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Teoria constitucional em mutação: perspectivas do constitucionalismo contemporâneo frente aos desafios da globalização e transnacionalidade

Constitutional theory changing: perspectives of contemporary constitutionalism to the challenges of globalization and transnationality

Francisco Gilney Bezerra de Carvalho Ferreira(1); Renata Albuquerque Lima(2)

1 Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/SC). Procurador Federal em atuação pela Advocacia-Geral da União (AGU) e Professor de Direito do Curso de Graduação em Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF-Sobral/CE). E-mail: [email protected]

2 Pós-doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutora em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Professora adjunta do Curso de Direto da UVA. Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão. Professora do Curso de Direito da Unichristus. E-mail: [email protected]

Resumo

O presente trabalho busca discutir a problemática vivenciada hodiernamente no que tange aos novos rumos do constitucionalismo contemporâneo a partir da observação do fenômeno da globalização e transnacionalização da dimensão jurídica. A análise é feita levando em consideração a trajetória de evolução constitucional e o atual contexto de mitigação da soberania estatal. A Constituição, após assumir o destaque de norma suprema e central dentro do ordenamento jurídico, passa a não mais ser um instrumento suficiente para regular as complexas relações que se desenvolvem em ambiente global e que atravessam as fronteiras nacionais. Tendo em vista a necessidade de uma urgente readequação da teoria constitucional, torna-se necessário buscar alternativas para responder ao novo cenário de realidade transnacional. Para a elaboração deste artigo foi utilizada uma pesquisa teórico-bibliográfica e documental, na qual se fez basilar o estudo de livros, artigos e documentos legislativos pertinentes. Do ponto de vista de abordagem do caso, pode-se caracterizar a pesquisa como qualitativa, com exame dos acontecimentos que se dão em sociedade, os quais afetam direta ou indiretamente os indivíduos enquanto membros de uma comunidade global.

Palavras-chave: Constitucionalismo. Globalização. Transnacionalidade.

Abstract

This paper discusses the problems experienced in our times with respect to the new directions of contemporary constitutionalism from the observation of the phenomenon of globalization and transnationalization of the legal dimension. The analysis is done taking into account the path of constitutional development and the current context of mitigation of state sovereignty. The Constitution, after taking the highlight of supreme and central law within the legal order, shall not be a sufficient instrument to regulate the complex relationships that develop into global environment and cross national borders. In view of the need for urgent readjustment of constitutional theory, it is necessary to seek alternatives to respond to the new scenario of transnational reality. For the preparation of this article was used a theoretical-bibliographical and documentary research, which has important the study of books, articles and relevant legislative documents. From the point of view of case of the approach, it is considered as a qualitative research, from the point of view of the case of the approach, it is considered as qualitative research, with examination of the events that take place in society, which directly or indirectly affect individuals as members of a global community.

Keywords: Constitucionalism. Globalization. Transnationality.

1 Introdução

A ciência do Direito evoluiu a passos largos nas últimas décadas, notadamente pela forte influência do neoconstitucionalismo, provocando sérias alterações nas fontes jurídicas e nos métodos de sua interpretação. Neste presente artigo, busca-se rememorar esse processo construtivo até se chegar ao chamado Estado constitucional democrático, verificando as transformações advindas, sobretudo, a partir da percepção contemporânea da Constituição como núcleo central e supremo de todo o ordenamento jurídico. Todavia, atualmente, percebe-se uma complexa realidade que vem abalar essa aparente estabilidade constitucional. A relativização da noção clássica de soberania e a avassaladora perspectiva de avanço da globalização e transnacionalização do direito resultam, sem dúvidas, em dificuldades sérias que a ciência jurídica precisa enfrentar em nível global.

O Estado-nação ficará vulnerável caso não acompanhe as mutações do seu tempo e persista em não enxergar a mitigação da soberania, sua impossibilidade em manter a antiga concepção de exclusividade e monopólio na produção do direito. O Direito é dinâmico e as instituições também precisam evoluir. Nesse enfoque, inevitavelmente, as Constituições perdem força. Até que ponto o poder estatal é, de fato, ainda real, ou se encontra no imaginário como ficção que se prende muito mais em um passado recente que não mais refle os dias atuais? O constitucionalismo, obviamente, não está imune a tal fenômeno. Diante de forças supranacionais e poderes econômicos globais que atuam no mundo contemporâneo, falta ainda uma percepção da atualidade no sentido da necessária harmonização com a dinâmica mundial, caso contrário, refletir-se-á em maus resultados para o próprio Estado, ficando este à margem do sistema global, colhendo prejuízos sociais, financeiros e, em ultima instância, comprometendo sua eficiência e a garantia dos direitos fundamentais.

