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Para além da criminologia. Um debate epistemológico sobre o dano social, os crimes internacionais e os delitos dos mercados*

Más allá de la criminología. Un debate epistemológico sobre el daño social, los crímenes internacionales y los delitos de los mercados

Camilo Ernesto Bernal Sarmiento(1); Sebastián Cabezas Chamorro(2); Alejandro Forero Cuéllar(3); Iñaki Rivera Beiras(4); Iván Vidal Tamayo(5); Marina Quezado Soares(6)

1 Mestre em Criminologia e Sociologia Jurídico-Penal pela Universidad de Barcelona e pesquisador da Corporación Punto de Vista. E-mail: [email protected]

2 Advogado pela Universidad de Valparaíso de Chile e mestre em Criminologia e Sociologia Jurídico-Penal pela Universidad de Barcelona. É Chefe da Divisão de Proteção de Direitos da Subsecretaria de Direitos Humanos de Chile. E-mail: [email protected]

3 Doutor em Direito e Ciência Política pela Universidad de Barcelona. Professor do Mestrado em Criminologia, Política Criminal e Sociologia Jurídico Penal e pesquisador do Observatorio del Sistema Penal y los Derechos Humanos da Universidad de Barcelona (OSPDH). E-mail: [email protected]

4 Doutor em Direito pela Universidad de Barcelona. É professor titular do Departamento de Direito Penal, Criminologia e Direito Internacional Público e diretor do Observatorio del Sistema Penal y los Derechos Humanos da Universidad de Barcelona (OSPDH). E-mail: [email protected]

5 Licenciado em Direito pela Pontificia Universidad Católica de Chile, mestre em Criminologia pela Universidad Central de Chile e doutor pela Universidad de Barcelona. É professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidad Autónoma de Chile. E-mail: [email protected]

6 [Tradutora]. Mestra em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília e doutoranda em Direito e Ciência Política da Universidad de Barcelona, com bolsa da CAPES/Brasil. E-mail: [email protected]

Resumo

O presente texto é o resultado do estudo preliminar à tradução ao castelhano da obra de Wayne Morrison “Criminología, Civilización y Nuevo Orden Mundial”. O artigo pretende realizar uma revisão dos fundamentos epistemológicos da criminologia contemporânea, indagando acerca das razões que a levaram a edificar-se como um saber seletivo e discriminador na modernidade e questionando por que a criminologia esqueceu, negou, evitou a investigação de vários eventos de atrocidades massivas que foram cometidos durante o século XX, em verdadeiro “apartheid” criminológico. A história recente da criminologia mostra que, apesar de haver vivido as atrocidades massivas que as ditaduras e os conflitos armados produziram durante décadas, esta disciplina não pôde, por distintas razões, desenvolver um conjunto de ferramentas analíticas que pudessem explicá-las e que contribuíssem a preveni-las, limitando seu papel à denúncia moral das ordens repressivas e da barbárie das guerras civis internas. Para reflexionar sobre essa constatação, o presente trabalho percorrerá a história e as tendências contemporâneas dos estudos criminológicos sobre crimes de Estado, genocídio, zemiologia (o estudo do dano social) e crimes dos mercados e proporá, ao final, a ruptura dos limites epistemológicos atuais para a continuação do debate acadêmico e a promoção da ação política.

Palavras-chave: Criminologia. Genocídio. Dano Social. Crimes dos Estados. Crimes dos Mercados. Criminologia Global.

Resumen

El presente texto es el resultado del estudio preliminar a la traducción al castellano de “Criminología, civilización y nuevo orden mundial” de Wayne Morrison. El artículo pretende revisar los fundamentos epistemológicos de la criminología contemporánea, indagando acerca de las razones que la llevaron a edificarse como un saber selectivo y discriminador en la modernidad y cuestionando per que la criminología se olvidó, negó o eludió la investigación de múltiples eventos de atrocidades masivas cometidos a lo largo del siglo XX, en verdadero “apartheid” criminológico. La historia reciente de la criminología muestra que a pesar de haber vivido las atrocidades masivas que produjeron las dictaduras y los conflictos armados durante décadas, esta disciplina no pudo, por distintas razones, desarrollar herramientas analíticas que pudieran explicarlas y que contribuyeran a prevenirlas, limitando su papel a la denuncia moral de los órdenes represivos y de la barbarie de las guerras civiles internas. Para reflexionar sobre esta constatación, el presente trabajo hará un recorrido por la historia y las tendencias contemporáneas de los estudios criminológicos sobre crímenes de Estado, genocidio, zemiología y crímenes de los mercados y presentará propuesta de ruptura de los límites epistemológicos actuales para la continuación del debate académico y la promoción de la acción política.

Palabras-clave: Criminología. Genocidio. Daño Social. Crímenes de los Estados. Crímenes de los Mercados. Criminología Global.

1 Introdução

Na história recente do pensamento criminológico na América Latina, foram poucos os períodos nos quais se produziram reflexões internas com caráter transformador em relação aos afazeres da disciplina. Logo depois da ruptura epistemológica que acarretou a desmitificação do paradigma causal por parte da criminologia crítica, na década de 1970, e de sua posterior expansão no continente durante a década seguinte, registraram-se outros dois momentos chave na discussão epistemológica desta área de saber-poder sobre a questão criminal. O primeiro, a meados da década de 1980, concentrou-se em um debate promovido por vário(a)s acadêmico(a)s sobre as necessárias relações entre a criminologia e o direito penal e o papel que estas disciplinas deveriam cumprir na investigação e eventual transformação das formas de controle punitivo presentes nas sociedades latino-americanas (NOVOA MONREAL, 1985; ANIYAR DE CASTRO, 1986; NOVOA MONREAL, 1986; BERGALLI, 1986; OLMO, 1987). O segundo, que se produziu a partir do final da década de 1980 e durante boa parte da década seguinte, estava relacionado com o processo de tradução, incorporação cultural e adaptação local dos fundamentos conceituais e das propostas político-criminais de duas tendências da criminologia crítica, o abolicionismo e o direito penal mínimo ou garantismo penal (MARTÍNEZ SÁNCHEZ, 1995; ZAFFARONI, 1998; SOTOMAYOR ACOSTA, 2006; SOZZO, 2006). Para além destes momentos, é difícil encontrar outros pontos de inflexão no pensamento criminológico crítico continental, registrando-se, na verdade, uma possível “cristalização” de seus principais argumentos e enfoques (SOZZO, 2006, p. 414 e ss.).

Apesar disso, uma nova oportunidade para a discussão epistemológica parece estar começando, recentemente, com a incorporação de novas orientações criminológicas relacionadas com o estudo dos crimes de Estado, do genocídio e dos danos sociais em larga escala. No nosso âmbito, esse impulso se deve, em boa parte, ao trabalho de recuperação que Eugenio Raúl Zaffaroni fez da obra “Criminología, civilización y nuevo orden mundial”, do criminólogo neozelandês Wayne Morrison (2012). Neste trabalho, Morrison faz uma série de perguntas fundamentais: Onde estava a criminologia enquanto se produziam os crimes massivos de Estado que ocorreram desde meados do século XIX até nossos dias? Que papel cumpriu o discurso da criminologia, como discurso da modernidade, nos grandes massacres que a história nos apresenta como parte do “processo civilizador”? É possível um projeto de criminologia (crítica) global que enfrente as atrocidades do “espaço civilizado”?

Nesse trabalho, Morrison nos convida a revisar a história da criminologia e a enfrentar as consequências de seu passado vergonhoso. Depois de décadas negando ou esquecendo a transcendência das atrocidades massivas como possíveis objetos de estudo sobre a questão criminal, o pensamento criminológico vê-se chamado a prestar contas sobre as razões que permitiram a naturalização e a banalização da violência coletiva e sua falta de crítica e reflexão face aos danos sociais gerados pelas políticas de colonização, as guerras de agressão e os totalitarismos.

A história recente da criminologia mostra que, apesar de haver vivido as atrocidades massivas que as ditaduras e os conflitos armados produziram durante décadas, esta disciplina não pôde, por distintas razões, desenvolver um conjunto de ferramentas analíticas que pudessem explicá-las e que contribuíssem a preveni-las, limitando seu papel à denúncia moral das ordens repressivas e da barbárie das guerras civis internas. Esta constatação nos convoca a reflexionar de maneira aberta e profunda sobre o sentido dos conteúdos que os estudos teóricos e empíricos das ciências sociais e da criminologia na América Latina deveriam ter, isso à luz do impacto que a violência coletiva teve e tem (na Colômbia e no México, como exemplos)1 sobre as nações da região.

Com o fim de avançar na concretização desta tarefa, o presente texto realiza uma revisão dos fundamentos epistemológicos da criminologia contemporânea, indagando acerca das razões que a levaram a edificar-se como um saber seletivo e discriminador na modernidade. Em seguida, julga a criminologia pela maneira como esqueceu, negou, evitou a investigação de vários eventos de atrocidades massivas que foram cometidos durante o século XX, apresentando oito possíveis explicações para esse “apartheid” criminológico. Posteriormente, percorre a história e as tendências contemporâneas dos estudos criminológicos sobre crimes de Estado, genocídio, zemiologia e crimes dos mercados. O texto termina com várias propostas de ruptura dos limites epistemológicos atuais para a continuação do debate acadêmico e a promoção da ação política.

2 O difuso objeto de estudo da criminologia

Durante o século XX, a criminologia sofreu inumeráveis revisões e transformações em seu objeto de estudo, sem que fosse possível afirmar, de maneira enfática, a existência de um consenso entre os diferentes enfoques que a integram mas, sim, sua ampla fragmentação (ERICSON; CARRIÉRE, 2006; DOWNES; ROCK, 2011; CERETTI, 2008, p. 101 e ss.). Desde sua origem formal, no consultório do doutor Lombroso e nas análises dos “estatísticos morais” (BERGALLI, 1983, p. 99 e ss.), cada nova época foi trazendo novas explicações causais do comportamento desviado ou criminal dos seres humanos.

