Art91

O papel institucional do superior tribunal
de justiça no sistema processual e o
novo código de processo civil

Elaine Harzheim Macedo

Doutora e Mestre em Direito, Especialista em direito processual civil, Professora na Graduação e no
Programa de Pós-Graduação em Direito junto à PUCRS. Desembargadora aposentada do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul. Ex-Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul.
Membro do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. Advogada.
E-mail: <[email protected]>.

Alexei Almeida Chapper

Doutorando e Mestre em Direito (Pesquisador Bolsista CAPES), Especialista em Direito e Processo
do Trabalho e Professor no Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito e Processo do Trabalho
junto à PUCRS. Advogado. Premiado em oito concursos nacionais de monografia jurídica pela ABDT,
AMATRA I, ESMATRA VI e AMATRA IV. Autor pela Editora LTr de São Paulo.
E-mail: <[email protected]>.

Resumo

As cortes superiores e, em especial, o Superior Tribunal de Justiça, gozam, no sistema jurídico vigente e à luz do novo Código de Processo Civil profunda vocação para a manutenção da ordem jurídica, agregando às suas funções a função normativa pela qual se propõe a univocidade do direito positivo, cumprindo a esses tribunais a uniformização da jurisprudência e sua estabilidade, integridade e coerência. A adoção de processos e recursos afeitos à emissão de precedentes com força vinculante decorre da exigência da sociedade e dos direitos massificados, cumprindo dar uma racionalidade às decisões judiciais, atendendo a princípios inerentes ao sistema, em especial quanto à tempestividade, efetividade e segurança jurídica dos pronunciamentos judiciais, sem que com isso reste ofendida a distinção dos poderes.

Palavras-chave: Superior Tribunal de Justiça. Uniformização da jurisprudência. Precedentes. Efeito vinculante.

1 Introdução

Na década de oitenta, no final do século passado, o Brasil se defrontou com a necessidade de reconstruir a democracia e de firmar um novo pacto social, nascendo a Constituição da República de 1988, cujo vetor maior era – e continua sendo – um Estado democrático de Direito fundado na dignidade da pessoa humana.

No âmbito dos Poderes, a Constituição colocou o Poder Judiciário paralelamente (e não subordinamente) aos Poderes Legislativo e Executivo, plasmando a harmonia e independência entre os mesmos. No rol das garantias constitucionais, contemplou os mais sagrados valores processuais que a tradição processualística homenageava, como o acesso à justiça, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, a vedação de prova ilícita, a reserva da coisa julgada, o juízo natural, a vedação de prisão por dívida, entre outros.

Ao que mais interessa a este trabalho, a Constituição cidadã inovou no tratamento dado ao Poder Judiciário, introduzindo a figura do Tribunal Superior de Justiça, distribuindo competências que antes se concentravam na Suprema Corte entre o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal que passou a ser conhecido como o Tribunal da Cidadania. Aqui, a cisão entre a questão constitucional e a questão federal, afeita a Estados federativos, como é o caso do Brasil.

O novo Tribunal, criado pela Constituição de 1988, institucionalizou-se e passou a exercer importante papel na jurisdição brasileira.

Mas desde sua fundação até o presente, mais de 25 anos se passaram, a exigir uma releitura de suas competências e de sua função constitucional, o que ganha importância a partir do novo Código de Processo Civil, Lei n. 13.105, de 16.03.2015, na medida em que as ações e recursos de sua competência passam a receber um novo tratamento legislativo.

Este estudo, portanto, tem o propósito de destacar a atuação e a função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça, orientando-se a pesquisa pela importante missão de levantar o problema de legitimidade das decisões do Tribunal da Cidadania, enfatizando a incumbência de uniformizar a jurisprudência nacional, que se inclui numa função maior, qual seja, a de tutelar a unicidade do direito federal, que constitucionalmente lhe é imputada, seja por força da segurança jurídica, seja em nome do princípio da isonomia, mister que mais se evidencia com a redação do novo Código de Processo Civil e sua vigência prevista para o dia 16 de março do ano vindouro, na medida em que institui técnicas específicas de julgamento experimentadas no passado recente e agora ratificadas no novel estatuto.

A doutrina tradicional, o novo texto legal, enfrentado pelo viés hermenêutico e crítico, e julgamentos em concreto comportarão o material pesquisado, não se renunciando à tomada de posições, quando nos depararmos com aparentes aporias ou mesmo tomada de rumos divergentes.

2 A pergunta mais valiosa: o que o STJ representa na ordem jurídica brasileira?

Estava diante da pergunta de um milhão de reais e tinha o direito de escolha. A situação é tensa, exige muita atenção, e a resposta certamente vai afetar a vida de todas as pessoas envolvidas.

Esta também é a dura realidade de qualquer juiz em uma decisão judicial. A questão apresentada ao juízo é sempre muito valiosa, é aquela que está em julgamento, não podendo ser sopesada em relação à decisão anterior e muito menos em relação à decisão que deve se seguir em outro processo, ainda que em termos subjetivos. Na verdade, às vezes, o efetivo valor é inestimável. Direito é poder, mas também é dever. E, para o magistrado, é dever-poder de escolha (dever que decorre do mandato que lhe foi outorgado nos termos da própria Constituição; poder que decorre também diretamente da mesma Constituição viabilizando o exercício e cumprimento do dever outorgado), pois julgar é partir-se, é violar-se entre uma e outra possível tese, fática ou jurídica. Este poder, porém, para não incorrer em arbítrio, é contrabalançado pelo dever de bem julgar, atendendo aos fins e aos valores sociais ínsitos à norma que aplica e, mais, que cosntrói para o caso julgado e aos valores contemplados pela sociedade em que a norma está inserida. Poder e dever são indissociáveis à atividade jurisdicional. E é do uso ponderado de ambos que emerge a justiça ou, pelo menos, a justiça possível, porque o agir humano não está e jamais estará imune ao erro.

