podiam ser testemunhas contra quem quer que seja. Na sequência de sua leitura “conforme o regime”, o magistrado asseverou que, embora a lei conferisse ao Ministério Público a legitimidade para representar pessoas miseráveis, os escravos não podiam ser considerados como tal, já que o artigo 72 do Código de Processo Criminal18 era bastante claro em atribuir somente aos senhores o direito de queixar-se por seus escravos.

No arremate final da decisão, refere Nequete, concluiu o desembargador:

Embora este processo refira-se a fato torpe, merecedor de severa reprovação, caso seja verdade que o recorrente é o seu autor, e, especialmente, pela infeliz condição da ofendida, parece-me que a ele não se devia ter dado publicidade, pelo decoro público, para ficar por fim impune pelas razões do acórdão, ou por falta do poder público para o punir, segundo os fundamentos do meu voto. [...] enquanto infelizmente no país houver escravos, é manifesto que os direitos dos senhores sobre os mesmos escravos não podem deixar de ser regulados por leis especiais ou peculiares em razão de não tratar-se de igual para igual, como não pode ser pela essência e natureza particular na sociedade heril, pela superioridade legal e moral que aqueles têm sobre estes [...].19

Embora a letra da lei à época desse margem a mais de uma interpretação, caso contrário não teria havido a denúncia do réu em primeira instância, o voto que prevaleceu foi aquele afinado com o pensamento escravocrata da época. Nequete ao avaliar o caso, chega a seguinte conclusão: “Mas, que fazer? A lei é que era injusta? Ou, pelo contrário, injusta era a sua leitura? – A resposta, deixamo-la aos que nos lêem”20.

Os problemas jurídicos provocados pelo modo econômico explorador das relações escravistas não era exclusividade do direito brasileiro. Isso porque, mais ou menos trinta anos antes, em 1857, o tribunal de cúpula do direito norte-americano enfrentou discussão quanto a possibilidade de liberdade de escravo que, ao mudar de estado da federação, reclamava ser agraciado pela legislação do Missouri. A Suprema Corte em voto histórico reconheceu que o reconhecimento da demanda implicaria em negar o direito de propriedade do dono do escravo. O precedente ficou conhecido historicamente como o caso Dred Scott vs. Sandford21.

Embora refratários a contextos históricos, políticos e jurídicos diferentes, os dois casos relatados apresentam a relação escrava como modus operandi impregnado na cultura, de tal maneira que nem a legislação (no caso brasileiro), como também a Constituição (nos Estados Unidos da América), poderiam ser considerados como instrumentos jurídicos dotados da eficácia social necessária para transformar o status quo22. Seguindo a reflexão, a próxima seção apresentará a atual discussão sobre a efetividade dos direitos fundamentais.

3. O trabalho como direito fundamental e a sua efetividade: estrutura jurídica para erradicação do trabalho escravo

A erradicação do trabalho escravo se reveste do caráter de direito humano fundamental, uma vez que reconhecida por diversos tratados, convenções, pactos e declarações de direitos no plano internacional. Por outro lado, a persistência da prática no Brasil e a dificuldade para punir, de forma exemplar, os infratores, geram questionamentos sobre a efetividade de tais direitos no plano prático.

Conforme lição de Latorre, parte importante das normas jurídicas consubstancia-se em ordens ou proibições de fazer alguma coisa23. Segundo o autor, este é o aspecto mais simples, popular e dramático do direito, haja vista que a vida em sociedade exige a abstenção ou a prática de certos atos para que a vida em comunidade possa existir24.

O direito ao trabalho digno está inserido nos chamados direito sociais, ou direitos de segunda dimensão, os quais surgiram como reação ao liberalismo clássico vigente nos séculos XIX e princípio do século XX, que pregava uma conduta absenteísta do Estado, na lógica da igualdade no plano formal.

Os direitos sociais

por serem direitos a prestações do Estado na consecução da justiça social, mediante a compensação de desigualdades fáticas e garantia do acesso a determinados bens e serviços por parte de parcelas da população socialmente vulneráveis, ou mesmo, como é o caso dos direitos dos trabalhadores (que incluem uma série de direitos típicos de liberdade e de igualdade, no sentido de proibições de discriminação), a qualificação de tais direitos como sendo também direitos sociais está diretamente vinculada à tutela de uma determinada classe social (os trabalhadores) no âmbito de relações no mais das vezes marcadas por níveis de manifesta assimetria – e desequilíbrio – de poder econômico e social25.

O artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal prevê que “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. A despeito da disposição constitucional, convém trazer à baila a distinção doutrinária traçada entre eficácia e efetividade das normas de direitos fundamentais26.

Conforme doutrina Barroso, a eficácia está relacionada à aptidão da norma para produzir efeitos27. Embora o comando normativo esteja apto para produzir efeitos, existem obstáculos para sua concretização. Trata-se da questão da efetividade, ou eficácia social, nos dizeres do autor. Nesse sentido,

A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.28

Ainda segundo Barroso, quando existe o confronto entre uma norma e um sentimento social arraigado, que contraria as tendência prevalecentes na sociedade, duas consequências podem advir: ou a norma cai em desuso ou a sua efetivação depende da frequente utilização do aparelho de coação estatal29.

Exemplo de lei em desuso, em termos históricos, é a Lei Feijó. Publicada em 07/11/1831, esta lei tinha como objetivo abolir o tráfico de escravos no Brasil, o que ocorreu em virtude da intensa pressão exercida pela Inglaterra, grande potência econômica da época. Embora a lei dispusesse, em seu artigo 1º, que “Todos os escravos, que entrarem no territorio ou portos do Brazil, vindos de fóra, ficam livres”, além de cominar diversas sanções para os importadores de escravos, sua efetividade foi nula, pois contrariava os interesses dos grandes proprietários de terra, que dominavam a política brasileira do período. Passou para história como “lei para inglês ver”.

Freitas destaca que apesar da lei o Brasil importou, após o começo de sua vigência, cerca de 550.000 escravos até meados do século XIX, proporcionando aos traficantes lucros estimados em 1.500%, um dos maiores da história30. O historiador descreve a “tática” utilizada pelo então governo regencial brasileiro para tornar inefetiva a própria lei: “para assegurar a impunidade dos infratores, o Estado Escravista determinou que fossem julgados por um júri composto de proprietários de escravos, pessoas sujeitas às mesmas penas por haverem adquirido escravos importados ilegalmente.31”.

Ao relacionar o caso da Lei Feijó com a questão da efetividade, percebe-se que incumbe ao Estado não apenas estabelecer a legislação mediante a constituição de um texto legal independentemente de mecanismos jurídicos hábeis para concretizar o comando jurídico. Pode-se pensar, assim, que a efetividade das normas jurídicas (fundamentais, constitucionais), também está atrelada à existência de instrumentos que dotem do poder de coação na realização dos comandos normativos, sob pena do direito ser relegado ao plano meramente declaratório ou abstrato.

Na lição de Barroso, são quatro os pressupostos que conduzem à efetividade das normas constitucionais: (1) a Constituição deve conter-se em limites de razoabilidade ao tratar das relações sociais que cuida; (2) as normas constitucionais sempre são dotadas de eficácia jurídica, o que atribui o caráter de imperatividade; (3) as normas constitucionais devem estruturar-se e ordenar-se de tal forma que possibilitem a identificação da posição jurídica em que se investem os jurisdicionados; (4) as posições jurídicas necessitam de instrumento de tutela adequados32. Do quadro apresentado por Barroso, o item quatro, relativo aos instrumentos de tutela, representa o maior entrave à efetivação do trabalho decente.

Cogita algumas possibilidades para erradicar o trabalho escravo a partir dos instrumentos previstos pelo sistema jurídico, destacando-se:

A participação do Poder Executivo mediante políticas públicas de fomento à fiscalização como estruturação e estruturação e aparelhamento dos órgãos do Ministério do Trabalho e Polícia Federal. Nesse sentido, a Lei n° 10.608/0233 prevê o pagamento de parcelas do seguro-desemprego e assistência à reinserção do trabalhador resgatado do regime de trabalho forçado ou condição análoga a de escravo.