Com o desenvolvimento da criminologia nos Estados Unidos e o surgimento das orientações sociológicas no início do século passado, foram-se acumulando novas explicações multicausais que incluíam a desorganização social, a nova configuração das cidades, as tensões inerentes ao modo de vida nos EUA e a geração de novas subculturas que desafiavam o império da lei penal. Posteriormente, a entrada em cena da nova criminologia, radical ou crítica – da mão, principalmente, de criminólogos ingleses e italianos – fez com que o eixo da explicação criminológica se deslocasse para a construção social da realidade e para a criminalização do comportamento desviado; para a crítica das desigualdades sociais e de classe no capitalismo e ao estudo do funcionamento dos sistemas penais (PAVARINI, 1983; SANDOVAL HUERTAS, 1985, p. 5-6; BERGALLI, 2003; BARATTA, 1994).

Entretanto, nenhuma das teorias que surgiram durante este século desapareceram por completo, convertendo a criminologia em um verdadeiro “zoológico de espécies vivas” ou uma “torre de babel” (ZAFFARONI, 2005, p. 8; 2011, p. 47; DOWNES, ROCK, 2011, p. 17), por onde circulam todo tipo de teorias contraditórias e multidimensionais, sempre sob o amparo de uma disciplina (aparentemente) comum e razão pela qual resulta mais adequado à realidade falar de “criminologias”, no plural (CERETTI, 2008, p. 103). Esta constatação do ordenamento discursivo e factual da disciplina condiciona as discussões em torno do objeto de estudo e, apesar de pequenos acordos comuns, algumas orientações consideram que o estudo da chamada “questão criminal”2 deve abandonar a criminologia — sempre etiológica — para fundar novos horizontes disciplinares, como a sociologia jurídico-penal (BERGALLI; 2003; BOMBINI, 2010; BARATTA, 1994).

Sem diminuir a importância do debate levantado, nem minimizar suas consequências epistemológicas, é possível advertir, entretanto, que a maioria dos manuais europeus em uso aceitam, por exemplo, que o objeto central da criminologia pode estar relacionado tanto com o estudo do delinquente e das causas da delinquência, como com os processos de elaboração das leis, de infração das leis e de reação à infração das leis, segundo a clássica fórmula de Edwin Sutherland (SUTHERLAND; CRESSEY, 1955), ou, finalmente, com a inclusão de ambos os horizontes de investigação (HASSEMER; MUÑOZ CONDE, 1989; 2001; ANITUA, 2005).

Além destes âmbitos, outros autores incluem o estudo das vítimas, da conduta desviada não delitiva e do delito como evento (GARRIDO et al., 2001, p. 49; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2008; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2009, p. 53; CID MOLINÉ, LARRAURI PIJOÁN, 2001, p. 15-20; ROLDÁN BARBERO, 2009; SERRANO MAÍLLO, 2008). Na literatura de língua inglesa, encontram-se, por sua vez, algumas coincidências na definição da criminologia como um âmbito disciplinar orientado ao estudo e à investigação do crime, dos criminosos e do sistema de justiça penal (NEWBURN, 2007, p. 4-6; CARRABINE et al., 2009, p. 3; O’BRIEN, YAR, 2008; SIEGEL, 2011; LIPPENS, 2009, p. 10; VOLD et al., 1998, p. 4-13).

3 A construção de um saber seletivo e discriminatório: sua revisão a partir da Filosofia e da Teoria Crítica

Uma vez resumidos os objetos de estudo da criminologia tradicional (que como tal continua sendo ensinada em tantas Universidades), convém perguntar por que ele foi construído assim, hegemonicamente. Uma “criminologia dos delitos menores” junto a um direito penal que não perseguiu, eficazmente, os delitos dos poderosos, a tortura, a corrupção, o tráfico de armas, os processos de colonização e a guerra, constituem saberes suspeitos de terem sido construídos sobre a base de uma seletividade nada natural, mas politicamente decidida. Como pôde configurar-se este saber seletivo e discriminatório?

Ninguém melhor que Horkheimer e Adorno pôde explicar as aporias e falsidades do projeto iluminista, projeto que se baseou sobre o estabelecimento de um mito (apesar de pretender, justamente, seu desaparecimento). A que mito faziam referência? Em escritos anteriores, mas, em especial e definitivamente, a partir da “Dialética do Esclarecimento” (“Dialéctica de la Ilustración”) de 1944, revelaram a falsa representação da ordem ocidental como cenário do desenvolvimento do progresso, da razão. Diziam os autores citados: “No sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal. O programa do esclarecimento era o desencantamento do mundo. Sua meta era dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber.”3 (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 18). Todavia, o combate contra a explicação mitológica do mundo provocou, aporeticamente, que o próprio iluminismo se convertesse em um mito: o que explicava que a ciência dominaria a natureza e conduziria a humanidade em direção a um progresso que a liberaria das forças do mal. E em que se basearia um progresso semelhante? Nos inventos, nos artifícios que cancelavam as épocas anteriores e iluminavam novos tempos. Três foram fundamentais: a imprensa (decisiva no âmbito da ciência); a bússola (imprescindível na economia, no comércio e na navegação); o canhão (decisivo no âmbito da guerra) (HORKHEIMER; ADORNO, 2009, p. 59).

O programa iluminista foi a tentativa de desenvolver um processo de desencantamento do mundo, de progressiva racionalização. Como indica Juan José Sánchez, no estudo preliminar à obra comentada, esse processo, que quis ser liberador, esteve viciado desde o princípio e, por ele, se desenvolveu historicamente, em realidade, como um processo de alienação (SÁNCHEZ, 2009, p. 13). Claro, a Teoria Crítica parte de uma experiência dolorosa: a humanidade (e voltamos a lembrar que assim se expressam em 1944) não só já não avança em direção à liberdade, à plenitude do iluminismo, como retrocede e se afunda em um novo gênero de barbárie. Conhecer as razões desse drama pressupõe entrar na “dialética iluminista”. Desfazer o caminho que levou à calamidade pressupõe contemplar, novamente, a história com outra lente, a que é própria da memória. E, desde o olhar benjaminiano do Angelus Novus (BENJAMIN, 2008), o progresso como acumulação de cadáveres e destroços pressupôs, sobretudo, o esquecimento das vítimas, dos grandes processos de vitimização. Os saberes penais não prestaram atenção a esses processos. A “civilização” sobre a qual falou e tratou o projeto iluminista não foi a da humanidade completa, foi a que só alcançaria a alguns sujeitos (masculinos, brancos, livres e proprietários) da parte ocidental do mundo (COSTA, 1974). A geopolítica racista que a partir de então se configurou e que durante o século XIX se desenvolveu em todo seu esplendor, iluminou o nascimento de saberes que, como o criminológico, e nas palavras de Morrison, pressupuseram tão-somente (e nada menos) o discurso da segurança do “espaço civilizado”. As ciências da lei e da ordem despertaram, assim, no próprio marco estrutural e cultural do comentado projeto hegemônico.

É evidente, portanto, e aí o necessário tratamento desta questão preliminar, que foi a aludida direção da Filosofia crítica que destacou algumas questões fundamentais a partir das quais se pretendeu romper os limites epistemológicos comentados: olhar a história e o curso dos processos de desenvolvimento através da consideração e do olhar das vítimas. Colocar em ação, finalmente, o que Reyes Mate define como uma ferramenta e um paradigma “anamnésico” (MATE, 2012). Desenvolver, assim, uma disciplina, um corpus e uma práxis que tenham a memória como principal campo de delimitação epistemológica (HALBWACHS, 2004), fará com que aflorem outros cenários que não haviam sido contemplados. O que se quer dizer com tudo isso é que necessitamos o emprego da filosofia para entender este contraprocesso e este novo olhar. Ela não virá de nenhuma direção criminológica. Somente quando o fogo ameaçou queimar tudo (e isso significa Holocausto), a visão do abismo tornou-se evidente para alguns e mostrou, definitivamente, que há outra forma de contemplar o mundo: a que emprega a mirada dos vencidos, das vítimas, dos esquecidos.4

Então, faz sentido tratar o binômio criminologia e crimes internacionais?5

Prestar atenção – seriamente – aos processos de vitimização, às políticas colonialistas, à preparação da guerra e à sua execução e aos crimes de Estado, não é possível desde a criminologia – tal como foi concebida pelo positivismo iluminista – porque, como foi dito, ela nasceu dentro do mito indicado e consequentemente para cumprir outras tarefas funcionais; pretender atribuir-lhe o conhecimento dos crimes que ela mesma contribui que se cometam não faz sentido. Com efeito, essa criminologia não pôde, não soube, ou não quis explicar as grandes vitimizações que os próprios Estados do ocidente, que deviam guiar a humanidade à civilização superior (de acordo com o programa iluminista), estavam perpetrando.

Porque ademais, foi essa mesma criminologia, a científica do século XIX e princípios do século XX, que foi preparando o caminho e elaborando um “corpus” científico (médico, biológico, antropológico, eugenésico e estatístico) em torno da superioridade racial e a necessidade “natural” dos processos de colonização (e, consequentemente, de guerra e extermínio), que contribuiu ao desenho e à execução do maior genocídio mundial e de outras práticas eliminatórias (GOLDHAGEN, 2010).

Penetrar precisamente nos interstícios, no entrecruzamento do Holocausto com o desenvolvimento daquela criminologia, significa romper para sempre seus moldes epistemológicos para reivindicar a necessidade de um saber que indique, estude e denuncie a especial barbárie dos atos criminais mais organizados, os do Estado, particularmente através dos processos de colonização e da guerra (RIVERA BEIRAS, 2010b).

4 Perseguindo o ladrão e ignorando o genocida: negação, esquecimento ou fuga das atrocidades massivas?

Durante o “curto século vinte” e no correr do novo século, a humanidade padeceu as mais terríveis atrocidades da história ocidental (HOBSBAWM, 1998). Sem sombra de dúvidas, o exercício criminal do poder político através da guerra e a violência coletiva desencadearam um processo de desumanização sem precedentes contra grandes populações do planeta.