Cidadania, aliás, foi o tema da pergunta milionária acima referida. “O que você acha, Maria José, ele vai ganhar um milhão”? “Espero”. “Vamos torcer hein”, falou o apresentador antes de perguntar. “Pergunta que vem aí, e vale um milhão de reais. Aí vem ela: quantas letras contém a escrita da bandeira nacional brasileira”? Perguntado sobre a quantidade de letras escritas na bandeira nacional, o cidadão mostrou que sabia contar com precisão. No entanto, desconhecia a ilustre expressão da bandeira do próprio país. Tinha certeza que dizia “ordem ou progresso”. O mais grave, porém, é que mesmo depois de o telão mostrar a resposta, o auditório, ao ser indagado se o cidadão estava certo ou errado, gritou em peso: “está certo!”.

Considerando esse quadro alarmante, que denuncia a fragilidade dos tecidos sociais, a única coisa certa é que é preciso agitar a bandeira da cidadania com mais atenção. E, ao estudar o (respeitável e constitucional) papel do Superior Tribunal de Justiça nessa conjuntura, a partir da observação da sua jurisprudência, pretende-se descobrir as melhores respostas para as mais contundentes questões que interessam ao fortalecimento e ao desenvolvimento da cidadania brasileira. Esta é a melhor escolha. Esta é a escolha possível.

3 STJ: corte de vértice com papel normativo no sistema

Atualmente, prevalece o entendimento de que texto e norma jurídica não se confundem, compreendendo realidades distintas. O texto legal, enunciado literal da vontade estatal, pode conter várias normas. E, junto com esta concepção, ganha força o papel de interpretação pelas Cortes Supremas.

O Tribunal Superior não está apenas ligado ao argumento das partes, ao caso concreto e aos direitos individuais ou transindividuais, mas passa a desempenhar um discurso ligado à compreensão e orientação da ordem jurídica. Trata-se de um discurso de orientação, de estabilidade e de reconstrução do significado que deve ser atribuído a textos e a elementos normativos da ordem jurídica, extrapolando os limites de decisões concretas para ocupar um espaço que se aproxima ao da regulamentação.

O papel do Superior Tribunal de Justiça, que a este estudo interessa mais de perto, consiste em estabilizar a jurisprudência em todo o território nacional acerca da interpretação da legislação infraconstitucional.

[...] deve, o STJ, realizar a depuração, mediante confronto dos julgados que se proferem em todo o País pelos diversos juízos e tribunais estaduais e federais para, em operação de abstração, ao exame de precedentes individuais, realizar a extração do sentido essencial da interpretação dos textos das leis infraconstitucionais1.

Destarte, o propósito constitucional do Superior Tribunal de Justiça é extremamente relevante: “acima de cada litígio unitário e além do interesse de cada litigante, compõe o Superior Tribunal de Justiça a visão panorâmica do conjunto. Em outras palavras, exige-se a visão de toda a sociedade que frequenta os autos vindos a exame no Superior Tribunal de Justiça”2. Dizendo de outra forma, o enfrentamento realizado pelo julgador no primeiro grau e no grau recursal que atende ao princípio do duplo grau de jurisdição é de natureza diversa do enfrentamento que a Corte Superior deve exercer, ajustando, reavaliando, reescrevendo a norma concreta da decisão submetida a recurso à universalidade dos interesses da sociedade. É como um efeito bumerangue: do texto genérico e abstrato da lei extrai o julgador o preceito normativo para regular o caso concreto e essa expressão conformada na sentença volta a ser considerada sob o aspecto da unicidade, da generalidade, da uniformização, por sua vez produzindo nova expressão normativa.

Sendo assim, o procedimento de interpretação precisou ser reorganizado com a finalidade de prestar tutela ao Direito (enquanto direito objetivo), afastando-se da função de tutelar o direito subjetivo Não mais aos direitos, mas ao Direito. E, neste ponto, insere-se o problema do Superior Tribunal de Justiça compreendido como instituição capaz de produzir enunciados com o intuito de orientar – e em determinada medida, a vincular – a jurisdição das instâncias inferiores.

A função jurisdicional exercida pelo Superior Tribunal de Justiça representa a culminância e o fim da atividade judiciária em relação à inteligência de todo o direito federal de caráter infraconstitucional. Significa sempre a última e definitiva palavra sobre o seu entendimento e a sua aplicação. O conhecimento do direito positivo federal infraconstitucional, na sua percepção final e última, é indesvinculável da casuística em que se estampa a interpretação do STJ3.

Mas que fique claro, esta é uma opção política que o sistema adotou e cada vez mais vem adotando, não é, portanto, da essência do modelo jurisdicional.