É dentro dessa problemática que se buscará desenvolver a presente abordagem, traçando preliminarmente uma trajetória evolutiva do constitucionalismo, desde sua origem até a consolidação do Estado constitucional de direito, visando à clara percepção do contexto em que se insere nosso objeto de estudo. Posteriormente, adentra-se na análise do declínio da soberania estatal e no fenômeno da globalização como elementos propulsores para a era da transnacionalização do direito, em que novos rumos constitucionais precisam ser observados a partir da constatação de que, hoje, não mais se percebe a constituição nacional suficiente frente às complexas relações globais. Por fim, conclui-se com um breve apanhado de modelos teóricos que passam a ser tecidos em um constitucionalismo para além do Estado. As reflexões que escoram a presente investigação encontram-se apoiadas nas contribuições de Peter Häberle, Ingolf Pernice, Gunther Teubner, J.J. Gomes Canotilho, Marcelo Neves, dentre outras vozes que avançam como perspectivas em construção para o realinhamento da teoria constitucional em um cenário tipicamente transnacional.

2 A trajetória evolutiva do constitucionalismo: das origens à consolidação do Estado Constitucional de Direito

Desde os primórdios da civilização surgiu a necessidade do homem estruturar as relações sociais, estabelecendo o Estado como forma de modular a convivência humana. O Estado, então, vem a ser a criação humana idealizada para dar governo à sociedade. É a partir daí que nasce o Direito, intrínseco ao surgimento do Estado. E, óbvio, junto com o surgimento do Direito, iniciam-se os primórdios da história das Constituições1, tendo por núcleo central a existência de regras de limitação de poder e de prevalência dos direitos fundamentais. Estudar o constitucionalismo é, de um modo geral, analisar a evolução dos direitos e garantias fundamentais que, ao longo dos tempos, foram conquistadas e assegurados ao homem, de forma a evitar os abusos da minoria que detinha o poder em dada época histórica.

Destarte, na limitação do poder estatal se insere a perspectiva de evolução dos direitos fundamentais, podendo-se afirmar que o avanço constitucional associa-se à gradual trajetória de proteção desses direitos2. Embora se reconheça a existência de conceitos embrionários de constituição desde os tempos remotos, sua sistematização surge mesmo na esteira do iluminismo, consagrando a ideia de limitação de poder com vistas à proteção dos direitos fundamentais do cidadão, decorrendo do jusnaturalismo racionalista que pautava suas atenções no ser humano, considerando-o como detentor de direitos que precediam ao Estado e que, assim, deveriam necessariamente ser resguardos pela ordem jurídica3.

A primeira experiência do constitucionalismo antigo pode-se dizer que se deu no Estado teocrático hebreu, com o surgimento de limites ao poder político por meio de dogmas religiosos. Segundo Karl Loewenstein4, pode-se associar essa modesta evolução ao prenúncio do constitucionalismo. Refere o autor, ainda, a experiência das Cidades-Estados gregas, onde se teria, timidamente, a primeira noção de democracia constitucional e igualdade política. Mais adiante, tem-se a experiência inglesa, onde se deu a concretização do Estado de Direito, no chamado “governo das leis” em substituição ao “governo dos homens”, destacando-se, desde aquela época, documentos de grande relevo, como a Magna Charta de 1215, Petition of Rights de 1628, Habeas Corpus Act de 1679, Bill of Rights de 1689, Act of Settlement de 1701, entre outros. A experiência do “Rule of Law” (governo das leis) e todos estes primeiros documentos paradigmáticos podem ser tidos como embriões das Constituições modernas.