Entre 1990 e 1999, o mundo gerou umas 250 guerras internacionais ou civis (2 ou 3 guerras novas cada ano, que causaram milhares de centenas de mortes cada uma), trazendo como resultado o extermínio de mais de 100 milhões de pessoas como consequência direta de ações organizadas por unidades militares respaldadas por algum governo (TILLY, 2007, p. 55). Segundo cálculos mais conservadores, 2% da população mundial que morreu na época atual morreu em mãos de assassinos em massa (GOLDHAGEN, 2010, p. 67). O extermínio do povo Herero em Namíbia, os confrontos da primeira guerra mundial, o genocídio armênio, o Holocausto nazista, as atrocidades do fascismo na Itália e da ditadura franquista na Espanha, a matança dos opositores políticos na União Soviética, o genocídio de Bangladesh, os desaparecimentos, as torturas e execuções extrajudiciais das ditaduras latino-americanas, o genocídio de Camboja, as guerras coloniais e de liberação na África, a barbárie dos conflitos armados na América Central e na Colômbia, a limpeza étnica e a violência sexual nos Bálcãs, os genocídios de Ruanda e Sudão (Darfur), são alguns dos marcos mais importantes desta prática de agressão sistemática contra a humanidade em tempos recentes.

A degradação da violência coletiva e das práticas eliminatórias tiveram um processo de incubação nas suas dimensões sociais, ideológicas e culturais desde o início do século XX e uma fase de aceleração e desenvolvimento com o Holocausto (BRUNETEAU, 2009, p. 37; GOLDHAGEN, 2010). De fato, a continuidade do “mal radical” e das práticas de destruição total do inimigo nos primeiros episódios de violência coletiva durante a Primeira Guerra Mundial, mostraram a fragilidade estrutural dos mecanismos de regulação internacional da guerra na Europa e na Ásia e o notório desequilíbrio político que existia entre os diferentes países que firmaram o Tratado de Versalhes de 1919. Assim, por exemplo, o genocídio do povo armênio pelos turcos foi favorecido por uma corrida armamentista em crescimento, em nível mundial, e um inexistente controle político e militar em âmbito internacional. A impunidade desses fatos favoreceu, sem dúvida, seu rápido esquecimento e a política de negação se instalou em seguida (BRUNETEAU, 2009, p. 81).6

Apesar do seu impacto, em todo o planeta, só depois da Segunda Guerra que se declararia ameaçada, de maneira definitiva, a paz internacional, através de um fato único: a tecnificação da prática dos genocídios e a submissão de seis milhões de judeus e de outros treze milhões (aproximadamente) de eslavos, prisioneiros de guerra soviéticos, polacos não judeus, opositores políticos, ciganos, deficientes e homossexuais à barbárie extrema. Ainda que outros fatos históricos poderiam equiparar-se por sua crueldade – guardadas as proporções – só o rastro de sangue, gás e fogo que os nazistas deixaram por toda Europa permitiu evidenciar a necessidade de controlar as políticas colonialistas e as guerras de agressão (RAFECAS, 2012).

A ruptura que representou o Holocausto do “espaço civilizado” e da ideia positivista de progresso que sustentava o projeto da modernidade liberal impulsionou as nações dominantes a estabelecer limites – mesmo que brandos —7 ao princípio de soberania estatal nas relações internacionais, abrindo caminho à criação de instituições e ao desenvolvimento de instrumentos normativos universais de proteção dos direitos das pessoas contra a barbárie da guerra.8

Daí por diante, a continuidade das atrocidades durante os 50 anos seguintes se encarregaria de impulsionar novos desenvolvimentos no sistema jurídico internacional, sempre sob a sombra das guerras de agressão, a expansão do poder político mundial e as políticas genocidas. Da mesma forma que na primeira metade do século XX, o massacre do povo Bengali no Paquistão, o genocídio cambojano, a perseguição e o extermínio dos dissidentes políticos nas ditaduras sul-americanas, os conflitos armados da América Central, a limpeza étnica e religiosa dos Bálcãs, as guerras de liberação e os conflitos na África e na Oceania (Serra Leoa, Burundi, Congo e Timor Leste) e os genocídios ruandês e sudanês, não puderam ser evitados pela comunidade internacional que se mostrou incapaz de prevenir e controlar os Estados torturadores e genocidas e de mãos atadas para controlar a influência das potências mundiais, em especial, dos Estados Unidos (POWER, 2005) e seus aliados, no desenvolvimento destas práticas de extermínio.

Apesar disso, a luta de milhares de mulheres e homens pela defesa dos direitos humanos impulsionou o desenvolvimento das normas de Direito Internacional Humanitário, do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Penal Internacional, em uma tentativa de limitar, novamente, a banalização do mal e a multiplicação das humilhações da violência política. Longos anos de reivindicações permitiram a ampliação das cartas de direitos humanos, para além dos direitos civis e políticos, a promulgação de novos instrumentos normativos, princípios e declarações que afirmavam a recusa de boa parte das nações do mundo à desaparição forçada, à tortura, à violência sexual contra as mulheres, ao recrutamento ilícito de meninos e meninas e a outras práticas da guerra como o uso de armas de destruição massiva ou de minas antipessoais.

Embora ninguém possa duvidar da importância destes avanços normativos e institucionais para a proteção dos direitos humanos, é claro que a situação atual de controle da violência dos Estados e de criminalização da guerra está ainda muito longe de garantir um anseio de paz perpétua. A máxima aposta ética pelo futuro da humanidade, que se situava em evitar a todo custo a repetição do Holocausto, se desvirtuou com a ocorrência de novos genocídios (Darfur), sempre ante o olhar de centenas de Estados e de milhares de espectadores passivos em todo o mundo. Ao que parece, os seres humanos não podem “perdoar aquilo que não podem punir, nem punir o que é imperdoável.” (ARENDT, 1981, p. 253).

5 E com tudo isso, onde estava a Criminologia?

Enquanto a história contemporânea se desenvolvia no âmbito das disciplinas sociais, surgiu uma necessidade urgente de entender os fatores que explicavam os contínuos ciclos de violência colonialista e genocida no mundo, as razões que permitiam compreender por que os Estados-nação, que deviam garantir os direitos dos cidadãos, tomavam a decisão de promover políticas de desumanização e destruição de milhares de seus habitantes.

A compreensão do antecedente da Shoah e dos genocídios posteriores converteu-se em um desafio para as ciências humanas que tiveram que se aproximar do lado obscuro da atrocidade tentando explicá-la sem desculpá-la e compreendê-la sem perdoá-la (BROWNING, 2002, p. 22). Esse desafio epistemológico fez com que a tarefa de estudar a violência coletiva implicasse a separação de três níveis analíticos: a definição conceitual dos atos de barbárie, a explicação dos fatores que permitiram sua aparição e a avaliação moral de suas consequências (GOLDHAGEN, 2010, p. 22).9 Mesmo que as fronteiras disciplinares sejam difusas, está claro que, a princípios do século XXI, muitas disciplinas científicas individualmente consideradas têm uma explicação ou narração válida em uma ou várias das três dimensões advertidas quanto ao sentido das atrocidades massivas que ocorrem no mundo.10 Entretanto, não é possível afirmar o mesmo a respeito da Criminologia.

Há alguns anos, acadêmicos de língua inglesa, particularmente norte-americanos e europeus (COHEN, 1993, 1997, 2005; ÁLVAREZ, 2001, 2010; MORRISON, 2004; RUGGIERO, 2009; HAGAN; RYMOND-RICHMOND, 2008; MORRISON, 2012; HAVEMAN; SMEULLERS, 2008; FRIEDRICHS, 2008; GARLAND, 2011), vêm denunciando o esquecimento e o abandono histórico da criminologia quanto ao estudo dos crimes internacionais, particularmente dos genocídios, dos crimes de guerra e de lesa-humanidade.

Por diferentes razões, que hoje são objeto de um crescente debate disciplinar, inclusive entre acadêmicos ibero-americanos (ZAFFARONI, 2007, 2010, 2011; ANITUA, 2005; ANIYAR DE CASTRO, 2010; RIVERA BEIRAS, 2011, 2010b), o pensamento criminológico parecer ter deixado passar e ignorado sua função de disciplina explicativa do comportamento delitivo e das reações sociais (formais e informais) frente ao mesmo. Como é natural, resulta bastante estranho que tivesse acontecido esse tipo de “apartheid criminológico”, de esquecimento, de descuido ou de negação destes crimes atrozes, durante um longo período de tempo e que ele pudesse ter acontecido dentro de uma das disciplinas explicativas da “questão criminal”, apesar da imbricada natureza dessas atrocidades com o objeto de estudo deste âmbito disciplinar.

Como explica Morrison, muitas destas atrocidades cometidas durante o século vinte foram praticamente invisíveis para a ciência que estuda os crimes: “em um século literalmente inundado por sangue humano e fedendo com o cheiro dos cadáveres, a corrente dominante da Criminologia parecia habitar outro mundo [...] a Criminologia, a disciplina dedicada ao estudo do delito, não pôde encontrar espaço em seus textos para esses eventos”11 (MORRISON, 2012).

Que razões podem explicar que o pensamento criminológico dominante, e em certo sentido também o crítico, tenha permitido descuidar-se ou ignorar a violência coletiva e não tenha desenvolvido uma abordagem clara e sistemática das atrocidades massivas com caráter criminal que aconteceram no mundo? Em seguida se apresentarão algumas das explicações que hoje são matéria de análises nos trabalhos da disciplina.

6 Para além de um conveniente “descuido”: oito possíveis explicações

Não existe nenhuma dúvida de que a corrente dominante da criminologia decidiu não investigar os crimes internacionais, concentrando-se, talvez de maneira excessiva, em perseguir os ladrões, isto é, nas causas e nos mecanismos de controle dos delitos comuns – desde o crime de rua até a delinquência de colarinho branco, ignorando os genocidas, ou seja, deixando de lado o estudo das atrocidades produzidas pela violência coletiva dos Estados ou de grupos insurgentes. Por que razão houve esse “descuido”? À continuação, serão estudadas quatro explicações formais e quatro substantivas sobre as razões que deram lugar a este fenômeno.

Uma primeira explicação tem a ver com a decidida concentração dos criminólogos no delito ordinário em prejuízo da criminalidade massiva e de grave dano social. Em alguns casos, como menciona Cohen, a criminologia passou de tratar dos crimes de Estado e dos delitos dos poderosos a tratar do estado da criminalidade (COHEN, 1993, p. 545). Não foi até o surgimento das lutas do movimento internacional dos direitos humanos, como fator externo à disciplina, e o crescimento da vitimologia, como fator interno, que as graves violações de direitos humanos foram de interesse para os acadêmicos.

