Constitucionalismo digital: um convidado (in)esperado

André Karam Trindade, Amanda Antonelo

Resumo


Existe um constitucionalismo digital? Essa é uma questão cuja resposta ainda está em processo de construção na doutrina nacional e estrangeira. O propósito deste texto é discutir, criticamente, as imprecisões em torno da expressão “constitucionalismo digital”, propondo uma reflexão sobre o sentido que o dispositivo “digital” confere à noção de “constitucionalismo”. Teria o adjetivo se tornado mais relevante do que o próprio substantivo? Para enfrentar esse tema, após sua problematização (Seção I), resgatam-se as origens do fenômeno do constitucionalismo e suas formas de manifestação (Seção II). A partir disso, especulam-se a possibilidade de a revolução tecnológica constituir um momento constitucional (Seção III) e, em seguida, os sentidos em torno do constitucionalismo digital (Seção IV). À guisa de conclusão, aponta-se a fragilidade teórica em torno do conceito e sua aplicação, cujos reflexos podem afetar o paradigma do constitucionalismo democrático (Seção V). Ao final, é oferecido um breve epílogo, no qual se recorre à literatura fantástica para, metaforicamente, ilustrar a crítica então formulada ao constitucionalismo digital (Seção VI). O método de abordagem utilizado, para tanto, é o analítico-descritivo, consistente em investigação bibliográfica, de viés exploratório. Este ensaio é o resultado parcial de um desdobramento do projeto de pesquisa intitulado “A normatividade e suas formas de expressão: diferentes linguagens, outros saberes, novas abordagens”, no âmbito do Grupo de Pesquisa Inovações Tecnológicas e Estado Constitucional, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Univel.

Palavras-chave


Constitucionalismos; Revolução Tecnológica; Constitucionalismo Digital; Direitos fundamentais.

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DOI: https://doi.org/10.18256/2238-0604.2022.v18i1.4816

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