A institucionalização da erradicação do trabalho escravo utiliza-se do Ministério Público, especialmente o Federal e do Trabalho, como fiscalizadores das condições laborais e respeito às leis trabalhistas, com o objetivo de proporcionar o gozo dos direitos fundamentais nas relações do trabalho. Incumbe ao Ministério Público Federal promover a responsabilização criminal dos infratores, tendo como base a tipificação descrita no artigo 149 do Código Penal34. A atuação do Ministério Público do Trabalho está direcionada para a promoção da correção de conduta do infrator, mediante instrumentos que lhes são disponibilizados, como a assinatura de termo de ajuste de conduta (art. 5º, §6º, da Lei 7.347/85) e o ajuizamento de ação civil pública, na qual poderá o Parquet pleitear a condenação do réu a obrigações de fazer ou não fazer, além do pagamento de multa por dano moral coletivo.

Não se pode descartar a participação de personalidades da sociedade civil, tal como as organizações não-governamentais. Como exemplo, a organização Repórter Brasil, que, conforme seu sítio na internet35, “foi fundada em 2001 por jornalistas, cientistas sociais e educadores, como o objetivo de fomentar a reflexão e ação sobre a violação aos direitos fundamentais dos povos e trabalhadores do campo no Brasil”. Na mesma área, destaca-se a Comissão Pastoral da Terra36, órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que promove ações em defesa dos direitos humanos, em especial dos trabalhadores rurais.

Esses são os diversos elementos à disposição dos cidadãos, que podem denunciar aos poderes públicos qualquer caso de trabalho escravo de que tenham conhecimento. Embora a efetividade ainda seja um propósito que não tenha sido alcançado em sua totalidade, a verdade é que o ordenamento jurídico atual fornece mecanismos de tutela dos direitos fundamentais destinados a dotar-lhes de efetividade.

4. Discutindo a escravidão no momento contemporâneo

Embora a Lei Áurea tenha extinguido de maneira oficial a escravidão em terras nacionais, o fenômeno de submeter pessoas para servir-se de seu trabalho chega aos dias atuais com face renovada. Na visão de Freitas “a escravidão apareceu no mundo desde que os homens se dividiram em classes, podendo-se dizer que escravidão e civilização se apresentam sincronicamente na história”37.

No Brasil do período pós-abolicionista, como se sabe, a dinâmica do regime escravocrata vem superada com a figura do imigrante, que surge como mão-de-obra farta, barata e disponível. Mesmo sendo diversos os fatores que possam ter resultado na imigração, indicam-se os tumultuados processos de unificação alemã e italiana no final do século XIX, bem como a 1ª Guerra Mundial (1914-1918), ao que se somam os incentivos financeiros ofertados pelo governo brasileiro com o objetivo de subsidiar a nova forma de mão-de-obra. Na verdade, os imigrantes recém-chegados, alemães, italianos e japoneses, em sua maioria, “escravos da dívida e sufocados pelo poder dos coronéis, recebiam o mesmo tratamento dispensado ao negro”38.

O tratamento escravo vigente na história brasileira, imperial e pós-republicana, acaba sendo o produto relacionado ao modelo de produção adotado, fundado sobre relações econômicas dependentes da desigualdade socioeconômica. Dessa forma, mesmo nos casos em que o trabalhador foi libertado da relação escrava, a sua situação de pobreza acaba sendo a principal causa para a sua recondução como escravo39.

Não se pode negar que o direito procura fazer a sua parte, inclusive, transformando-se ao longo da história para procurar dar maior efetividade às normas protetivas-proibitivas do trabalho escravo, sendo a prática da submissão à escravidão repudiada pela comunidade internacional. Assim é a previsão feita no artigo IV da Declaração Universal de Direitos Humanos, ao dispor que: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”.

No âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o tema encontra guarida nas Convenções 2940 e 10541 da OIT, a primeira versa sobre o trabalho forçado ou obrigatório e, a segunda, sobre a abolição do trabalho forçado. Conforme se extrai do art. 2º, da Convenção 29 da OIT, a expressão “trabalho forçado ou obrigatório” compreende todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente. Do conceito são retiradas duas premissas para a caracterização do trabalho escravo: a ameaça de punição e a prestação de trabalho de forma involuntária. Esta é a caracterização do trabalho forçado, comum em zonas rurais do país, em que o trabalhador é atraído para uma localidade afastada, sob a promessa de trabalho com boa remuneração, ao fim do qual se vê refém do dono das terras, sendo obrigado a trabalhar praticamente para a subsistência, com maus-tratos e vigilância constante para impedir sua fuga do local. Sinale-se que o trabalho forçado no Brasil não pode ser utilizado sequer como pena, conforme dicção do artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal.