Todavia, o avanço da teoria constitucional, verdadeiro combate pela garantia das liberdades individuais e sociais, acentuou-se, sobretudo, a partir das revoluções liberais no final do século XVIII, que resultaram na queda das grandes monarquias, provenientes da união da burguesia com o chamado Terceiro Estado (povo) em busca de direitos libertários, dando início ao que a doutrina costuma denominar de constitucionalismo clássico ou liberal. Para muitos, o constitucionalismo se inicia, de fato, a partir deste momento. O que se buscava com as revoluções liberais era a liberdade dos cidadãos, anseio maior do povo em relação ao autoritarismo do Estado. Foi a partir daí que houve um fortalecimento na proteção aos diretos e liberdades, como reação aos regimes absolutistas, contendo a atividade arbitrária do Estado.

Embora nesse período o jus naturalismo fosse ainda predominante, já se constata uma grande transformação na concepção filosófica do direito, pois aquilo que estava baseado apenas em relações consuetudinárias, agora passa a ganhar corpo de lei. Daí se conclui que é dentro do constitucionalismo liberal que surge a primeira sistematização coerente do Estado de Direito, através das Constituições escritas. Impõe-se, assim, uma atuação negativa do Estado (não fazer), limitando o seu poder. O Estado de Direito, nessa fase, é sinônimo de Estado Liberal. A característica marcante é o abstencionismo estatal, a garantia das liberdades públicas pelo Estado mínimo5. Com isso, asseguram-se os direitos de primeira dimensão6, que se referem aos direitos civis e políticos, como reivindicação das revoluções liberais. O Estado liberal, então, ganha contornos bem definidos, seja no plano político (poder limitado pelo Direito), seja no plano econômico (não intervenção estatal). A instrumentalização desse Estado de Direito deu-se a partir das primeiras Constituições escritas (Constituição Americana de 1787 e Constituição Francesa de 1791), fruto das revoluções liberais.

[...] num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais – concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como consequência a participação cada vez mais ampla, generalizada e frequente dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado.7

Mais adiante, com o fim da I Guerra Mundial, inicia-se uma nova fase do constitucionalismo, o chamado constitucionalismo social, que durou no período entre guerras, findando com o término da II Guerra Mundial. Diante de mais um evento devastador para o mundo, ficando algumas sociedades em situação caótica e com pessoas sem condições dignas de sobrevivência, sentiu-se a necessidade de evolução para a proteção dos chamados direitos sociais. Não bastava mais o Estado apenas se abster e respeitar as liberdades individuais, era preciso assegurar direitos mínimos de cunho coletivo, percebendo-se certo esgotamento da ideia liberal. De fato, a mantença do Estado Liberal estava levando a desigualdades sociais gritantes. Urgia, agora, a intervenção estatal. Desse modo, o Estado, até então marcado pelo absenteísmo, cede espaço para a doutrina do bem-estar social (Welfare State)8.

Surgiam assim os direitos sociais, que exigiam uma atuação positiva do Estado no sentido de garantir condições mínimas de vida para a população (direito de saúde, à educação, ao trabalho etc.). Tais direitos não visavam proteger o homem do Estado, mas da sua exploração pelo próprio homem, pressupondo uma presença mais marcante do Poder Público no cenário econômico, com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais. Estes novos direitos penetram no Direito Constitucional a partir da Constituição mexicana de 1917, e da Constituição de Weimar de 1919, irradiando-se destas para praticamente todas as cartas constitucionais promulgadas a partir da década de 30. Ocorre que a promoção dos direitos sociais exigia do Estado a formulação e implementação de políticas públicas. O Estado, com isso, afastava-se da sua posição anterior, marcada pelo absenteísmo, e assumia o papel de principal protagonista na arena econômica e social.9

Dessa forma, surgiu uma nova fase no panorama constitucional, com a abertura ao constitucionalismo social e, junto com este, foram assegurados os direitos e garantias fundamentais de segunda dimensão: os chamados direitos sociais ou coletivos. A grande marca desse novo período, então, é que a atuação estatal limitada e a interferência mínima na esfera da iniciativa privada acabou sendo abrandada pela necessidade do Estado regular, também, os direitos sociais. Com o passar do tempo, os direitos amparados nas Constituições foram ampliados para além dos direitos e liberdades individuais. Nesse contexto de transformação do Estado de Direito (do liberal para o social), tem-se duas Constituições que se destacaram: a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição Alemã de Weimar de 1919, ambas consagraram direitos coletivos e deram início ao denominado Estado Social.