Nada obstante, Ovídio A. Baptista da Silva sustenta que já “deveríamos ter superado o desejo de uniformizar a jurisprudência, objetivo que nosso ordenamento constitucional ainda persegue, através dos recursos de índole extraordinária”4. Segundo o autor, “na verdade, a uniformização de jurisprudência não é nem possível e nem desejável”5. Não é outra a lição de Castanheira Neves, ao criticar, em sua obra monumental sobre os “Assentos”, o ideal de coesão ideológica do sistema jurídico, presente a ideia da univocidade do Direito, na tentativa de buscar a unidade da legislação pela unidade da jurisdição6.

De qualquer forma, esta conjuntura permite reforçar a indagação introdutória: o que o Superior Tribunal de Justiça realmente representa na atual ordem jurídica brasileira? É possível o enriquecimento da ordem jurídica a partir do ato interpretativo? Qual é o produto jurídico da atuação jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça?

E mais. Como o Direito se (re)produz no Brasil? Direito é igual à lei? Criar o Direito é função exclusiva do Poder Legislativo? Ou o Direito é o que está nas decisões dos tribunais? Hoje, cediço, distingue-se texto e norma jurídica: a norma não é o objeto da interpretação, mas sim o seu resultado. E, assim, pode-se apreender o ato interpretativo como um ato de reconhecimento de sentidos possíveis e de valoração destes sentidos possíveis. Sobretudo, trata-se de uma decisão, de uma escolha, entre sentidos concorrentes. E este ponto é essencial para se entender o que o Superior Tribunal de Justiça representa na produção do Direito, especialmente considerando que se está às vésperas da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil.

A decisão abaixo demonstra a força normativa adjacente à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que mesmo sob o sistema legislativo atual, defende:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CARACTERIZAÇÃO DO INTUITO PROTELATÓRIO EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).

Caracterizam-se como protelatórios os embargos de declaração que visam rediscutir matéria já apreciada e decidida pela Corte de origem em conformidade com súmula do STJ ou STF ou, ainda, precedente julgado pelo rito dos artigos 543-C e 543-B do CPC. Se os embargos de declaração não buscam sanar omissão, contradição ou obscuridade do acórdão embargado – desbordando, pois, dos requisitos indispensáveis inscritos no art. 535 do CPC –, mas sim rediscutir matéria já apreciada e julgada, eles são protelatórios. Da mesma forma, quando o acórdão do Tribunal a quo, embargado, estiver perfeitamente ajustado à orientação pacífica do Tribunal ad quem, não haverá nenhuma possibilidade de sucesso de eventual recurso ao Tribunal ad quem. Dessarte, não se pode imaginar propósito de prequestionamento diante de recurso já manifestamente inviável para o Tribunal ad quem. Além disso, em casos assim, o sistemático cancelamento da multa por invocação da Súmula 98 do STJ incentiva a recorribilidade abusiva e frustra o elevado propósito de desestimular a interposição de recursos manifestamente inviáveis, seja perante o Tribunal a quo, seja perante o Tribunal ad quem7.

Temas da atualidade como recursos repetitivos e precedentes são decorrências da massificação das relações sociais. Este é um problema do final do século XX, razão pela qual o Código de 1973 não tinha esta preocupação, já que os paradigmas sociais e jurídicos eram distintos. Bem ou mal, a jurisdição, seja a exercida pelos juízos locais, seja pelos juízos superiores, no mínimo tem que se voltar para esse novo formato de conflitos: os conflitos repetitivos, os conflitos de massa, os conflitos homogêneos.

Dar unidade à maneira como o Tribunal avalia e conclui sobre um problema jurídico, na verdade, é uma tarefa normativa evidentemente abstrata. Mais uma vez se repete: da abstração à concretude, da concretude à abstração. Neste contexto, a função do Superior Tribunal de Justiça ultrapassa a ideia de reexame, revisão ou de cassação de decisões judiciais.