A prática de redução de pessoas à condição análoga à de escravo ofende diversos dispositivos da Carta Magna, como a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (art. 1º, III e IV), a vedação de submissão a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III), a função social da propriedade (art. 5º, XXIII) e a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII).

Na esfera criminal, o artigo 149 do Código Penal, com redação dada pela Lei 10.803/03, passou a tipificar o crime de redução à condição análoga à de escravo. O texto legal supratranscrito apresenta definição mais abrangente quanto ao tema, pois abarca não apenas o trabalho forçado, que possui relação com a restrição de locomoção e o caráter involuntário da prestação do labor, na esteira do preconizado pela OIT, como também o trabalho desempenhado em condições degradantes.

O trabalho degradante possui relação com as condições em que o trabalho é desenvolvido, especialmente no que tange à inobservância de normas de saúde, higiene e segurança, como a imposição de jornadas excessivas, alimentação inadequada, ausência de água potável e de fornecimento de equipamentos de proteção.

Enquanto o trabalho forçado encontra sua maior incidência no meio rural, o trabalho degradante é fenômeno que atinge as searas rural e urbana. Na área rural, conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego, divulgados na Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, os grandes focos de trabalho escravo estão concentrados nos estados do Pará (desmatamentos e fazendas), Mato Grosso (fazendas e madeireiras), Maranhão (fazendas, manejo florestal, reflorestamento e produção de carvão) e Goiás (capina e colheita de sementes de braquiária)42.

No âmbito urbano, a incidência de trabalhadores imigrantes é maior. O caso mais emblemático ocorre com os imigrantes bolivianos, que ingressam em território brasileiro de maneira irregular, sendo explorados em pequenas confecções e oficinas clandestinas da grande São Paulo e municípios do interior paulista43.

Em que pese o extenso arcabouço normativo existente, dados do Ministério do Trabalho e Emprego44 apontam que, entre 2003 e o final de janeiro de 2011, houve o resgate oficial de 33.392 trabalhadores da condição análoga à de escravo, em 2.046 fazendas fiscalizadas. Essas informações são indicativos de que o problema do trabalho escravo está além das capacidades funcionais do direito – ou da efetividade das normas, demandando o seu enfrentamento através de outras vias, como as políticas públicas e participação da sociedade para revisão do modelo econômico que ainda permite esse tipo de relação.

Conclusão

Assim, a partir da Literatura abre-se uma fenda na dogmática jurídica, dando espaço para discutir a limitação própria do Direito como único instrumento disponível para a mudança da realidade. Isto é, mesmo havendo mecanismos jurídicos próprios a dar efetividade às normas de direito fundamental, conclui-se que o problema do trabalho escravo exige esforços maiores da sociedade.

A análise do conto “Negrinha”, de Monteiro Lobato, traz à tona a faceta mais cruel da escravidão. Os maus tratos a que era submetida a menina apontam para um momento histórico brasileiro em que as normas que, progressiva e formalmente, procuravam afastar o trabalho escravo não tinham elementos hábeis para constituir a sua eficácia.

Embora não se possa negar que o trabalho escravo ainda exista no Brasil, é inegável que a partir da Constituição de 1988, a proteção contra o trabalho escravo, reconhecida como um direito fundamental, possui méritos por prever uma série de instrumentos jurídicos aptos a desenvolver e proteger a efetividade das normas fundamentais.

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Law, slavery and literature: reflections on the (in) effectiveness of fundamental rights from the tale “little black,” of Monteiro Lobato

Abstract

The central discussion of the present work is the problematic over the effectiveness of fundamental rights, especially the ones regarding the eradication of slavery, through the scope of two different legal-political contexts. The basis for this analysis is the short-story “Negrinha”, written by Brazilian author Monteiro Lobato. This book gave highlights to a situation where a little girl was still subjected to the typical relations of the slavery model, even thou the Law of Abolition of Slavery already existed. From this premise, we are able to trace the difference between the imperial and the republican legal systems regarding effectiveness of prohibition of slave work. It is introduced, for that matter, the progressive normative succession that culminated with the abolition of slavery. Using the “historical method”, it is compared the two different periods as a form to present the effectiveness of fundamental rights since 1988, urged by the interdisciplinary analysis. The article is composed using bibliographical, legislative and jurisprudential elements. Thus, the intention here is to present how does the effectiveness of fundamental rights takes place over the matter of eradication of slavery, indicating the limitation of law in face of a problem that involves a discussion with more complex premises.

