Afinal, é usuário ou traficante? Um estudo de caso sobre discricionariedade e ideologia da diferenciação/After all, user or drug dealer? A case study about discretionary power and differentiation ideology

Vitória Caetano Dreyer Dinu, Marília Montenegro Pessoa de Mello

Resumo


Como se dá, na prática, a diferenciação entre o usuário e o traficante? Tendo por ponto de partida esta pergunta, o presente trabalho analisa como se deu a construção desses estereótipos a partir da ideologia da diferenciação; busca compreender a legislação brasileira atinente à problemática; e efetua um estudo de caso de sentença elucidativa, vez que evidencia as dificuldades de interpretação envolvendo a dicotomia usuário/traficante. Para tanto, ter-se-á por fundamento teórico a Criminologia Crítica, a qual analisa o funcionamento do sistema de justiça na seleção daqueles que serão tidos por criminosos, baseando-se no paradigma da reação social. Eis que a aplicação do art. 28, 2º, da Lei nº 11.343/06, sem o devido cumprimento do ônus argumentativo, abre margem para verdadeiros autoritarismos na definição de quem é traficante, o que reforça a seletividade inerente às práticas penais brasileiras. O que se pretende evidenciar é que a construção dogmática sobre usuários e traficantes, pode, sim, promover situações de injustiça, diante da discricionariedade/arbitrariedade permitida pelas normas. Desta feita, a sorte do sujeito submetido à persecução criminal é lançada no sistema, ficando a resolução do caso à mercê do enquadramento ou não do réu no estereótipo de traficante do senso comum jurídico.

Abstract

How is, in practice, the distinction between user and drug dealer? Taking as a starting point this question, this paper analyzes how was the construction of these stereotypes from the differentiation ideology; it seeks to understand the Brazilian legislation regarding that issue; and it performs a case study of an elucidatory sentence, since it shows the difficulties of interpretation involving the user/drug dealer dichotomy. In order to achieve this, Critical Criminology is adopted as theoretical foundation, which analyzes how the juridical system selects those taken as criminals, based on the paradigm of social reaction. The application of art. 28, p. 2nd, of Law 11.343/2006, without due argumentative onus, makes room for true authoritarianism in defining who is a drug dealer and reinforces the inherent selectivity to Brazilian criminal practices. The objective is to highlight that dogmatic construction about users and drug dealers, can, in fact, promote injustice, given the discretionary power/arbitrariness allowed by law. Therefore, the individual’s fate submitted to criminal prosecution is handed over to the legal system, and the case’s resolution is done according to the inclusion (or not inclusion) of the defendant in the drug dealer’s stereotype of juridical common sense.

Keywords

Narcotics Law. User. Drug dealer. Ideology of differentiation. Case study.

 

 


Palavras-chave


Lei de Entorpecentes; Usuário; Traficante; Ideologia da Diferenciação; Estudo de Caso.

Texto completo:

PDF HTML

Referências


ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. Usos e abusos dos estudos de caso. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. 129, p. 637/651, set./dez. 2006. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-15742006000300007&script=sci_abstract&tlng=pt > . Acesso em: 16 set. 2015.

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Política criminal e crise do sistema penal: Utopia abolicionista e metodologia minimalista-garantista. In: BATISTA, Vera Malaguti. Loïc Wacquant e a questão penal no capitalismo neoliberal. Rio de Janeiro: Revan, 2012.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis – drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

BRASIL. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Ministério da Justiça. Conversando sobre Drogas. Brasília, 2015.

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Assuntos Legislativos. Pensando o Direito – Tráfico de Drogas e Constituição. Brasília: 2009, p. 107. Disponível em: < http://www.justica.gov.br/seus-direitos/elaboracao-legislativa/pensando-o-direito/publicacoe s/anexos/01pensando_direito.pdf >. Acesso em: 30 jan. 2016.

CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo – Direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

CAMPOS, Marcelo da Silveira. Drogas e justiça criminal em São Paulo: Conversações. Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 05, n. 01, p. 120/132, jan./jun. 2013. Disponível em: < http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/sistemapenaleviolencia/article/view/13057/9535 >. Acesso em: 10 set. 2015.

CARVALHO, Salo de. O papel dos atores do sistema penal na era do punitivismo – o exemplo privilegiado da aplicação da pena. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

CARVALHO, Salo de. A Política criminal de drogas no Brasil – Estudo criminológico e dogmático da Lei 11.343/06. São Paulo: Saraiva, 2013.

FERRAJOLI, Luigi. A pena em uma sociedade democrática. Revista Discursos sediciosos – crime, direito e sociedade. Instituto Carioca de Criminologia. Ano 7, nº 12. Rio de Janeiro: Revan, 2002.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2002.

FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

GOMES, Luiz Flávio; SANCHES, Rogério Cunha. 2006. Posse de drogas para consumo pessoal: crime, infração penal “sui generis” ou infração administrativa? Disponível em: < http://www.lfg.com.br >. Acesso em: 17 dez. 2013.

HESPANHA, António Manuel. Uma perspectiva realista da investigação jurídica: o direito que acontece versus o direito que se projeta. Palestra conferida na Universidade Católica de Pernambuco, no Ciclo de Palestras Manoel Severo Neto, no dia 25 set. 2015.

NEPOMOCENO, Alessandro. Além da lei – a face obscura da sentença penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004.

RODRIGUES, Luciana Boiteux de Figueiredo. Controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade. Tese de doutorado apresentada no Programa de Pós-graduação em Direito da PUC/SP. São Paulo, 2006.

STRUCHINER, Noel. Direito e linguagem – Uma análise da textura aberta da linguagem e sua aplicação ao direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

VENTURA, Magda Maria. O estudo de caso como modalidade de pesquisa. Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, p. 383/386, set./out. 2007. Disponível em: < http://sociedades.cardiol.br/socerj/revista/2007_05/a2007_v20_n05_art10.pdf >. Acesso em: 16 set. 2015.

ZACCONE, Orlando. Acionistas do nada – quem são os traficantes de drogas. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas. Trad. Vânia Romano Pedrosa. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p. 14.




DOI: https://doi.org/10.18256/2238-0604/revistadedireito.v13n2p194-214

Apontamentos

  • Não há apontamentos.