As decisões do Tribunal passam a criar Direito, qualificando-se como de natureza constitutiva8 e não meramente declaratória. Não se desconsidera aqui a função transformadora do fenômeno jurídico presente em todos os níveis da atividade jurisdicional. Juízos monocráticos, tribunais regionais e cortes estaduais também criam Direito, mas num sentido limitado às partes no processo e ao caso julgado, mais como construção do enunciado que se destina a compor o conflito, que ganhará dimensão própria a partir das circunstâncias do caso. A realidade pulsante é infinitamente mais complexa que as limitadas previsões legislativas. E no âmbito dessa complexidade, para pacificar conflitos, a jurisprudência avança além do que está posto. Como órgão jurisdicional de cúpula, a função constitutiva (e uniformizadora) do Superior Tribunal de Justiça assume grande relevância à integridade do Estado federativo.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA POR EXCESSO DE EXECUÇÃO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). Na hipótese do art. 475-L, § 2º, do CPC, é indispensável apontar, na petição de impugnação ao cumprimento da sentença, a parcela incontroversa do débito, bem como as incorreções encontradas nos cálculos do credor, sob pena de rejeição liminar da petição, não se admitindo emenda à inicial. O art. 475-L, § 2º, do CPC, acrescentado pela Lei 11.232/2005, prevê que “Quando o executado alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação”. Segundo entendimento doutrinário, o objetivo dessa alteração legislativa é, por um lado, impedir que o cumprimento da sentença seja proteladopor meio de impugnações infundadas e, por outro lado, permitir que o credor faça o levantamento da parcela incontroversa da dívida. Sob outro prisma, a exigência do art. 475-L, § 2º, do CPC é o reverso da exigência do art. 475-B do CPC, acrescentado pela Lei 11.232/2005. Esse dispositivo estabelece que, se os cálculos exequendos dependerem apenas de operações aritméticas, exige-se que o credor apure o quantum debeatur e apresente a memória de cálculos que instruirá o pedido de cumprimento de sentença – é a chamada liquidação por cálculos do credor. Por paridade, a mesma exigência é feita ao devedor, quando apresente impugnação ao cumprimento da sentença. Além disso, o STJ tem conferido plena efetividade ao art. 475-L, § 2º, do CPC, vedando, inclusive a possibilidade de emenda aos embargo/impugnação formulados em termos genéricos (EREsp. 1.267.631-RJ, Corte Especial, Dje 1/7/2013). Por fim, esclareça-se que a tese firmada não se aplica aos embargos à execução contra a Fazenda Pública, tendo em vista que o art. 475-L, § 2º, do CPC não foi reproduzido no art. 741 do CPC. Precedentes citados: REsp. 1.115.217-RS, Primeira Turma, DJe 19/2/201; AgRg no Ag 1.369.072-RS, Primeira Turma, DJe 26/9/20119.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça passa a desempenhar o papel central de interpretar, guiar e orientar a interpretação da ordem jurídica junto às instâncias inferiores. Ainda que a questão acerca da legitimidade para tanto continue em aberto, certo é que a responsabilidade e a função social do Tribunal passaram a se revestir desse formato. Nesse contexto, cabe perquirir o papel do STJ em relação à garantia da coerência e da segurança jurídica, bem como da racionalidade e estabilidade do sistema.

4 O grave dilema dos precedentes para a promoção da segurança jurídica: prospecção ou retrospecção?

O Superior Tribunal de Justiça tem sua missão constitucional bem delimitada como tribunal ao qual incumbe fornecer a última interpretação a respeito das normas infraconstitucionais de natureza federal. Isso lhe impõe a necessidade deixar de atuar como uma Corte de Justiça, instituída para conceder uma decisão justa para o caso concreto, e passar a atuar como uma Corte de Precedentes, constituída para a interpretação do Direito a partir do caso concreto10.

A ampliação de mecanismos que permitam a sobreposição dos precedentes firmados pela Corte tem a aptidão de fortalecer este sistema de uniformização da jurisprudência e orientação das instâncias inferiores em respeito à direção interpretativa apontada nos precedentes, como, a rigor, vem recentemente fazendo o Superior Tribunal de Justiça. Mas não basta a mera orientação, é preciso, mais que isso, criar mecanismos de vinculação de tais orientações, para o quê a legislação inserta no CPC de 1973, no mínimo, é frágil. Enquanto o enunciado uniformizador apenas orientar os julgamentos dos órgãos judiciais locais, não se alcança com eficiência a função normatizadora.

E mais. A técnica de redação do precedente se difere da redação de uma decisão despreocupada com o futuro. A ratio decidendi deve ficar clara, restando visíveis à sociedade quais os fatores foram decisivos à formação do resultado11.
Trata-se de uma nova visão das Cortes Superiores, que, mais do que corrigir desvios interpretativos, devem pensar suas funções de forma prospectiva, a fim de sinalizar a todos os orgãos inferiores do Judiciário a melhor interpretação, mediante formação de precedentes12. Enquanto o julgador do caso concreto compõe o conflito olhando para o passado (fatos que sustentam a postulação), o Tribunal Superior deve olhar para o futuro, projetando o resultado produzido para ser observado (e, aí, quanto mais vinculante, mais eficaz) nos novos casos, nos novos conflitos.

Neste contexto, salienta-se a mudança jurisprudencial quanto ao cabimento da ação rescisória divergente de posicionamento consolidado pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, mesmo que este entendimento seja posterior à sentença rescindenda13. Tal entendimento só é possível de ser adotado caso o compromisso ideológico seja com a normatividade das decisões proferidas pelas Cortes Superiores e, de certa forma, indo além da própria lei que, ressalvadas exceções extremas, não retroage em seus efeitos.

A propósito, leia-se um trecho da decisão proferida pelo então Ministro do STJ Teori Albino Zavascki no Resp 1.026.234/DF:

[...] ao criar o STJ e lhe dar a função essencial de guardião e intérprete oficial da legislação federal, a Constituição impôs ao Tribunal o dever de manter a integridade do sistema normativo, a uniformidade de sua interpretação e a isonomia na sua aplicação. O exercício dessa função se mostra particularmente necessário quando a norma federal enseja divergência interpretativa. Mesmo que sejam razoáveis as interpretações divergentes atribuídas por outros tribunais, cumpre ao STJ intervir no sentido de dirimir a divergência, fazendo prevalecer a sua própria interpretação. Admitir interpretação razoável, mas contrária à sua própria, significaria, por parte do Tribunal, renúncia à condição de intérprete institucional da lei federal e guardião de sua observância. [...] a doutrina da tolerância da interpretação razoável, mas contrária à orientação do STJ, está na contramão do movimento evolutivo do direito brasileiro, que caminha no sentido de realçar cada vez mais a força vinculante dos precedentes dos Tribunais Superiores. [...] A existência de interpretações divergentes da norma federal, antes de inibir a intervenção do STJ (como recomenda a súmula), deve, na verdade, ser o móvel propulsor para o exercício do seu papel de uniformização. Se a divergência interpretativa é no âmbito de tribunais locais, não pode o STJ se furtar à oportunidade, propiciada pela ação rescisória, de dirimi-la, dando à norma a interpretação adequada e firmando o precedente a ser observado; se a divergência for no âmbito do próprio STJ, a ação rescisória será o oportuno instrumento para uniformização interna; e se a divergência for entre tribunal local e o STJ, o afastamento da súmula 343 será a via para fazer prevalecer a interpretação assentada nos precedentes da corte superior, reafirmando, desse modo, a sua função constitucional de guardião da lei federal14.