A segunda explicação relaciona-se com a dependência que a criminologia tem das definições dos legisladores nacionais sobre que tipo de comportamento pode ser considerado delitivo (HAVEMAN; SMEULLERS, 2008, p. 6-7). De acordo com esta versão, até há pouco tempo, o direito penal internacional não tinha tido capacidade para definir de maneira clara quais desses deveriam ser perseguidos como infrações à lei penal internacional – como no caso dos crimes de agressão e inclusive dos crimes de lesa-humanidade.

A terceira explicação tem a ver com uma aparente impossibilidade metodológica de passar, pela peneira criminológica, a criminalidade dos agentes de Estado ou os crimes de sistema12 que, por ação ou omissão, decidem infringir dano aos cidadãos. De acordo com esta explicação, para a corrente dominante da criminologia, os crimes de Estado são uma contradição em termos (HAVEMAN; SMEULLERS, 2008, p. 7-8), na medida em que as instituições encarregadas de prevenir e castigar os crimes não podem ser – idealmente – as mesmas que se encarregam de cometê-los.

A quarta explicação, ligada à anterior, é que a investigação das causas dos genocídios e das graves violações de direitos humanos é muito complexa e difícil (HAVEMAN; SMEULLERS, 2008, p. 10-11), tanto pelas características sociopolíticas do contexto que devem ser levadas em conta como pelo tempo e recursos que devem ser investidos pelos criminólogos para que suas metodologias de análise rendam frutos. Assim, a falta de financiamento governamental impede que estudos de grande envergadura sobre esses delitos possam ser realizados (HAVEMAN; SMEULLERS, 2008, p. 11-12).

Embora as razões anteriores introduzam alguns elementos relevantes, sua concentração no discurso formal não permite avançar em direção a uma verdadeira explicação da situação. Por isso, devem ser estudadas outras quatro explicações adicionais.

A primeira e mais próxima relaciona-se à consolidação de um modelo de direito penal baseado na ideologia da defesa social que materializava, no âmbito do controle do desvio e da criminalidade, o discurso do “bem e do mal”. Esta ideologia, encarnada no que Poulantzas denominaria, com Althusser, como “aparatos ideológicos” (ALTHUSSER, 1970, p. 27 e ss.; POULANTZAS, 1979), assentou-se sobre os seguintes dogmas:

— o princípio da legitimidade, pelo qual se aceita que o Estado, como expressão da sociedade, está sempre legitimado para reprimir;

— o princípio do bem e do mal, que assinala que sempre o delito (dotado de uma qualidade ontológica), é representativo do daninho, pois ataca a sociedade, expressão do que é bom;

— o princípio da culpabilidade, pelo qual o delito é uma atitude interior reprovável que ataca valores sociais;

— o princípio do fim ou da prevenção, finalidade atribuída à pena que passa a ter utilidade “ex ante” (prevenção) e “ex post” (castigo);

— o princípio da igualdade ante à lei, representado na crença de que a mesma é igual para todos, tanto em sua configuração, quanto em sua aplicação; e que a reação penal se aplica de modo igual aos autores de delitos;

— o princípio do interesse social, pelo qual se entende que os interesses legalmente protegidos são comuns a todas as pessoas.

Esses dogmas – lucidamente criticados por Alessandro Baratta (1994, p. 35) – criaram uma pretendida ciência neutra do direito penal e criminologia que edificou a ideologia do consenso social, isto é, a (falsa) crença na existência de uma moral média que presume um acordo social sobre o qual se assenta a convivência, atribuindo ao sistema penal um papel de repressão das infrações daqueles que atentam contra a lei penal do Estado. Sem dúvida, esta ideologia permitiu legitimar, através do discurso dos princípios de direito penal, uma aplicação seletiva da lei que nunca alcançou aos poderosos nem tampouco aos agentes do Estado que violavam os direitos humanos dos cidadãos, quase sempre amparados nas formalidades legais. Como se verá, em seguida, o direito penal cumpriu um papel obscuro no processo de legitimação da barbárie nazista.

Convém recordar, com Muñoz Conde, que há pouco tempo, na Alemanha, verificou-se um interesse por investigar o sombrio panorama que conduziu ao Holocausto. E, em particular, esse renovado interesse centrou-se, nos últimos anos, em descobrir o papel que haviam cumprido alguns acadêmicos na legitimação político-científica do nacional-socialismo, alguns dos quais foram – durante décadas (na Espanha e América Latina) – grandes “mestres” da dogmática jurídico-penal. Assim, Muñoz Conde pôde desmascarar a certos personagens exaltados durante gerações inteiras e que haviam sido importantes ideólogos da política criminal nazista (MUÑOZ CONDE, 2002). Com efeito, o autor sevilhano, graças a um laborioso e dilatado período de investigação sobre a “desnazificação”, efetuado depois do final da segunda Guerra Mundial, revelou o papel de certos acadêmicos que, como Edmund Mezger, se comprometeram com o regime do Führer, ainda que travestidos com um manto de esquecimento (democrata), uma vez derrotado o regime totalitário. Se algum tema ocupou um lugar significativo e central na “agenda penalista” da Alemanha do pós-guerra, esse foi, sem dúvida, a célebre polêmica ou discussão entre “causalistas e finalistas”, discussão dogmática e em consequência aparentemente “neutra” que, apesar de ter pretendido construir um debate “científico” e afastado de questões político-criminais, encontra nestes momentos suas mais preclaras origens ideológicas. Talvez isso explique, como indica Muñoz Conde, por que “nenhum penalista nessa nova etapa da República Federal da Alemanha disse nada, nem teve o “mal gosto” de falar dos campos de concentração, de Dachau, de Buchenwald, de Auschwitz, das leis racistas, das 60.000 penas de morte aplicadas durante o domínio nacional-socialista, das quais certamente umas 40.000 foram determinadas por tribunais militares, mas pelo menos outras 16.000 foram determinadas por tribunais civis, ordinários ou especiais, à internação em campos de concentração, nos quais a maioria morria em pouco tempo” (MUÑOZ CONDE, 2002, p. 88).13

É de se observar que a polêmica entre “causalismo e finalismo” alcançou uma importância – temporal e espacial – verdadeiramente notória. Desde o ponto de vista temporal, como se disse, embora remonte – em determinados autores – às primeiras décadas do século XX, ganhou força, na realidade, despois de acabada a Segunda Guerra Mundial. Quanto à sua transcendência espacial, não há dúvida de que a polêmica transpassou as fronteiras alemãs e alimentou os debates em outros países, tanto da Europa, como da América Latina. Face ao renovado interesse por desenvolver o debate assinalado, dois questionamentos surgem para situá-lo corretamente: a) por que esse repentino interesse por discutir os elementos da estrutura do delito a partir da década de 1940-50 e nos anos posteriores?; b) tratou-se de uma polêmica própria da dogmática jurídico-penal ou foi uma discussão político criminal?

Muñoz Conde assinala que é evidente que a discussão sobre complexos problemas dogmáticos do Direito penal, desenvolvida na República Federal da Alemanha, depois da Segunda Guerra Mundial, pode ter sido empregada “para contornar ou não ter que falar” das barbaridades perpetradas pelo Direito penal nacional-socialista “e desvincular-se das diretrizes político-criminais daquela época” (MUÑOZ CONDE, 2002, p. 91). Assim, recorda as qualificações de “apolítica” que a dogmática jurídico-penal recebia do desnazificado Mezger, em 1950. A tese sustentada por Muñoz Conde é clara a este respeito: era sempre melhor tentar retornar a uma dogmática jurídico-penal abstrata, muito confusa às vezes e realmente apartada das necessidades cotidianas das pessoas; isso lhe imprimia aquele caráter “apolítico, neutro, científico e reservado só aos especialistas” que os novos tempos – de esquecimento e consequente impunidade – reclamavam.

Construiu-se, assim, um Direito penal “neutro” e a polêmica entre causalistas e finalistas converteu-se “em uma espécie de guerra civil entre, por e para penalistas” (MUÑOZ CONDE, 2002). Muñoz Conde recorda que “certamente, é difícil admitir que a dogmática jurídico-penal que surgiu na Alemanha nos limiares do século XX, na plena expansão do Império prussiano, regido pela férrea mão do Chanceler Otto von Bismarck, tenha chegado até nossos dias e atravessado todo o século XX sem maiores incidências na sua evolução que as motivadas por sua própria dinâmica; e que momentos tão dramáticos como os das Guerras Mundiais e situações políticas tão distintas como a República de Weimar, o nacional-socialismo, a divisão em dois Estados e a posterior reunificação a finais do século XX não tenham deixado nenhuma marca, nem influenciado sua elaboração. E ainda mais difícil é admitir que essa Dogmática pode estar não só por cima do tempo, mas também do espaço e ser utilizada como um instrumento asséptico em qualquer lugar, independentemente das particularidades políticas, sociais, culturais e econômicas do respectivo país”14 (MUÑOZ CONDE, 2002, p. 93).

Voltando para o âmbito da criminologia, é possível ressaltar uma segunda explicação substantiva, ligada diretamente à anterior, e que está relacionada com a aplicação do trabalho de Cohen sobre o estado de negação mental das pessoas em relação à violência coletiva, mas desta vez focando nos agentes principais desta disciplina. Para poder existir no meio de um bombardeado pela violência e a atrocidade, as pessoas comuns, que observam o mal absoluto, devem fechar os olhos e ignorar o que está acontecendo (HAVEMAN; SMEULLERS, 2008; COHEN, 2005). Deste modo, os criminólogos comportam-se da mesma maneira que as pessoas comuns, só que sua forma de negação deve ser mais qualificada na medida em que o crime é, de certa forma, seu próprio meio de subsistência. Por isso, costumam concentrar seus esforços em outros aspectos da criminalidade e do desvio social, com o fim de afastar-se, ainda que seja só momentaneamente, da urgência da barbárie.