Em paralelo à evolução da esfera de proteção dos direitos fundamentais, verifica-se que a partir do séc. XX já se consolida a visão positivista do direito, em substituição à subjetividade jusnaturalista. O Direito passa a ser aquilo que é posto pelo Estado por meio da lei. A validade de uma norma não decorreria de uma bondade intrínseca no seu conteúdo, mas da obediência que ela presta a uma norma superior. Nesse momento, são lançadas as bases da Teoria Pura do Direito10, doutrina capitaneada por Hans Kelsen com a noção da verticalização hierárquica normativa, buscando-se a legitimidade da norma dentro do próprio ordenamento. O que importa, nessa fase, é a lei, como fundamento de validade do direito. Nesta visão, um Estado com leis imorais ou antiéticas não deixaria de ser um legítimo Estado de Direito.

Todavia, proveniente dos eventos maléficos advindos da obediência cega à lei, mais um evento propulsor de catástrofes em níveis globais resultou na lavagem de sangue ocorrida na II Guerra Mundial, ocasião em que o positivismo jurídico evidentemente sofreu forte abalo, porquanto se o direito estaria limitado à lei, não haveria como controlar o seu conteúdo, inexistindo anteparo jurídico suficientemente eficaz. Por outro lado, o mundo percebeu, após duas grandes guerras mundiais, que era preciso a garantia de direitos não apenas individuais (liberdade) e sociais (igualdade), mas também direitos difusos (fraternidade), no escopo de proteção relacionada à solidariedade entre as nações. Consolida-se a percepção, também, de que os direitos fundamentais ultrapassam os limites das fronteiras geográficas dos Estados para assumir uma dimensão globalizante e planetária. De fato, a violação dos direitos fundamentais não poderia mais ser concebida apenas como preocupação doméstica dos Estados, sendo agora uma questão de legítimo interesse da comunidade internacional11.

É dentro desse contexto que, enfim, adentra-se no neoconstitucionalismo, período que se inicia em meados do séc. XX e no qual se permanece atualmente. A dignidade da pessoa humana, nesse momento, passa a ser alçada à condição de valor supremo universal, núcleo fundamental ao redor do qual gravitam todos os demais direitos fundamentais12. Por outro lado, inúmeras transformações podem ser destacadas nesse período, dentre as quais: a concepção neopositivista do direito e o reconhecimento da eficácia normativa dos princípios13; o surgimento dos direitos difusos; o desenvolvimento do estado democrático de direito; a ampliação da hermenêutica constitucional e o ativismo judicial; dentre tantas outras características que ativaram um período de efervescência na doutrina constitucional. Contudo, uma transformação em particular merece maior destaque: a elevação da constituição no plano interno passando a gozar de supremacia e centralidade no ordenamento jurídico.

De fato, a partir da redução da força da lei no seu plano formal, assim também como o reconhecimento da eficácia normativa principiológica, conclui-se que a lei tornou-se submissa e necessariamente obediente ao texto constitucional e seus princípios. Não há mais o império da lei, mas agora o que existe é o fenômeno da supremacia e centralidade da Constituição14. Trata-se da substituição do legicentrismo positivista pela supremacia constitucional, da qual decorre o chamado fenômeno da constitucionalização do direito.

A ideia de constitucionalização do Direito aqui explorada está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia com força normativa por todo sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive nas suas relações com os particulares.15

Na verdade, o Estado que até então vigorava centrava-se na lei, não na Constituição. A supremacia desta não decorria propriamente do conteúdo de suas normas, mas o controle era realizado no plano meramente formal. É, portanto, somente no neoconstitucionalismo que definitivamente a Constituição vai consolidar sua eficácia normativa material, com os valores e princípios inseridos nas normas constitucionais vinculando o conteúdo da elaboração das demais leis do ordenamento jurídico. Os princípios e normas constitucionais agora se sobrepõem ao restante do ordenamento, que lhe devem obediência não só no plano formal, mas também material, assegurando-lhe maior força normativa16.

Hoje, não se concebe a Constituição de outra forma senão como norma suprema, que vincula todas as demais. Chega-se, pois, ao denominado Estado constitucional de direito, pautado na centralidade e supremacia da Constituição. A evidência leva a perceber que, após tantas lutas históricas do homem ao longo dos tempos, têm-se conquistados os direitos fundamentais em suas várias dimensões e, mais que isso, protegidos agora sob o manto constitucional, encontram-se alçados à instância máxima na ordem jurídica. Graças à tal mudança paradigmática, “a validade das leis e a legitimidade da política são condicionadas ao respeito e à efetivação das garantias dos direitos estipulados nas constituições”17.