De fato, o Superior Tribunal de Justiça é o órgão incumbido pela Constituição de conferir unidade à interpretação jurídica relativa à legislação infraconstitucional. Justamente por isso, segue-se à tão somente uniformização jurisprudencial com força persuasiva voltada aos juízos inferiores e aos próprios destinatários para que passem a adotar tal comportamento, em futuras decisões ou em futuras relações jurídicas, a responsabilidade pela construção de precedentes a fim de predeterminar o significado jurídico a ser atribuído à legislação federal de caráter infraconstitucional, com força vinculante.

Esta evolução no papel do Superior Tribunal de Justiça é nítida não apenas em decisões, como antes destacado, mas também nas reformas legislativas que o Código de 1973 recebeu, em especial a técnica do julgamento dos recursos repetitivos, conforme seu art. 543-C.

Por outro lado, a aventada possibilidade de aplicação retrospectiva dos precedentes também pode ser objeto de crítica por provocar contundente insegurança normativa. Afinal de contas, as relações jurídicas já estavam acobertadas pelo instituto fundamental da coisa julgada. E a orientação de condutas passadas – por precedentes que antes não existiam – evidentemente não é possível.

A formação de precedentes pela Corte para a uniformização da interpretação jurídica infraconstitucional pressupõe precisamente a controvérsia jurisprudencial em relação à legislação. Além disso, admite-se implicitamente que não há apenas um sentido possível, certo e inequívoco, a ser conferido à norma jurídica.

Certamente há espaço para maior desenvolvimento desta discussão. Porém, o caminho mais seguro parece ser o da prospecção, e não da retrospecção de efeitos dos precedentes. Também é importante perquirir sobre os critérios interpretativos a serem adotados nos julgamentos, considerando-se a extensão do impacto das decisões do STJ.

5 O novo código de processo civil e os precedentes: nuanças legislativas

Se tivéssemos que responder à pergunta mais valiosa, retroagindo no passado, sobre que modelo de processo e de jurisdição o Código de 1973 instaurou, certamente poder-se-ia afirmar que foi a dicotomia dogmática e radical entre processo de conhecimento e processo de execução, entre jurisdição cognitiva-declaratória e jurisdição expropriatória, amparando-se numa visão individualista e privatista dos conflitos a serem compostos pelo Poder Judiciário, ao qual cumpria tão somente declarar a vontade da lei, expulsando da atividade jurisdicional a tarefa hermenêutica e construtiva do direito do caso concreto. Como uma das consequências deste paradigma, os juízos de verossimilhança, incompatíveis com a função meramente declaratória, passaram a ser vistos com desconfiança máxima, quando muito limitada a sua incidência a determinadas e específicas hipóteses de conflito, como no caso de ação de alimentos e demandas possessórias. A falência do sistema proposto é notória e pública, recebendo já nos movimentos reformatórios do Código espaço próprio de previsão.

A pergunta vale, também, para o novo Código, cuja entrada em vigor está prevista para março de 2016. Tem-se que não é exagerada a compreensão de que o novo estatuto, sem, abandonar a reforma levada a efeito trazendo para dentro da (única) relação processual instaurada tanto a atividade cognitiva como a executiva, conquista das duas últimas décadas, mas deixando-a para um segundo plano, estabelece um novo paradigma, qual seja, a distinção entre jurisdição de composição de conflitos (afeta aos juízos de primeiro e segundo grau locais) e a jurisdição normativa (afeta aos tribunais superiores).

Extraindo-se a Parte Geral, composta de 6 (seis) livros, que, de um modo geral cuida de regras de teoria geral do processo e do procedimento, muitas exclusivamente de conteúdo procedimental, o Código conta com uma Parte Especial, dividida em 3 (três) livros bem específicos: os dois primeiros, voltados à jurisdição cognitiva e executiva (a ser exercida pelos juízos de primeiro grau), o último, à jurisdição dos tribunais. E no âmbito da jurisdição dos tribunais, tanto conta com disposições voltadas à função de revisão ou reexame das decisões de primeiro grau, a exemplo da previsão dos recursos voltados a combater as decisões proferidas em sede de primeiro grau de jurisdição, como a apelação e o agravo de instrumento, cujo efeito devolutivo registra com precisão e clareza a função do reexame da decisão hostilizada, e outras voltadas a esta (nova) função, já desvelada ao longo das últimas quase três décadas, marcadas não só pelo processo de constitucionalização que a Constituição de 1988 implementou, mas também pela nova realidade social, impactando o sistema jurídico com demandas subjetivas coletivas e com demandas sociais que não mais encontram ressonância nas regras concebidas para regular o processo do conflito individual15.