A terceira explicação refere-se ao caráter etnocêntrico e, em certo modo, imperialista, da criminologia dominante. Para alguns criminólogos, é válido sustentar que, na sua grande maioria, os crimes graves cometidos contra vários milhares de pessoas ao redor do mundo ocorreram a milhares de quilômetros de distância dos centros de pensamento e investigação de sua cultura, razão pela qual só podiam suscitar um mínimo de interesse na comunidade acadêmica. Como se observa, este argumento mostra que a relevância dos objetos de estudo se encontra subordinada, de maneira direta, à adesão ou não dos mesmos ao espaço civilizado das culturas ocidentais, para além de que, como se pode ver no caso da luta anticomunista dos EUA na América Latina, ditas violações aos direitos humanos foram financiadas com os impostos dos próprios cidadãos norte-americanos.

Finalmente, está claro que a grande maioria dos crimes internacionais que foram cometidos durante o século vinte foram realizados por Estados poderosos, que tinham, ademais, um importante respaldo nos poderes políticos e econômicos a nível internacional, como ocorreu no caso dos alemães com o Holocausto dos judeus, as guerras entre as nações africanas por recursos naturais (como os diamantes de sangue) e as ditaduras latino-americanas. Sem dúvida, do que se trata é de um cenário que está dominado por poderes criminais de grande magnitude e que às vezes escapam às análises dos expertos locais. Ao invisibilizar esses importantes efeitos do poder mundial e das políticas das relações internacionais, a criminologia contribuiu para limitar as possibilidades de denúncia e controle de seus abusos. Isso parece dar razão a alguns criminólogos e sociólogos do direito sobre a necessidade de manter o ceticismo intelectual sobre a determinação política do objeto da criminologia, e de abandonar eventualmente uma disciplina sempre disposta a garantir a ordem social, neste caso, o status quo da política internacional (FOUCAULT, 2002; BERGALLI, 2003; PAVARINI, 1983; SOZZO, 2006; COHEN, 1994; MORRISON, 2012).

7 Uma aproximação aos estudos criminológicos sobre crimes de Estado e Genocídio

Nas últimas duas décadas, os estudiosos do controle penal analisaram as distintas formas da criminalidade internacional – crimes contra a humanidade, crimes de guerra e genocídio— e transnacional —tráfico de armas, tráfico de pessoas, crime organizado, etc. – adotando diferentes denominações para designar seus objetos de investigação. Nesta tarefa, foram geradas distintas agendas de investigação que costumam confundir-se entre si sobre o alcance de seus interesses e dos fenômenos delitivos que estudam.

Com o fim de organizar este complexo mundo de estudos criminológicos, David O. Friedrichs propôs uma classificação dos diferentes nomes com os quais se designaram estas novas iniciativas (2007, p. 6; 2008, p. 33). Desde sua perspectiva, a criminologia comparada é aquela que estuda o problema do delito, as distintas formas e características dos sistemas de justiça penal ao redor do mundo; a criminologia transnacional é aquela centrada, principalmente, nas formas dos delitos transnacionais ou fronteiriços e os esforços nos distintos níveis de controle e resposta a tais delitos; a criminologia global seria a encarregada de estudar a evolução do contexto em que o delito e o sistema de justiça penal existem na atualidade; e, finalmente, a criminologia internacional seria aquele ramo centrado no estudo dos crimes internacionais – ou crimes reconhecidos em todas as nações do mundo como crimes contra a humanidade – o direito internacional e suas distintas instituições. Na opinião do autor, o que a Europa denomina atualmente como supranational criminology ou criminologia supranacional, corresponderia ao que ele entende por criminologia internacional.

À primeira vista, o elemento chave que une todas as linhas de estudo mencionadas acima seria a transnacionalidade, mas a verdade é que todas elas - salvo a criminologia comparada – tem um riquíssimo passado e uma importante raiz comum, fornecida por toda a tradição anglo-saxã de estudos dos crimes of the powerful ou da criminalidade dos poderosos e da tradição continental europeia da cultura de proteção de direitos fundamentais e do constitucionalismo social.

Se fizéssemos uma breve genealogia dos estudos em torno da criminalidade de Estado em geral e da criminalidade internacional ou transnacional, em particular, na tradição anglo-americana (HAGAN et al., 2005; HAVEMAN; SMEULLERS, 2008; FRIEDRICHS, 2008; DEKESEREDY, 2011), deveríamos remeter-nos, indubitavelmente, aos trabalhos pioneiros de Edwin H. Sutherland, quem, desde 1939, chamou a atenção, pela primeira vez, sobre como a criminalidade de colarinho branco desafiava a concentração quase exclusiva que a criminologia havia tido, desde então, nas formas tradicionais de criminalidade (a dos pobres e despossuídos). Na sua célebre obra “O crime de colarinho branco”, Sutherland alertou para a íntima relação entre o Estado, as grandes corporações e para o cometimento de delitos com una alta capacidade de produzir o maior dano social (2009, p. 269 e ss.).

Esse trabalho pioneiro seria aprofundado na última parte da década de oitenta do século passado com o desenvolvimento dos estudos sobre os crimes dos poderosos, que deram lugar às análises dos delitos cometidos por funcionários públicos no exercício de suas funções (FRIEDRICHS, 2008; HAVEMAN; SMEULLERS, 2008). Por sua vez, William Chambliss, no seu trabalho State-Organized Crime (1989, p. 193) foi o primeiro a chamar a atenção para a importância e a centralidade que deviam ter os atos definidos como delitos que eram executados pelo Estado, através de funcionários públicos ou agentes ao serviço deste, e que apresentavam as características da criminalidade organizada, dentro dos estudos criminológicos. Esta conclusão derivava de sua análise sobre o contrabando de drogas e armas na guerra do Vietnam e da colaboração da CIA e outras instituições estatais nos assassinatos e torturas dos regimes ditatoriais da América Latina.15

De aí em diante, surgiu uma corrente de estudos dedicada a analisar uma multiplicidade de fenômenos delitivos associados com a atuação ilícita do Estado, ativa ou passiva e, em particular, aqueles nos quais o desvio organizado do Estado produzia violações dos direitos fundamentais das pessoas, como no caso das manifestações de criminalidade organizada estatal (state organized crime), delitos corporativos, financeiros e de colarinho branco (state corporate crime, como havia advertido Sutherland (2009), delitos meio-ambientais, tráfico de armas, drogas e pessoas, repressão política e violações de direitos humanos. Ademais de sua etiologia, também existiu uma preocupação nestas investigações por identificar seus principais mecanismos de controle e sanções a estes delitos (ROTHE et al., 2009). Deste modo, reconhecem-se como precursores os trabalhos de BARAK (1991), FRIEDRICHS (1998), ROSS (1995; 1998), KRAMER, KAUZLARICH (1999), COHEN (2005) e GREEN, WARD (2000; 2004). É prudente lembrar que os estudos se inserem dentro da tradição da criminologia crítica, que sempre se aproximou do lado obscuro do poder.

Paralelamente, no mesmo arco temporal, mas bebendo de uma tradição totalmente distinta, na criminologia crítica europeia podemos encontrar valiosos antecedentes do que hoje se conhece como state crime studies (ROTHE; MULLINS, 2011; ROTHE et al., 2009). Essa orientação aplicou de forma concreta o mandato ético-político dos direitos humanos ao âmbito criminológico, colocando no topo das suas preocupações a violência produzida pelo sistema penal e sua capacidade para produzir massacres.

Assim, por exemplo, nos trabalhos de Baratta – inspirados na avaliação das ditaduras e autoritarismos da América Latina – adverte-se que a degeneração dos sistemas de justiça criminal pode alcançar graus de extraordinária gravidade, na presença dos quais é mais realista falar de um sistema penal extralegal, de penas extrajudiciais, antes que de inaplicação das normas que regulam o sistema penal legal. Nestes contextos de violações graves de direitos humanos, os crimes dos agentes do Estado ou de grupos ilegais que atuam com sua tolerância ou aquiescência contribuem para fortalecer a violência estrutural, tantas vezes denunciada por Johan Galtung: “se a ação de grupos armados de repressão, de grupos paramilitares ou dos chamados “de autodefesa”, é tolerada pelos órgãos do Estado ou, incluso, admitidos por algumas normas excepcionais; se humilhações, intimidações, torturas, desaparições forçadas formam parte de um plano determinado nas oligarquias no poder com o apoio direto ou indireto do exército e a imunidade garantida pelos órgãos do Estado que deveriam sancionar aqueles comportamentos, nos encontramos, assim, frente a um fenômeno que podemos estudar como o exercício extralegal da violência penal de grupos ou da violência institucional para a manutenção da violência estrutural e a repressão das pessoas e dos movimentos que tentam reduzi-la” (BARATTA, 2004, p. 347-348).16

A conscientização de que a criminalidade dos poderosos e as violações dos direitos humanos têm maior capacidade para produzir dano social fez com que um número importante de estudiosos da Europa continental e da América Latina desde a década de setenta em diante consagrassem seus esforços ao estudo destas preocupações dentro da questão criminal. Aqui devem mencionar-se os aportes de importantes criminólogos críticos latino-americanos como Juan Bustos Ramírez, Roberto Bergalli, Lola Aniyar de Castro, Rosa del Olmo (RIVERA BEIRAS, 2010a; 2010b) ou Eugenio Raúl Zaffaroni, que, desde diferentes enfoques, denunciaram os abusos das ditaduras latino-americanas e a violência dos conflitos armados, impulsionando, por sua vez, o respeito aos direitos humanos como freio ou contenção da violência punitiva.

8 Os estudos sobre crimes de Estado e genocídio hoje

Nas últimas décadas, constata-se uma saudável atualização dos estudos dos crimes de Estado, a grande maioria centrados nos mais importantes atos genocidas e crimes internacionais do século XX e os que já acontecem no século XXI.

