O que o processo civil precisa aprender com a linguagem? / What does the civil process need to learn with the language?

Lenio Luiz Streck, Igor Raatz, William Galle Dietrich

Resumo


RESUMO: O presente artigo visa a desvelar como o processo civil brasileiro ainda está amplamente comprometido com o paradigma filosófico racionalista, de René Descartes e de Wilhelm Leibniz, através daquilo que Ovídio Araújo Baptista da Silva denominou de ordinariedade. A ordinariedade nada mais é do que enxergar o processo como um método, vale dizer, um procedimento rígido, de caráter apriorístico e atemporal, que preza por provimentos vocacionados em produzir coisa julgada, com base no pressuposto da “busca pela verdade real”. Tendo a Crítica Hermenêutica do Direito como fio condutor do presente estudo, pretende-se desvelar como o pensamento cartesiano foi superado na (e pela) filosofia e, dessa forma, descortinar como a ruptura com a ordinariedade no processo não mais perpassa por uma ruptura legislativa, mas antes, por uma ruptura com o senso comum teórico dos juristas, que permanece comprometido com racionalismo cartesiano, ignorando o giro ontológico promovido por Heidegger e Gadamer.

 

PALAVRAS-CHAVE: Ordinariedade. Racionalismo Cartesiano. Filosofia Hermenêutica e Hermenêutica Filosófica.

 

ABSTRACT: The present article aims to unveil how the Brazilian civil process is still widely compromised with the René Descartes and Wilhelm Leibniz’s rationalist philosophical paradigm, trough what Ovídio Araujo Baptista da Silva named as ordinariness. The ordinariness is nothing more than seeing the process as a method, worth saying, as a rigid proceeding with aprioristic and timeless character that prey at producing res judicata provisions, based on the “search for the real truth” presupposition. With the Hermeneutical Critics of Law as the conducting wire of the present study, it is intended to unveil how the Cartesian thought was surpassed in (and for) the philosophy and, in this way, uncover how the ordinariness rupture in the process does not runs through a legislative rupture, but by a rupture with the jurist’s theoretical common sense, that stands compromised with the Cartesian rationalism, ignoring the ontological turn promoted by Heidegger and Gadamer.

 

KEY-WORDS: Ordinariness. Cartesian Rationalism. Hermeneutic Philosophy and Philosophical Hermeneutics. 


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DOI: https://doi.org/10.18256/2238-0604/revistadedireito.v13n2p317-335

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