Keywords: Law and Literature. Slavery. Effectiveness. Fundamental Rights.

Recebido em: abri de 2011

Aprovado em: junho de 2011

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1 Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Estudos “Direito & Literatura”, da Escola de Direito da IMED, que contou com a colaboração de Carlos Alberto Frezza, Dionara Silva, Gislaine de Oliveira de Almeida, José Paulo Schneider, Neuri Boscatto, Priscila Bianchetti e Thiago Nunes.

2 Sobre o tema, especificamente, vale conferir o programa “Direito & Literatura”, exibido em 23 de outubro de 2010, pela TVE/RS, que contou com a participação dos professores Lenio Luiz Streck, Daniela Cademartori e Márcia Lopes Duarte. Disponível em: <www.unisinos.br/direitoeliteratura>.

3 José Bento de Monteiro Lobato (1882-1948) foi escritor, fazendeiro e promotor público. Com livros voltados para os públicos infantil e adulto, o autor alcançou a notoriedade com as obras “Urupês” e “Cidades Mortas”. Sua literatura apresenta um caráter social, com traços regionalistas peculiares e olhos voltados para o meio rural. Dentre outros fatos, o autor ficou conhecido pela hostilidade apresentada ao movimento vanguardista que marcou a Semana de Arte Moderna em 1922. Ver, para tanto, MELLO, Neide Moraes de. Intelectuais na Vida Pública: Mário de Andrade e Monteiro Lobato. Tese (Doutorado em Ciências Políticas), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006, p. 53-4.

4 Nesse mesmo sentido, aliás, cumpre referir os trabalhos de GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito & literatura: anatomia de um desencanto: desilusão jurídica em Monteiro Lobato. Curitiba: Juruá, 2002; e, mais recentemente, GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Desilução jurídica em Monteiro Lobato: anatomia de um desencanto. In: TRINDADE, André Karam (Org.). Direito & literatura: ensaios críticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 207-222.

5 Alusão implícita à Lei Imperial nº 3.353, de 13-05-1888, conhecida por Lei Áurea, que, em seu artigo 1º, declarou extinta a escravidão no Brasil.

6 Cf. TRINDADE, André Karam. GUBERT, Roberta Magalhães. Direito e Literatura: aproximações e perspectivas para se repensar o direito. In: TRINDADE, André Karam (Org.). Direito & Literatura: reflexões teóricas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 61.

7 MALERBA, Jurandir. Os brancos da lei: liberalismo, escravidão e mentalidade patriarcal no Império do Brasil. Maringá: EDUEM, 1994, p. 2.

8 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1971, p. 41.

9 MALERBA, op. cit., p. 17.

10 Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. (redação original).

11 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2000, p. 133. Em Negrinha, Monteiro Lobato descreve a figura do padre, todo elogios à senhora rica e insensível à situação da pequena escrava.

12 MALERBA, op. cit., p. 18.

13 FREITAS, Décio. O escravismo brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982, p. 85.

14 O paradoxo reside no fato de que a própria Constituição de 1824, em um incipiente rol de direitos e garantias individuais, previa no artigo 179, XIX, que “desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis.” Embora pareça claro que a disposição da Carta Magna Imperial se refira aos escravos, o Código Criminal instituía disposição conflitante, o que evidencia que a escravidão no Brasil, em termos jurídicos, é marcada não apenas por conflitos entre direito positivo e direito natural, como também por questões relacionadas à supremacia da Constituição enquanto norma fundamental de um Estado.

15 Descrição do caso extraída de: NEQUETE, Lenine. As Relações entre Senhor e Escravo no Século XIX: o caso da Escrava Honorata. Revista Brasileira de Estudo Políticos, Belo Horizonte, nº 53, p. 223-248, 1981.

16 Art. 73. Sendo o offendido pessoa miserável, que pelas circunstancias, em que se achar, não possa perseguir o offensor, o Promotor Publico deve, ou qualquer do povo pôde intentar a queixa, e prosseguir nos termos ulteriores do processo (redação original).