Alguns artigos, em particular, merecem especial atenção do intérprete, a saber:

Os arts. 926 a 928, inauguradores do Livro III da Parte Especial, integram capítulo destinado às disposições gerais dos processos de competência originária dos tribunais. Já por aí, importante destacar que os destinatários deste dispositivo não são, por excelência, os tribunais locais, ainda que também possam sê-lo, pois a eles cumprem também tarefas especifícas de manter a ordem jurídica estabilizada e unificada, em especial no julgamento dos incidentes de resolução de demandas repetitivas e de processo objetivo, esse último no caso de tribunais estaduais, quando do julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei estadual ou municipal frente à Constituição Estadual, fontes expressas de função normativa com edição de precedentes vinculativos.

Pelo art. 926, passa, neste espaço jurisdicional, a ser função dos tribunais a uniformização de sua jurisprudência e a manutenção de sua estabilidade, integridade no ordenamento jurídico e coerência entre enunciados. Objetivo maior, a segurança jurídica nas relações e situações jurídicas, públicas ou privadas.

É a proposta de um novo paradigma no âmbito jurisdicional, mais comprometido com a função normativa – editar enunciados jurídicos a partir de casos concretos que passam a valer para o futuro – do que produzir um resultado justo, adequado, aderente ao sitema jurídico ao efeito de compor um determinado conflito.

A edição de súmulas, técnica já conhecida de atingir uma uniformização de entendimentos sobre determinada controvérsia, prossegue sendo uma das técnicas a sacramentar a jurisprudência dominante. Contudo, tais súmulas devem ater-se às circunstâncias fáticas, integrando, portanto a premissa do enunciado normativo.

Já no art. 927, o novo CPC estabelece uma vinculação formal entre as decisões dos tribunais superiores, STF e STJ (em sede de súmulas vinculantes ou não, acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas, julgamentos em sede de recursos extraordinário ou especial repetitivos, orientações do plenário ou do órgão especial), guardadas as competências de cada um, e as decisões a serem proferidas nos juízos inferiores, inclusive com expressa observância ao contraditório (art. 10 do CPC/2015) e à fundamentação nas decisões a exigir a conexidade entre o caso concreto e a orientação jurisprudencial (art. 489, § 1º, do CPC/2015).

O plano da legitimidade das decisões proferidas é preocupação do novo estatuto quando, no § 2º do art. 927, prevê a intervenção de pessoas, órgãos ou entidades, ou ainda a realização de audiências públicas, ampliando o debate que possa provocar a alteração da tese jurídica adotada em enunciado ou súmula ou em julgamento de casos repetitivos. Ou seja, a discussão interna do processo resultou num determinado precedente, cuja permanência no ordenamento jurídico é provocada. Mediante esta provocação, cumpre dar um espectro subjetivo mais amplo de intervenções, para melhor apreciar a manutenção ou a alteração da tese jurídica adotada no passado. A legitimidade da manutenção ou reconsideração da tese jurídica editada passa, nesses termos, por um processo de democratização.

Por outro lado, ciente dos efeitos no tempo da adoção de um determinado entendimento, o art. 927 em seu § 3º prevê a modulação dos efeitos da alteração no interesse social e na segurança jurídica, repetindo disposição já consagrada no processo objetivo, a exemplo do art. 22 da Lei nº 9.868/9916. Trata-se de nítida preocupação de preceito com função normativa, afastando-se literalmente da classe de decisões concretas.

A exigência de fundamentação especificada quando nova orientação for imprimida pelo tribunal provocado vem ao encontro de que se trata, a uma, de decisão judicial ainda que com função normativa, a duas, de conferir legitimação constitucional e democrática ao enunciado.

A necessidade de dar a mais ampla publicidade aos enunciados normativos, já que a presunção do conhecimento pelo destinatário do comando editado restringe-se à lei (art. 3º da LINDB), com vistas à sua obediência e incidência para casos futuros vem expressa no § 5º, determinando aos tribunais que dêem a mais ampla publicidade aos precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida, com divulgação preferencial na rede mundial de computadores.

Por derradeiro, no art. 928 do CPC/2015, a previsão de precedentes a partir de julgamentos em casos repetitivos tanto pode ser erigida em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas como nos julgamentos de recursos especial e extraordinário repetitivos, agregando-se, assim, aos já conhecidos e vigorantes enunciados oriundos em súmula e julgamentos de processos objetivos.

Tratando-se tais julgamentos de matéria de direito (interpretação da lei ou ato normativo), tanto pode ter por objeto questão envolvendo direito material como processual, é o que dispõe o parágrafo único desse dispositivo.

A respeito da função do precedente, esclarece Hermes Zaneti Jr:

Existe, como se viu, uma relação entre os precedentes e a interpretação operativa que nos parece muito clara. O sistema dos precedentes pode até fomentar a interpretação doutrinária e, especialmente, a crítica doutrinária, mas sua verdadeira vocação é operativa, como instrumento de aplicação do direito em relação aos fatos concretamente verificados e repetíveis em um momento futuro. Disso resulta a importância das noções de ratio decidendi e material facts, que no Brasil se verá, serão estabelecidos como os fundamentos relevantes de fato e de direito para a tomada de decisão 17.

Não basta, porém, que os precedentes – que rigorosamente não representam novidade, apenas ganharam uma relevância maior nas dinâmicas de composição de conflitos – limitem-se a operar como mera orientação ou, como as súmulas sem efeito vinculante, como preceitos persuasivos.