3 O fenômeno da globalização como elemento propulsor de transição para a era da transnacionalização do direito

Se no campo dos direitos fundamentais tudo indica ter-se chegado a um certo nível de estabilidade quanto às dimensões evolutivas, no que tange aos contornos jurídicos e políticos da pós-modernidade e os meios para a concretização desses direitos fundamentais já não se pode dizer o mesmo. Paradoxalmente, após se perceber no neoconstitucionalismo a elevação da Constituição ao posto de supremacia na ordem interna, tornando-se a base fundamental na tutela dos direitos do homem, rapidamente a humanidade assiste ao constitucionalismo ruir seus pilares diante do novo modelo desenhado na esfera transnacional, a partir da constatação do declínio da soberania e o enfraquecimento do Estado moderno18.

Entre luz e sombra, descortina-se a pós-modernidade. O rótulo genérico abriga a mistura de estilos, a descrença no poder absoluto da razão, o desprestígio do Estado. A era da velocidade. A imagem acima do conteúdo. O efêmero e o volátil parecem derrotar o permanente e o essencial. Vive-se a angústia do que não pôde ser e a perplexidade de um tempo sem verdades seguras. Uma época aparentemente pós-tudo: pós-marxista, pós-kelseniana, pós-freudiana.19

A globalização20 e a transnacionalização do direito21, fenômenos vivenciados nos dias atuais, representam, em última instância, o declínio da soberania estatal, seja no plano interno, seja no plano externo, tratando-se de processo dialético que produz as conexões e os espaços transnacionais e sociais, a desnacionalização, a experiência cotidiana da ação sem fronteira. Surge, assim, a sociedade transnacional sem que surja um Estado transnacional ou um Governo transnacional. É claro que a soberania estatal já não era vista, nem de direito nem de fato, como um poder absoluto e independente na órbita das relações internacionais. Todavia, embora seja precipitado falar em aniquilação da soberania22, de fato, “não há como negar que os formuladores de politicas são forçados a levar em consideração, com peso crescente, variáveis externas à jurisdição e ao escopo do Estado”23.

O Estado não desapareceu, mas relativizou-se em determinadas dimensões legais, de maneira que não se reconhece mais o ente político-jurídico em suas características clássicas. A intensificação das relações sociais de emergentes sujeitos no palco externo desencadearam uma rede de interação caracterizada pelo transpasse estatal (transnacional) e não mais pela relação ponto a ponto entre (inter) os estados (inter-nacional). Nesse contexto, marcado pela fragilização estatal de um lado e pelo reforço de outros centros de poder é que emerge a transnacionalização, evidenciada pela desterritorialização dos relacionamentos político-sociais, fomentado por sistema econômico capitalista ultravalorizado e que articula ordenamento jurídico mundial à margem das soberanias dos Estados.24

Dessa forma, a intensificação de interações que atravessam as fronteiras resulta, em menor ou maior grau, na redução da autonomia do Estado. Matérias antes consideradas de competência interna ficam sujeitas à regimes multilaterais de normas em um processo de internacionalização das decisões, decorrente, sobretudo, do processo de globalização25. “O Estado, que adquiriu aspectos constitucionais e democráticos e se consolidou no período moderno está no centro de uma discussão que contesta, contemporaneamente, sua invencibilidade soberana”26. É nesse contexto que se insere a transnacionalização da dimensão jurídica, com implicações para as politicas nacionais e reflexos na proteção dos direitos fundamentais27. Nesse enfoque, embora em termos formais os Estados continuem a exercer soberanamente sua autoridade nos limites de seu território, em termos substantivos muitos deles descobrem-se materialmente limitados em sua autonomia decisória28.