Um dos traços que caracterizam estes state crime studies, é sua preocupação por definir, com claridade, o que se deve entender por um crime de Estado, sendo possível identificar três vertentes distintas (ROTHE; MULLINS, 2011, p. 26 e ss). Uma primeira, que pode ser qualificada como de resposta ou reação social, enfatiza o caráter ilegítimo e a necessidade de uma reação social negativa para desqualificar o comportamento do Estado ou de seus agentes. Green e Ward sustentam que os crimes de Estado são ao mesmo tempo ilegítimos, desde um ponto de vista objetivo, enquanto se distanciam das regras próprias da estrutura estatal e resultam injustificáveis quanto aos valores que as normas pretendem adotar, e desviados, desde o ponto de vista subjetivo, quando são censurados ou capazes de ser censurados pelo público — os cidadãos – que reagem frente a esse comportamento e o valoram negativamente (GREEN; WARD, 2000, 2004; ROTHE; MULLINS, 2011). Outra vertente é a chamada legalista, que sintonizada com as propostas da supranational criminology, decide valer-se do direito internacional público contemporâneo como um recurso para limitar as ações delitivas que devem ser objeto de estudo. Assim, por exemplo, Kramer, Michalowski e Rothe, baseados em suas análises da invasão e ocupação dos EE.UU. a Iraque, propuseram definir os crimes de Estado como “toda ação que viola o direito internacional público, o direito penal internacional, ou a legislação nacional, quando estas ações são cometidas por indivíduos que atuam com caráter oficial ou encobertos como agentes do Estado, em conformidade com ordens explícitas ou implícitas do Estado ou como resultado de uma falha do Estado em exercer a devida diligência sobre as ações de seus agentes” (KRAMER et al., 2005; ROTHE; MULLINS, 2011). Finalmente, a corrente da ação socialmente danosa ou do dano social (social harm) enfatiza a necessidade de visibilizar a afetação que indivíduos, grupos ou comunidades sofrem em razão de ações ou omissões por parte do Estado. Kauzlarich, Mullins e Matthews propuseram definir o crime estatal como aquele fenômeno que “gera dano a indivíduos, grupos e propriedade; é produto da ação ou da omissão na representação do Estado ou de suas agências; dita ação ou omissão relaciona-se diretamente com uma responsabilidade ou dever assignado ou implícito; tal dever é cometido ou omitido, por uma agência governamental, organização ou representante; e se realiza para o próprio interesse do Estado ou de grupos de elite que o controlam” (KAUZLARICH et al., 2003; ROTHE; MULLINS, 2011).17

À luz destas definições, geraram-se novos estudos sobre os crimes da globalização, o dano que as políticas de ajuste econômico do Fundo Monetário Internacional e do Banco mundial causaram em países como Argentina, Sérvia, Chile, Paraguai, Sri Lanka ou Indonésia – somente a título de exemplo, o aproveitamento que as empresas multinacionais e os Estado interessados fizeram da violência e da desordem provocadas pelo roubo do oro de Ituri, província oriental da República Democrática do Congo, em que interviram Ruanda e Uganda, o mesmo quanto à invasão e ocupação do Iraque pelos EUA, as ações da contrainsurgência russa na Chechênia ou a repressão chinesa sobre o Tibete (ROTHE et al., 2009, p. 5-6; ROTHE; FRIEDRICHS, 2006, p. 148).

Outro tipo de estudo que começa a expandir os horizontes do pensamento criminológico são os relacionados com os genocídios (genocide studies), delito que consideram o mais grave, o mais terrível de todos (ÁLVAREZ, 2010; FRIEDRICHS, 2011). Utilizando categorias oferecidas pela criminologia tradicional e os riquíssimos aportes feitos pelos estudos das distintas ciências humanas, os genocide studies, buscam explicar as origens, as dinâmicas, o contexto e as circunstâncias que patrocinam esta forma extrema de violência coletiva (ÁLVAREZ, 2010). Entre eles podemos citar os trabalhos de Yacoubian (2000); Woolford (2006); Laufer (1999); Morrison (2004; 2012); Savelsberg (2010), Álvarez (2001; 2010), Zaffaroni (2011) e Feierstein (2011; 2012), entre outros.

O aporte que esses estudos fizeram foi fundamental para identificar os problemas da definição legal do delito de genocídio; estabelecer o nexo entre os Estados e as políticas genocidas; conhecer o rol das ideologias na prática de atos genocidas; a releitura, em viés criminológico, das técnicas de neutralização de Sykes e Matza, entre outros. Assim, por exemplo, destacam-se as investigações sobre o genocídio em Darfur (Sudão) de John Hagan e Wenona Rymond-Richmond (HAGAN et al., 2005; HAGAN; RYMOND-RICHMOND, 2008), cujo modelo de análise permite explicar as políticas e as práticas dos governos genocidas. Por sua vez, destaca – como assinala Zaffaroni (2010; 2011) — as limitações das soluções puramente legais e as dificuldades e interferências que toda intervenção internacional deve afrontar se deseja prevenir a realização de novos massacres.

Dos exemplos anteriormente expostos podemos deduzir sua íntima relação com as definições tradicionais de crimes de guerra, crimes de lesa humanidade e genocídio. Mas, deveria uma nova criminologia limitar-se unicamente ao estudo deles? Cremos que não.

Nesse sentido, podem ser considerados como crimes contra a humanidade e, portanto, incluídos dentro das preocupações de uma criminologia supranacional, segundo assinalam Haveman e Smeullers (2008, p. 18) a falta de fornecimento de medicamentos – como tratamentos para o HIV – em zonas da África e Ásia, onde sua ausência gera milhares de mortes desnecessárias ao ano e que são reservados – por seus altos preços – para os países do ocidente desenvolvido; a destruição da natureza como resultado da extração do petróleo, da geração de energia hidroelétrica ou da exploração de recursos minerais; ou a ação de grandes corporações como as empresas de armas, enquanto aparatos organizados de poder, em vez de limitar-se ao estabelecimento de responsabilidades individuais de seus altos diretivos. Poderíamos agregar as milhares de mortes de imigrantes que se produziram nas fronteiras marítimas da Europa fortaleza, como consequência da intensificação das medidas de controle para reprimir a imigração irregular no contexto dos Estados membros da comunidade europeia.18

Portanto, no momento de estabelecer as condutas que podem ser postas no centro das preocupações de uma criminologia supranacional ou dos crimes internacionais, devemos ir além das definições legais que atualmente dispomos, para considerar todas aquelas condutas que se mostram afins a esses tipos de crimes, seja com respeito a suas causas ou às situações em que são cometidos, seja com respeito aos agentes que os executam.

9 E então, o que fazemos com a criminologia? Recuperando o projeto político...

Depois de tudo o que foi dito, não podemos obviar a intrínseca conexão da criminologia com a globalização e do sistema penal com a política e a violência. Se a criminologia serviu, sobretudo, para construir e legitimar um projeto hegemônico, nos resta a dúvida se devemos ou não seguir sob sua égide. Em maior medida, se o que nos convoca a realizar a edição deste livro19 para o mundo de língua hispânica é contribuir a gerar/fortalecer uma política de resistência.

A construção e realização de uma transformação social passa por um projeto político. Nele, há tarefas cotidianas que devem conjugar-se com as discussões sobre como se podem construir os cenários futuros. Consequentemente, além de abordar a discussão filosófica e sociológica sobre como deve mover-se a reflexão acadêmica sobre esses temas para além da criminologia, é necessário alentar uma luta política que busque resultados com as ferramentas existentes no pensamento criminológico atual.

E como o modelo alternativo gerado pelo discurso crítico criminológico parece, desde os anos 1980, totalmente acurralado pelo managerialismo e a inércia das práticas inspiradas no positivismo, a regeneração do projeto passa, necessariamente, por buscar novas ferramentas ou refrescar e recuperar as velhas. De maneira sintética, o que vem em seguida será uma postulação destas ideias, de como seguir utilizando a criminologia, e como continuar, inclusive, apesar dela.

10 Rompendo os limites epistemológicos e ampliando o objeto de estudo

Crimes de Estado, crimes corporativos, matanças, desastres ambientais, movimentos forçados de pessoas (deslocados...), corrupção, privatização das intervenções armadas, assassinatos seletivos por tropas de elite, criminalização de povos originários e etnias nativas, de movimentos sociais, mortes de milhares de crianças, diariamente, por desnutrição, acesso restrito a medicamentos e aumento de enfermidades curáveis, pobreza, pauperização, declarações de responsáveis políticos que geram pânico econômico, suicídios devidos a medidas de “ajuste”, redução de direitos laborais, despejos, torturas, maus tratos, privação estrutural de acesso a bens e direitos básicos, comércio legal ou ilegal de armas, guerras “preventivas”, milhares de mortos tentando cruzar fronteiras,... É inquestionável que se não ampliamos o objeto de estudo, a restringida criminologia nunca poderá encarregar-se destes fenômenos.

11 A perspectiva do dano social: “taking harm seriously”

Aprisionados na limitada mirada criminológica, nunca poderemos avaliar o dano real que produzem os atos humanos. Não só o delito definido legalmente é limitado e simplificador das relações sociais, mas também a persecução e o processamento só de alguns desses delitos impedem ver até que ponto outras ações geram um dano maior. Se pensamos naquelas ações ou cadeia de ações que nem sequer são levadas em consideração (definidas) como delito, mas que causam exponencialmente mais dano que aqueles, e que, por não estarem definidas como comportamentos danosos, não chamam a atenção mediática, ou são manipuladas por ela, então, é evidente que temos que olhar para outro lado e ampliar o espectro de nossos estudos.

Já desde os anos setenta, os Schwendinger (1977) haviam sugerido que o ponto de vista do criminólogo não devia estar sobre o que a lei penal dos Estados-nação definiam como delito, mas sobre uma visão humanista que conseguisse fazer com que os criminólogos fossem defensores dos direitos humanos e não meros guardiães do controle social imposto pela lei penal (CARRABINE et al., 2009, p. 430-442; SCHWENDINGER; SCHWENDINGER, 1977). Assim, a criminologia devia tornar-se um assunto político ademais de uma tarefa acadêmica.

O social harm é uma ideia que vêm defendendo, com força, alguns estudiosos nos últimos anos, entre eles Paddy Hillyard (2004; DORLING et al., 2008), desenvolvendo a ideia da zemiology (do grego “zemia” que significa “dano”) para dar um impulso definitivo a essa necessidade de transgredir as rígidas margens da teoria criminológica e deixar de falar de delito e castigo para centrar-se em uma perspectiva do dano social.