O sistema jurídico e sua integração carecem que a tais precedentes se agregue a força vinculativa.

6 Força vinculante dos precedentes e o novo código de processo civil

Os principais fundamentos para tornar os precedentes produzidos pelos Tribunais Superiores, entre os quais o Superior Tribunal de Justiça, objeto deste trabalho, não encontram seu amparo legal nem no art. 489 do CPC/2015, que cuida da sentença e a respectiva fundamentação, nem nas disposições gerais que tratam dos processos de competência originária dos tribunais, no item anterior analisadas, embora já nesses capítulos possível constatar um indicativo da força vinculante dos precedentes.

Nesse fio, quando dos incisos V e VI do art. 489, dispõe o Código que a sentença deverá, tanto para invocar precedente ou enunciado de súmula, como para deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, justificar o caminho adotado. Mas ainda assim, tais disposições, por si só, não contemplam efeito vinculante, mais representando orientação ou persuasão a ser seguida.

Também nos artigos 926 a 928, antes analisados, percebe-se que a redação impõe uma cogência e não uma mera faculdade aos juízes, órgãos julgadores ou tribunais a proceder naqueles casos ali tratados, adotando postura de uniformização e unicidade do direito frente às demandas que lhe forem submetidas. Aliás, é de se registrar que aos julgadores não cumpre meras faculdades, mas sim dever-poder que decorre de sua condição de mandatários de um poder cuja soberania é do povo, bem como da assunção do cargo que detêm. Também aqui a vinculação ainda se caracteriza como formal.

Contudo, o novo CPC oferece outros instrumentos ao efeito de estabelecer uma vinculação material dos precedentes, regulando não apenas o(s) caso(s) julgados, mas também os futuros, a consagrar a função normativa das Cortes Superiores.

a) No julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, o art. 985 dispõe que, julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito, no âmbito da competência daquele tribunal (ou seja, os processos que restaram sobrestados por força do incidente), bem como aos casos futuros que também versem sobre idêntica questão de direito, caracterizando, aí sim, a predominante função normativa do precedente.

Importante registrar que, segundo o art. 987 do CPC/2015, cabe recurso extraordinário ou recurso especial do julgamento de mérito do incidente em análise, o que permite concluir que confirmada a tese adotada pelos tribunais superiores, sua incidência extrapola os limites da territorialiadade da decisão recorrida para alcançar efeitos erga omnes, em todo o território nacional, conforme § 2º do predito dispositivo. Nítida função normativa das cortes superiores.

E mais, caso não observada a tese adotada, a parte interessada poderá provocar a ação de reclamação (arts. 988 e seguintes do CPC/2015), a estabelecer, agora sim, a força vinculante daquelas decisões.

b) A técnica de julgamento em recursos repetitivos, tanto aplicada aos recursos extraordinários como aos especiais, contempla regra semelhante. Nesse caminho, o art. 1.040 em seu inciso III dispõe que, publicado o acórdão paradigma, os processos até então sobrestados em qualquer grau de jurisdição serão retomados para julgamento com aplicação da tese firmada pelo tribunal superior. A resistência pelo tribunal local na adoção da tese provocará o seguimento do recurso interposto para aportar às cortes superiores, onde, inevitavelmente, será aplicada a tese já definida no acórdão paradigma. Não bastasse isso, o art. 988, inciso IV, prevê especificamente a reclamação para garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou incidente de assunção de competência. Ou seja o sistema foi se fechando em torno dessas decisões paradigmáticas, interpretativas do direito material ou processual, dando racionalidade e unicidade ao direito positivo e sua interpretação frente aos casos concretos, atuando como função normativa e vinculante.

c) Apenas para constar, também no incidente de assunção de competência, conforme art. 947, § 3º, o acórdão proferido vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, cuja observância também poderá ser objeto de reclamação, no caso de resistência, conforme o já citado art. 988, inciso IV, do novo estatuto.

Considerando que os limites deste trabalho dizem com a função normativa do Superior Tribunal de Justiça, outras hipóteses de precedentes vinculantes como a súmula vinculante do art. 103-A da Constituição da República ou dos julgamentos em sede de processos de controle concentrado deixam aqui de ser enfrentados.

7 Conclusão

As reflexões aqui esposadas sublinham a relevância da atuação jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça na conjuntura normativa do sistema processual contemporâneo e, especialmente, com vistas ao novo Código de Processo Civil, que exige efetividade e previsibilidade das decisões judiciais. As decisões proferidas pelo Tribunal da Cidadania ostentam essa importante missão de conferir racionalidade ao sistema jurídico, uniformizando a jurisprudência nacional e garantindo a conciliação entre tempestividade, efetividade e segurança jurídica, na medida possível e adequada.

A jurisdição – como composição de conflitos ou como função normativa, exigência dos novos tempos – é indispensável à sustentação de um Estado que garanta a democracia, fazendo-se valer no processo que passa a ser compreendido como um espaço necessariamente democrático constitucional, cumprindo, por excelência, às instâncias locais a administração da justiça do caso concreto; e às Cortes Superiores a função de adequar tais decisões à sociedade como um todo, transpondo a ponte entre o individual e o coletivo. A força transformadora do processo está na força da cidadania por meio das relações sociais e da jurisdição.