De um lado, o papel de governo da política nas formas da representação democrática e o papel normativo do direito estatal são esvaziados pela perda da soberania dos Estados, pela crise de representatividade dos partidos políticos, pelos conflitos de interesses e pela sobreposição, aos poderes públicos, dos poderes econômicos e financeiros de caráter transnacional. De outro lado, está desenvolvendo-se um processo desconstituinte dos nossos ordenamentos que se manifesta no progressivo desmantelamento do Estado social, na redução dos serviços sociais [...]. À impotência da política em relação à economia corresponde uma renovada onipotência da política em relação às pessoas em prejuízo de seus direitos constitucionais, gerada pela intolerância aos limites e vínculos por aqueles normativamente impostos, mas cada vez mais ausentes do horizonte das políticas de governo.29

O Estado, nascido sob a forma de sociedade nacional, territorializado e submetido a um Governo próprio, inicia, assim, um processo de inserção em comunidades mais amplas, tanto ingressando nos processos regionais de integração, quanto sendo cooptado pela rede transnacional. Sem dúvida, a humanidade encontra-se diante de uma gravíssima e real tensão constitucional. Embora politicamente onipotente no plano interno, percebe-se o Estado impotente frente ao cenário globalizado. É nítido que os modelos constituintes vigentes, não mais são suficientes para regular as relações internas e externas que se desenvolvem30. De fato, é preciso pensar a transnacionalidade da dimensão jurídica à luz das significativas mudanças no último século, fato que leva a defender o direito transnacional na qualidade de um ordenamento originado e exercido à margem da soberania, independente do reconhecimento externo ou recepção formal interna pelos Estados. Tal evidência repercute sobremaneira no modelo constitucional construído na fase contemporânea.

Neste cenário, constatamos, entre perplexos e assombrados, que ideias e conceitos profundamente enraizados em nosso imaginário se esclerosaram, tornando-se imprestáveis para explicar a realidade cada vez mais complexa que nos cerca. O Direito, como não poderia deixar de ser, não assiste impávido a estas transformações. A globalização aprofunda a crise dos paradigmas do Direito Moderno construídos ao longo de séculos de história e tradição. As novas variáveis econômicas, políticas e sociais emergentes do processo de globalização implodem os pilares fundamentais sobre os quais se alicerçou o pensamento jurídico ocidental, desafiando o jurista a reexaminar os institutos e conceitos que formam o seu instrumental técnico sob novas perspectivas, despindo-se de preconceitos e dogmas.31

Dessa forma, a comunidade jurídica inevitavelmente vê-se questionada pelas transformações mundiais, sofrendo dificuldades crescentes na edição de estatutos capazes de disciplinar as relações progressivamente policêntricas. O Estado transforma-se numa arena fragmentada de formulação de decisões politicas, permeada por redes transnacionais (governamentais e não governamentais). Rompe-se o vínculo entre território e poder político que existia de forma exclusiva. Novas instituições internacionais e transnacionais vinculam Estados soberanos e transformam a soberania em um exercício compartilhado de poder32.

Logo, a transnacionalização do direito vem significar exatamente essa conexão mais profunda entre os espaços nacionais e o surgimento de algo novo, um espaço intermediário que já não se encaixa mais nas velhas categorias, ao contrário, vem adquirir lógica própria. Nesse contexto, não é difícil vislumbrar a necessidade de se repensar, até mesmo, o papel do Estado33, severamente pressionado a fornecer respostas agora de categoria transnacional em nível globalizante. Em um nível mais elevado, portanto, a própria Constituição se mostra insuficiente em expor mecanismos voltados a solução dos inúmeros conflitos dessas complexas relações, demonstrando, assim, um esgotamento do modelo constituinte atual que precisa ser enfrentado, seja devido ao irrefreável processo globalizatório, seja em decorrência da crescente e avassaladora transnacionalização do direito.

4 O constitucionalismo para além do estado e as perspectivas em construção para o seu avanço em um cenário transnacional

Diante de todo esse quadro, intensificado pelos fluxos econômicos globais e a interdependência política gerada a partir de um cenário de globalização e de flagrante declínio da soberania estatal, torna-se imperioso perscrutar as implicações desse novo modelo ao fenômeno jurídico34. A transnacionalização expõe as limitações que a juridicidade da era moderna legou para o enfrentamento dos problemas contemporâneos, na medida em que soluções passam a ser buscadas para além dos foros tradicionais da política e do Direito. Nesse sentido, é necessário questionar em que medida o constitucionalismo passa a ser afetado pela nova dinâmica que se apresenta: de um lado, a internacionalização do direito constitucional (abertura das ordens jurídico-estatais); de outro, a constitucionalização do direito internacional (consolidação de um sistema político-jurídico internacional)35.