Sua concepção de dano social é mais ampla que a da criminologia: enquanto esta mede o dano produzido pelos delitos, ao mesmo tempo ignora todo o dano produzido pelas guerras, pela especulação econômica, pelo decadente sistema laboral da Europa, pelos erros médicos, a falta de meios para subsistência das pessoas com necessidades especiais, físicas ou psíquicas, ou pelo envenenamento dos alimentos.20

Sua aposta pela perspectiva do dano social não quer reformar ou melhorar a teoria criminológica, mas mover-se para além dela, pois é incapaz de escapar da atadura das definições de delito e criminalidade e deve desenvolver-se, necessariamente, para além (Beyond) da criminologia (também crítica). Outros autores seguiram esta mesma linha, como Muncie (2000), que propõe mudar o conceito de crime para o de dano social e o de controle do crime para o de justiça social. Para poder analisar tudo isso, é necessário introduzir um novo sujeito de relações na produção destes danos: os Estados.

12 Como compreender a extensão do dano social contemporâneo: trazendo o Estado de volta

Como se demonstrou, se a criminologia nasceu com a revolução positivista e isso pressupôs uma mudança de discurso e de objeto de estudo com relação ao que se vinha desenvolvendo na chamada escola clássica do direito penal, então os temas aos quais queremos chamar a atenção não formam parte do objeto de estudo da criminologia.

O mito fundacional da criminologia, para além de sua profunda implicação com a mitologia do projeto civilizador, recai também na sua metodologia. Devemos fugir da falsidade positivista: aquela que prometeu a neutralidade científica no tratamento do objeto de estudo, rejeitando as implicações ideológicas ou políticas, fazendo elucidar umas conclusões causais próprias de uma ciência linear chamada a ser o último elo do progresso evolutivo comteano. Para romper com seu modelo epistemológico, é necessário colocar sobre a mesa o caráter ideológico e político das análises científicas e recuperar o Estado e o poder como objeto de estudo. Desde a clara denúncia de Matza (1969) frente ao “êxito” do positivismo de tirar o Estado das análises sobre o delito, esse apelo é irrenunciável. O Estado e seu funcionamento, através de suas distintas instituições e agentes devem estar sempre nos debates e discussões criminológicas.

A partir desta perspectiva, então, a inter-relação cada vez mais clara entre sofrimento e globalização nos permite ver que o delito legalmente definido, a dogmática penal e o sistema de justiça penal, como ferramentas para compreender e tratar grandes crimes internacionais ou os processos que geram um grande dano social, resultam muito limitados, pouco eficazes e, às vezes, obsoletos.

Se os séculos XIX e XX foram séculos de colonização, guerras e barbárie, o século XXI continua expressando essas mesmas atrocidades, mas o poder devastador da globalização, agora também financeira e mediática, tem levado ao desastre o projeto vital de numerosas famílias e pessoas já não só naquele endividado mundo incivilizado, mas também no coração do civilizado. A crise financeira que vivemos se paga mediante recortes do Estado social e democrático, enquanto a especulação econômica, um de seus maiores responsáveis, não é perseguida nem é etiquetada como delito (FRIEDRICHS; 2002; ROTHE, 2009).

13 Dano social e lex mercatoria. Da “razão de Estado” ao golpe de “mercado”

Se o dano social (social harm) constitui-se em um elemento a ser seriamente considerado, então não só devem ser vistos os efeitos dos crimes de Estado, as guerras de agressão, o genocídio e o quanto já se disse neste estudo preliminar. Na atualidade, como é notoriamente conhecido e padecido, sofremos o recorte e a minimização do Estado, à par do inchamento e maximização do mercado, ou melhor, dos “mercados”. Desde que, nos últimos quatro anos, começou a crise econômica global que hoje assola o planeta, os denominados “mercados” não só regulam cada vez mais a vida cotidiana dos povos, como também ditam políticas de “recortes” sobre as bases de um Estado que já perdeu seu qualificativo de social (ao afetar seus pilares básicos, como os direitos à saúde, à educação ou à justiça), e além disso mudam Chefes de Estado e Presidentes de Governos, ao menos em diversos países da Europa do sul.

No calor de semelhantes mandatos, que carecem, inteiramente, de qualquer tipo de legitimidade democrática ou de respaldo nas formas convencionais das democracias eleitorais, crescem os índices de desemprego de modo dramático, reduz-se o nível de vida das pessoas, aumentam, de modo notável, os níveis de pobreza e marginalização e se produzem as primeiras mortes (seja por suicídios ou por atrasos na seguridade social), etc. Ou seja, produz-se dano, muitíssimo dano social.

Tem-se, claramente, a sensação de que, paulatinamente, vamos passando da antiga categoria da “razão de Estado” à tardo-moderna “razão de mercado”. E nessa situação, já não parecem necessários os anteriores “golpes de Estado” quando hoje se podem produzir “golpes de mercado” que, como se disse, nomeiam e alteram autoridades políticas, ditam medidas econômicas e, portanto, afetam a vida concreta e cotidiana de milhões de seres humanos. E quem são esses “mercados”, que rosto têm? Embora, por definição, a penumbra e a falta de transparência envolvam dito conceito – pois o capital atua amparado em sua ocultação -, há importantes empresas de serviços financeiros que “qualificam”, cada dia, os países, sua dívida pública e privada, suas regiões e autonomias, seu sistema bancário e financeiro... Algumas se chamam Lehman Brothers, Goldman Sachs, Merrill Lynch, Fitch, Moody’s e Standard & Poor’s, e são quem marcam o diktat desta insaciável modernidade tardia.

Estes “mercados” e seus agentes políticos instituíram novas categorias que, cotidianamente, se mostram como sinais que medem “a saúde” do sistema econômico e financeiro. Há pouco mais de uma década, na América Latina, chamaram-se “risco país”, hoje, na Europa, são conhecidas como “prêmio de risco”. E esses indicadores apresentam-se como elementos dogmáticos – e, por tanto, de aceitação não sujeita a questionamento – que devem ditar as políticas econômicas atuais, sem importar se condenam ao ostracismo e à marginalização a uma ou várias gerações de homens e mulheres jovens, que ficaram fora da proteção de um Estado cada vez mais debilitado e à mercê da voracidade das políticas financeiras. E ainda há quem se pergunte por que são chamados de indignados...

Para trazer tranquilidade aos mercados é necessário arriscar (quase) tudo, inclusive a própria sociedade. Se não é assim, quem impõe, então, uma racionalidade político-econômica que ordena injetar dinheiro público em bancos privados – ou resgatá-los como na Espanha - para que estes possam continuar decretando o despejo de umas cinco mil pessoas e famílias de suas casas, cada mês, quando não podem arcar com as dívidas contraídas com esses mesmos Bancos? A quem então ajudam o Estado e os organismos multilaterais? Quem e como deve tratar esse dano social tão difuso? Tem a criminologia algo que dizer sobre esta lex mercatoria que lança as pessoas à exclusão, à rua, às fronteiras ou, às vezes, à morte? Quem deve se responsabilizar por estes danos sociais? Pode haver alguma responsabilidade legal, penal, contra políticas que provocam semelhantes efeitos? Em síntese, de que disciplina estamos falando?

14 O estudo da violência

Entender o papel desempenhado pelo Estado, a complexidade das relações e os agentes envolvidos nas ações que mais dano geram seria impossível se não se lança mão do estudo da violência. A caracterização das diferentes violências que fez Johan Galtung já há meio século (ressaltando que, ademais de uma direta, existe uma cultural e uma estrutural), assim como a importante crítica feita por Walter Benjamin à violência como poder instituído, como autoridade (BENJAMIN, 1999), são imprescindíveis para aproximar-nos a um tema tão abstruso.

A partir do questionamento benjaminiano sobre o papel do Estado como protetor ou defensor das expectativas e interesses da humanidade, a teoria criminológica sofre um feroz revés. Ao estar fundada no positivismo, a criminologia devia ser uma ferramenta para apoiar e assegurar o progresso da humanidade. Foi aplicada com esses propósitos, com os resultados nefastos que produziu durante o século XX. Como se disse anteriormente, a criminologia não ajudou, assim, a eliminar aqueles impedimentos que a sociedade tinha para sua evolução, mas colaborou, foi partícipe e elaborou os discursos e ferramentas para que o Estado perpetuasse matanças, genocídios e guerras de agressão.

Em tudo isso fica claro que as grandes matanças, embora perpetradas pelo Estado, não são compreendidas sem sua relação com o mercado e sua lógica econômica. Estudar o colonialismo, o papel que desempenhou a criminologia e a maneira como os Estados promoveram políticas de pilhagem e genocídios, não se pode compreender completamente se não nos damos conta de que, como bem explica Morrison, existe uma campanha econômica atrás de tudo isso, que implicava para os agressores prover-se de bens, materiais, pessoas, portos, rotas comerciais, etc. Passou despercebido no século XIX. Agravou-se durante o século XX. Não parece que a tendência esteja mudando no século XXI. Colocar a atenção na violência massiva do Estado, de grupos armados ilegais e dos mercados (e da criminologia como seu suporte) é uma aposta básica na transformação epistemológica.

O Estado, além da violência direta e institucional que exerce, de maneira legítima ou ilegítima, ou legal ou ilegal, produz outros “danos de repressão” (harms of repression) no sentido de políticas neoliberais que impedem, limitam, o desenvolvimento material e intelectual de grandes segmentos da sociedade (MUNCIE, 2000). A denúncia que realiza Zaffaroni, neste sentido, é relevante, ao ver como essa violência estrutural é legitimada por meio da violência cultural que exercem os meios de comunicação de massa (ZAFFARONI, 2011).

Deste modo, observa-se que os resultados da excepcionalidade (a “normalidade” para os mais desfavorecidos, diria Benjamin), os cadáveres deixados pelo caminho, não podem mais ser o preço que se deve pagar pelo progresso. A denúncia permanente a que deve contribuir uma criminologia ou justiça global deve ajudar a realizar essa interrupção da corrente de violências que se legitimam com o tempo. Ficar permanentemente atento sobre a atuação do Estado é uma tarefa preventiva.