17 Art. 89. Não podem ser testemunhas o ascendente, descendente, marido, ou mulher, parente até o segundo gráo, o escravo, e o menor de quatorze annos; mas o Juiz poderá informar-se delles sobre o objecto da queixa, ou denuncia, e reduzir a termo a informação, que será assignada pelos informantes, a quem se não deferirá juramento. Esta informação terá o credito, que o Juiz entender que lhe deve dar, em attenção ás circumstancias (redação original).

18 Art. 72. A queixa compete ao offendido; seu pai, ou mãi, tutor, ou curador, sendo menor; senhor, ou conjuge (redação original).

19 NEQUETE, op. cit., p. 229-230.

20 Id., ibid., p. 248.

21 Cf. Dred Scott vs. Sandford, 60 U.S. 393 (1858).

22 A narrativa feita em “Negrinha” parece colocar em evidência a consciência dos proprietários rurais que ainda reproduziam a relação escravista após a edição da Lei Áurea. Nesse sentido, a literatura serve para denunciar que, embora juridicamente a escravidão estivesse vedada, a realidade se mostrava mais nefasta. Talvez venha a ser esta, precisamente, a crítica que o texto literário de Monteiro Lobato enseja, isto é, a problematização da efetividade das normas.

23 LATORRE, Angel. Introdução ao direito. Trad. Manuel de Alarcão. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1978, p. 20.

24 Latorre igualmente destaca a existência dos chamados direitos subjetivos, em que o direito não se reveste de caráter imperativo ou sancionador, mas sim de um caráter instrumental, a serviço dos cidadãos, “como um conjunto de disposições que servem de base, ajuda e limite à satisfação dos nossos desejos, à nossa livre atividade, ao desenvolvimento da nossa personalidade (id., ibid., p. 20).

25 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 217-218.

26 Valendo-se da tradicional doutrina sobre as normas constitucionais, assume que as normas jurídicas gozam de eficácia e efetividade. Eficácia jurídica, para o presente debate, deve ser concebida como a capacidade de uma norma jurídica de produzir efeitos. Cf. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 66.

27 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 81.

28 Id., ibid., p. 82-3.

29 Id., ibid., p. 83.

30 FREITAS, op. cit., p. 90.

31 Id., ibid., p. 90.

32 BARROSO, op. cit., p. 86.

33 Art. 2º. A Lei .7.998, de 1990, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 2º-C: “Art. 2º-C. O trabalhador que vier a ser identificado como submetido a regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo, em decorrência de ação de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, será dessa situação resgatado e terá direito à percepção de três parcelas de seguro-desemprego no valor de um salário mínimo cada, conforme o disposto no § 2º deste artigo.

§1º. O trabalhador resgatado nos termos do caput deste artigo será encaminhado, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, para qualificação profissional e recolocação no mercado de trabalho, por meio do Sistema Nacional de Emprego – SINE, na forma estabelecida pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador - CODEFAT”.

34 Código Penal. Redução à condição análoga à de escravo. Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto (sic).

35 Disponível em: www.reporterbrasil.org.br. Acesso em: 12/11/2011.

36 Disponível em: www.cptnacional.org.br. Acesso em: 12/11/2011.

37 FREITAS, op. cit., p. 12.

38 NINA, Carlos Homero Vieira. Escravidão ontem e hoje: aspectos jurídicos e econômicos. Brasília, 2010, p. 70.

39 SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Trabalho escravo: a abolição necessária: uma análise da efetividade e da eficácia das políticas de combate à escravidão contemporânea no Brasil. São Paulo, LTr, 2008, p. 119.

40 Ratificada pelo Decreto Legislativo nº 24/56 e promulgada pelo Decreto nº 41.721, de 25-06-1957.

41 Ratificada pelo Decreto Legislativo nº 20/65 e promulgada pelo Decreto nº 58.822, de 14-07-1966.

42 ABREU, Lília Leonor; ZIMMERMANN, Deyse Jacqueline. Trabalho escravo contemporâneo praticado no meio rural brasileiro. Abordagem Sócio-Jurídica. Revista TRT 12 ª Região, Florianópolis, n. 17, 2003, p. 105.

43 Cf. NINA, op. cit., p. 136.

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