Ainda é possível considerar o constitucionalismo como baluarte da resistência entre as iniciativas marcadas por arbitrariedades tanto do mercado quanto do Estado e da própria sociedade civil? Quais são os condicionantes e determinantes constitucionais dos novos ambientes forjados pela constelação pós-nacional? De que maneira o constitucionalismo se vê reforçado ou fragilizados pelo novo cenário? O caminho ao equilíbrio entre política e direito traçado historicamente no interior dos Estados pode ser logicamente construído na esfera transnacional? Quais as modificações adequadas para atender à extensão dos pressupostos constitucionais – da sociedade nacional à transnacional, e da política interna para uma política interestatal? Como deve a Constituição reagir aos novos desafios da transnacionalização da sociedade, da economia, da cultura e da política? O vínculo entre Constituição e Estado é um tabu intransponível ou uma dissociação realista? A ausência de respostas determinantes a esses questionamentos, que em sua maioria comportaria simultaneamente gradações em diferentes ênfases, define a ambiguidade e o pluralismo da dinâmica conjuntural.36

A rigor, tais respostas ainda não existem diante desta complexa realidade. O que nos move, contudo, são as reflexões das quais se retira uma evidência irrefutável: a percepção de uma sociedade global sem uma normatização mundial, muito menos uma juridicidade que corresponda ao efetivo estágio de interdependência do pluralismo jurídico contemporâneo. Nesse sentido, ganha relevo os esboços teóricos que vêm atualmente sendo desenvolvidos no sentido de um novo olhar em direção ao constitucionalismo em âmbito ultraestatal. A contextualização desta época de paradoxos, caracterizada pelas desafiadoras transformações que se operam no mundo contemporâneo, traz uma série de implicações que não só atualizam o interesse do tema, como também evidenciam novas tendências na teoria constitucional. Não havendo espaço para se debruçar sobre todas as diversas e complexas alternativas e tendências propostas, o que demandaria um trabalho de natureza diversa da que este se propõe, tem-se que optar por fazer um breve apanhado daquelas que são consideradas de maior destaque.

Neste sentido, cita-se inicialmente a tese do Estado Constitucional Cooperativo, desenvolvida pelo constitucionalista alemão Peter Häberle37. O entrelaçamento das ações recíprocas entre Direito Constitucional e Direito Internacional se dá, para Häberle, no escopo comum da cooperação, como uma “resposta interna de abertura do Estado constitucional livre e democrático à mudança no Direito Internacional e ao seu desafio que levou a formas de cooperação”38. O que se extrai desse modelo é que há tarefas estruturalmente comuns aos Estados, cujo adimplemento não se satisfaz em plenitude por ações singularizadas, vinculando-se à capacidade de cooperação interestatal, uma abertura em direção ao outro que implica a disponibilidade da prática da solidariedade em prol da consolidação da paz, missão da qual surgiria o Direito Comum de Cooperação39.

Nessa concepção, Häberle identifica as principais características do chamado Estado Constitucional Cooperativo, seja pela sua necessária abertura às relações internacionais no acento da abertura global dos direitos humanos e sua realização cooperativa, como também pelo potencial constitucional ativo na realização conjunta de tarefas da comunidade de Estados, bem assim pela solidariedade estatal de prestação em assistência ao desenvolvimento, ambiente, cooperação jurídica, entre outros. Daí se retira que “a ciência do Estado Constitucional livre e democrático tem sua própria tarefa: ela somente pode subsistir se perceber, de forma conceitual-dogmática, responsabilidade regional e global para além do Estado, sua missão ético-constitucional”40. Infelizmente, a simpática teoria ainda não se concretiza, senão apenas a partir de políticas fragmentadas e dissonantes.