15 A Memória: categoria epistemológica para a abordagem da história e das ciências penais

Entender o passado deve servir não só para recordar e comemorar. Como nos explica Rivera Beiras (2011) da mão de Reyes Mate (2003), deve ser instaurada uma razão anamnésica, uma política de rememoração que recupere o passado (dos vencidos, dos esquecidos), olhando para o futuro. Somente desta forma é possível compreender, nos processos de grandes vitimizações, como ocorreram as relações entre as agências do Estado e as corporações, e como a violência se foi legitimando e impondo-se em direção ao desastre. Na atualidade, seguramente devemos analisar uma complexa trama de relações públicas e privadas, assim como de contatos legais, ilegais, locais e internacionais. A produção da inequidade, seus efeitos reais, são consequências de discursos, decisões e relações políticas e privadas. Os milhões de vítimas esquecidas, muitas delas denominadas então – e agora outra vez, com força – “danos colaterais”, devem ocupar um plano central junto com a problemática do mal, pois é o Estado, com sua maquinaria, quem mais capacidade tem de acabar com as políticas de aniquilamento. A memória, não só da Shoah como imperativo categórico, mas de muitos massacres e genocídios ocorridos também fora das fronteiras do mundo civilizado, deve servir de ferramenta para entender o verdadeiro problema da violência e questionar até o fim o papel desempenhado pelos Estados, suas políticas punitivas e sua política exterior encobertas pelas políticas econômicas ou de ajuda humanitária.

16 E que fazemos com a criminologia?

Se a criminologia é colocada em profundo questionamento por sua gênese dentro do processo mitológico da ilustração, da mesma forma muitas das ferramentas propostas deveriam ser questionadas ou reinterpretadas. A imposição de modelos centrais na resolução de problemáticas periféricas resultou, em não raras vezes, nefasta e digna de contribuir à dominação hegemônica de um determinado modelo cultural, também com suas críticas. É por isso que, e sobretudo pensando na América Latina, podemos valer das propostas de Boaventura de Sousa Santos (2009; 2010) para “descolonizar” o Ocidente, promovendo mudanças verdadeiras com a utilização de ferramentas, de epistemologias, próprias e não importadas. Reconhecer os conhecimentos que surgem a partir das lutas dos que sofreram as injustiças do colonialismo e do capitalismo pode ajudar a desmantelar esse jogo de “visualidades” a que tanto alude Morrison.

A criminologia, por mais extraviada que esteja, não parece disposta a desaparecer. E mais, seus programas de estudo crescem no mundo todo. Por isso, se se quer, de uma vez por todas, levar o delito a sério, deverá recorrer ao emprego das ferramentas acima expostas e a abrir definitivamente seu objeto de estudo. Aquele taking crime seriously deverá colocar seu olhar nos genocidas, mais que nos ladrões. O encurralamento que sofre a criminologia pelos analistas atuariais e de risco deve servir para renovar o discurso crítico.

Dentro da criminologia também se devem procurar mudanças para regenerar o discurso crítico e poder adaptá-lo, de alguma maneira, aos temas que estamos tratando. É possível recuperar um sem-número de propostas como a de Ruggiero (2007a; 2007b; 2009) que convida a deixar de falar de crimes de guerra e compreender a guerra como um crime, a de Cohen que reformula as clássicas técnicas de neutralização das subculturas criminais (COHEN, 2005) para ajudar a entender como se produzem e por que se legitimam as violações de direitos humanos por parte dos Estados; ou finalmente a de Zaffaroni, que aposta por uma criminologia cautelar para controlar a tendência inata de expansão do sistema penal (ZAFFARONI, 2011).

Na mesma linha, desde o garantismo penal, deve reforçar-se a salvaguarda por um Direito penal onde o que se persiga sejam ações e não ideologias. Os crimes internacionais estão direta e fortemente vinculados com a perseguição de ideologias. Sua legitimação é a da guerra, a da luta contra o inimigo, a do perigo iminente contra a nação.

Mas, para além das possíveis ferramentas internas da criminologia, o que se deve pretender, também dentro dela, é um desmascaramento de sua ação ideológica.

17 A ação política: por uma cultura da resistência

Ainda sendo necessário ir mais além, também nas aulas onde se ensina a criminologia se deve denunciar que a questão do delito e do castigo vai além de suas manifestações comuns e cotidianas e que a própria criminologia, com seu discurso, e, por tanto, também os criminólogos, serviram para legitimar e veicular as maiores atrocidades da humanidade. Como aponta Zaffaroni, “os chamados limites epistemológicos arremessam muitos cadáveres para longe da criminologia acadêmica, enquanto que a midiática os rotula de outro modo...” (2012, p. 28-29).

Este julgamento da criminologia deve destacar como e por que se produziram certos discursos e explicitar tudo o que essa disciplina ignorou, sem deixar, por outro lado, de denunciar os abusos de poder e as violações dos direitos humanos que são cometidos no funcionamento ordinário dos sistemas penais. Assim como não renunciamos à descriminalização, ou à abolição das prisões e dos castigos para determinadas condutas enquanto pedimos justiça frente aos massacres e genocídios, da mesma maneira, a forte crítica à criminologia como criadora e legitimadora dos discursos discriminadores, racistas e repressivos, ou dos criminólogos como “refinadores das técnicas de neutralização” não impede que resgatemos, no interior desta complexa disciplina, aquelas ferramentas que nos sirvam para prevenir, explicar ou analisar seu objeto de estudo e, assim também, ser utilizada como ferramenta de comunicação, com novas revelações e contrapropostas para enfrentar os fabricantes do apartheid criminológico.

Falar de uma política e de uma cultura de resistência nos leva a repensar suas origens, como aquela cultura que quis levantar barreiras definitivas contra o “mal”. Se o “mal” depois de aquele nunca mais continua fazendo-se presente, e não unicamente devido à facilidade técnica que permite a edificação burocrática e tecnológica de administrar o poder, mas também nessa retirada do Estado que permite o poder econômico atuar, deixar fazer, então é evidente que aquela cultura deve se manter e manifestar-se com mais força. Denunciar e esclarecer como funciona o poder, as formas que toma a violência, é uma tarefa que deve continuar sendo essencial, dentro e fora da criminologia. Trazer de volta o Estado é importante. Colocar “os mercados” no centro de mira é primordial.

A conexão de tudo isso é clara com o projeto político se nos damos conta de que grande parte do dano que se produz nas sociedades vem determinado por dois fatores: a desigualdade e a divisão social, que decorreram da violência estrutural. Mudar a estrutura é, pois, um objetivo necessário. Que as ciências sociais e a criminologia ponham seu interesse nesta realidade e se denuncie e persiga aquilo que mais dano social produz, é parte do caminho. Não nos paralisar na comodidade acadêmica e manter o compromisso com os movimentos sociais pode ser outra, sem que isso signifique uma refundação do (possível) papel messiânico ou avant garde dos intelectuais na sociedade.

18 Mais que uma conclusão: um debate aberto e muitas visões

A discussão sobre os limites epistemológicos atuais da criminologia é um debate aberto onde não existem posições definitivas, nem muito menos um claro consenso. Esta reflexão quis apresentar, de maneira modesta, o cenário no qual dita reflexão se gerou, sem esgotá-la, assinalando as distintas vias nas quais ela pode continuar se desenvolvendo.

Como se observou, são muitos os acadêmicos que parecem coincidir com o reconhecimento de que esta disciplina evitou, de maneira consciente, o estudo da atrocidade massiva durante décadas, deixando de lado as diversas manifestações de violência coletiva que deram espaço, no último século, ao cometimento de crimes internacionais (tanto estatais como de atores armados ilegais), assim como ao exercício descontrolado dos poderes político e econômico que facilitaram a criminalidade dos poderosos e o cometimento de múltiplos crimes por parte dos mercados em âmbito global.

Frente à pergunta de como promover uma necessária transformação desta situação de esquecimento e negação, neste texto se apresentaram algumas propostas para continuar o debate. Desde nossa perspectiva, essa mudança deveria partir de uma recuperação das bases fundacionais do pensamento crítico sobre a questão criminal, isto é, ratificar a importância de manter o ceticismo intelectual acerca da determinação política do objeto da criminologia – sempre alerta às tentativas de cooptação e legitimação do exercício da violência por parte do poder punitivo – e renovar o compromisso com a justiça social, em particular, com aqueles milhões de seres humanos que vivem em um permanente estado de exceção, no dizer de Benjamin.

À luz deste ponto de partida, é possível advertir para a necessidade de avançar para além dos debates para definição ou criação de novos adjetivos qualitativos para essa nova tarefa política da criminologia ou da sociologia jurídico-penal latino-americana (sejam eles supranacionais, globais, ou críticos de novo cunho). Ir além da criminologia implica duas tarefas urgentes. A primeira, recuperar a capacidade de análise transdisciplinar dos danos sociais e da criminalidade, incorporando os conhecimentos e as ferramentas teóricas de muitas disciplinas (como a sociologia, a ciência política, a economia, a psicologia e a própria zemiologia), dando lugar a um modelo realmente integrador que rompa com o enclausuramento e a cegueira analítica. A segunda, abrir a porta do horizonte cognoscitivo da disciplina ao estudo dos crimes internacionais, e para além das definições legais, à análise dos processos de criação e possível controle dos danos sociais de grande impacto gerados pela globalização dos mercados, a mercantilização da saúde e da segurança alimentar das pessoas e inclusive a progressiva degradação do meio ambiente e do planeta Terra. Quiçá se corra o risco de que se percam os limites clássicos da criminologia nesta tarefa de encontrar-lhe um novo rumo; quiçá isso implique ganhar um espaço disciplinar mais cômodo para recuperar a dignidade dos seres humanos frente ao poder e à atrocidade.

* Notas

Este texto é uma versão modificada do estudo preliminar da obra de Wayne Morrison “Criminología, Civilización y Nuevo Orden Mundial”, que foi traduzida ao castelhano e publicada pela Editora Anthropos (2012). Agradecemos a Roberto Bergalli, Héctor Silveira e a Eugenio Raúl Zaffaroni por seus pertinentes comentários e sugestões a versões prévias a este trabalho.

N.T. Texto publicado no livro “Delitos de los Estados, de los Mercados y daño social. Debates en Criminología crítica y Sociología jurídico-penal”, coordenado por RIVEIRA BEIRAS, Iñaki. (Barcelona: Anthropos, 2014. p. 35-80) e na Revista de Derecho Penal y Criminología, n. 6, Buenos Aires, 2012, p. 49-73.

As citações do texto estão traduzidas, livremente, para o português, pela tradutora, com a referência, em nota de rodapé, ao trecho no idioma original.

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[Artigo convidado]

DOI: https://doi.org/10.18256/2238-0604.2017.v13i3.2323

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