A promoção da cidadania continua sendo o desafio maior do Estado democrático de Direito. E o Poder Judiciário tem o dever de aceitar esta provocação com a responsabilidade de fundamentar e adequar as suas respostas à sociedade. A credibilidade da instituição e a própria manutenção da democracia não prescindem deste inabalável compromisso.

Quando se defende a função normativa, mesmo no âmbito da infraconstitucionalidade, e se a deposita nas mãos do Superior Tribunal de Justiça em absoluto está se voltando contra o dogma da separação de poderes, que passa muito mais a ser visto como distinção de poderes, de forma harmônica e independente. Não há desprezo à lei – função precípua do Poder Legislativo – mas sim valorização do seu texto a partir de uma interpretação compatível com a numerosidade das demandas e exigências da sociedade.

A bandeira brasileira determina a combinação de ordem e progresso. Respeito à ordem jurídica e à estabilidade para permitir o avanço das relações negociais. E evolução das condições sociais e econômicas sob a deferência de um ordenamento jurídico democrático, pacífico e eficiente. O fortalecimento e o desenvolvimento da cidadania brasileira dependem disso. É preciso andar para frente e caminhar com segurança. Avançar sempre, mas mantendo os pés no chão: esta sim é a melhor escolha.

Referências bibliográficas

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ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Edições JusPODIVM, 2015.

The institucional Paper of Superior Court of Justice
in procedural system and the New Civil Procedure Code

Abstract

The superior courts and in particular the Superior Court of Justice shall, within the existing legal system and in the light of the new Civil Procedure Code profound vocation for the maintenance of law, adding to its functions to rules function by which it proposes to univocity of positive law, fulfilling these courts uniformity of jurisprudence and its stability, integrity and consistency. The adoption of processes and resources accustomed to the issue of precedents with binding force flows from the requirement of society and mass market rights, fulfilling give a rationality to judicial decisions, meeting the principles inherent in the system, especially regarding the timeliness, effectiveness and legal certainty for judicial pronouncements, without thereby remains offended the distinction of powers.

Keywords: Superior Court of Justice. Uniformity of jurisprudence. Precedents. Binding effect.

Recebido em: 18/06/2015

Aprovado em: 18/08/2015

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1 BENETI, Sidnei. Formação de jurisprudência nacional no Superior Tribunal de Justiça. Doutrina: edição comemorativa, 25 anos / Superior Tribunal de Justiça. Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 2014. p. 221.

2 BENETI, Sidnei. Formação de jurisprudência nacional no Superior Tribunal de Justiça. Doutrina: edição comemorativa, 25 anos / Superior Tribunal de Justiça. Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 2014. p. 222.

3 ALVIM, Arruda. A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça no ambito do Recurso Especial e a relevância das questões. 10 anos – Obra Comemorativa 1989-1999. Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 1999. p. 37.

4 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 249

5 SILVA, Ovídio A. Baptista da. A função dos tribunais superiores. In: ROCHA, Leonel Severo; STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN DE MORAIS, José Luis (Org.). Anuário do programa de pós-graduação em direito. São Leopoldo: Unisinos, 1999, p. 219.

6 CASTANHEIRA NEVES. O instituto dos “assentos” e a função jurídica dos Supremos Tribunais. Coimbra: Coimbra Ed., 1983, p. 82-83.

7 REsp 1.410.839-SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 14/5/2014.

8 Aqui a expressão “constitutiva” está comprometida com a ideia de constituir um enunciado jurídico, possível de ser aproveitado ou manejado por uma gama de interessados inclusive em processos futuros. Um exemplo claro: reconhecendo o Superior Tribunal de Justiça que por força de determinado plano governamental aplicado nos rendimentos de caderneta de poupança deva ser revisto para ser adotado índice diverso daquele que fora executado, milhares de poupadores passarão a buscar igual proveito econômico, funcionando aquele julgamento com um efeito além das partes litigantes no(s) processo(s) julgado(s).

9 Resp 1.387.248-SC , Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 7/5/2014.

10 MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 90.

11 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, em especial, p. 246- 252.

12 A esse respeito, ver por todos: MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, em especial, p. 66-70.

13 Nesse sentido, válido o destaque ao que decidiu o Superior Tribunal de Justiça na Ação Rescisória n. 3.682-RN: “Nos termos do enunciado 343 da Súmula do STF, não é cabível ação rescisória por violação de literal dispositivo de lei quando a matéria era controvertida nos Tribunais à época do julgamento. A jurisprudência, contudo, tanto do STF como do STJ evoluiu de modo a considerar que não se pode admitir que prevaleça um acórdão que adotou uma interpretação inconstitucional (STF) ou contrária à Lei, conforme interpretada por seu guardião (STJ). Assim, nas hipóteses em que, após o julgamento, a jurisprudência, ainda que vacilante, tiver evoluído para sua pacificação, a rescisória pode ser ajuizada.” (2ª Seção do STJ, rel. Minª Nancy Andrighi, j. em 28/09/11)

14 REsp 1026234. Relator Ministro Teori Zavascki. Julgado em 11.06.2008. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br>. Acesso em: 02. nov. 2014

15 Remete-se o leitor para MACEDO, Elaine Harzheim, e MACEDO, Fernanda dos Santos. O direito processual civil e a pós-modernidade, in Revista de Processo, Vol. 204, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 351-367.

16 Art. 22. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

17 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Edições JusPODIVM, 2015, p. 164-165.

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