Por outro lado, vê-se surgir também a contribuição de Ingolf Pernice ao trazer o Constitucionalismo Multinível (Multilevel Constitutionalism)41, designando a experiência na organização supranacional da União Europeia, com a manutenção das Constituições nacionais e, em patamar comunitário superior, uma Constituição que se instaura em nível pós-nacional. A teoria é afirmada por Pernice como um processo de integração que conduziria aos Estados-membros a uma mutação constitucional progressiva guiada à consolidação de um Sistema Constitucional Multinível. Embora adstrita a um prisma de observação eurocêntrico, a elaboração delineada por Pernice aos poucos toma caminho próprio para abarcar acepções mais amplas no sentido de ser aplicado a outros contornos institucionais e geográficos de modo a explicar o fenômeno constitucional para além da própria experiência europeia.

A rigor, Pernice pronunciava ser irrelevante se a Europa tem uma Constituição, eis que, sendo um sistema de poder compartilhado entre os níveis de governança regional, nacional e supranacional, já disporia do que denomina ser uma “Constituição Multinível”, formada mediante a relação entre as Constituições dos Estados membros vinculados por um corpo constitucional complementar, argumentando tratar de um sistema de poderes divididos para enfrentar os desafios da globalização na era pós-nacional, coexisitindo as constituições nacionais e o desenvolvimento progressivo de uma autoridade supranacional42. Não é despida de polêmicas a questão e envolve complexas nuances decorrentes de tal acepção, sobretudo, quando busca uma identidade coletiva em um processo espontâneo que não seja imposto e, principalmente, quando se amplia o escopo de observação para além do espaço europeu, já que se busca uma realidade factível para um problema que invade todo o globo.

De outro modo, para alguns, não existindo um “Estado mundial’’, poderia vir a ser uma proposta mais aceitável aquela que albergaria as potencialidades do conceito de Constituição Global sem Estado43. Nesse sentido, também é de grande relevância a contribuição do jurista alemão Gunther Teubner ao desenvolver a hipótese radicado na teoria dos sistemas de matriz luhmanniana44, entendendo o Direito como um sistema autopioético45. Decorre tal perspectiva de um policentrismo originado pela globalização, envolvendo vários setores em que se articulam diversos subsistemas autônomos com a esfera internacional relacionados com outros subsistemas parciais globais.

Nesse sentido, Teubner escolhe questionar como a teoria constitucional inserida na tradição nacional-estatal poderia lidar com os novos desafios globais, daí porque elege como candidatos a esse direito mundial sem Estado as chamadas “constituições civis” da sociedade mundial46, em pluralismo jurídico. Aqui, afirma Teubner, a teoria dos sistemas ofereceria critérios que se aproveitariam à concepção defendida, dentre os quais, a sociedade mundial só poderia ser constitucionalizada de forma fragmentária, em um sistema jurídico global não unitário sem uma integração por uma constituição política de conjunto, mas constituições de âmbitos sociais setoriais, das quais se originam conexões em rede das constituições47.

Noutra vertente, merece destaque a concepção de Canotilho ao desenvolver a teoria da Interconstitucionalidade48. Segundo o autor, a proposta de constituições civis globais fora da política parte de premissas que se afiguram, pelo menos, problemáticas. Com efeito, Canotilho assevera que as constituições continuam a ser simbolicamente a magna carta de identidade nacional, mas sua força normativa terá parcialmente que ceder ante novos fenótipos político-organizatórios, e adequar-se, no plano político e no plano normativo, aos esquemas regulativos das novas associações de estados nacionais abertos. Com isso, o espaço nacional abrir-se-ia à transnacionalização49. Nesse sentido, explicita Canotilho:

Em vez de lidarmos com os conceitos de ‘constitucionalismo multilateral’ (multilevel constitucionalism), de ‘constitucionalismo cooperativo e multidimensional’, de ‘federalismo e confederalismo constitucional’, preferimos servir-nos de uma teoria da interconstitucionalidade que, como o nome indica, estuda as relações interconstitucionais de concorrência, convergência, justaposição e conflitos de várias constituições e poderes constituintes no mesmo espaço político.50

Vale destacar, por fim, a doutrina de Marcelo Neves, trazendo a respeitável tese do Transconstitucionalismo51, com precisão e consistência em que se articula. Neves propõe a superação do conceito de acoplamento estrutural entre sistemas funcionais da sociedade moderna de Niklas Luhmann, utilizando-se, para tanto, do conceito de racionalidade transversal, que diz respeito aos entrelaçamentos que servem de aprendizados ou influências recíprocas entre esferas da sociedade com racionalidade ou experiências diversas. Pelo transconstitucionalismo, então, aborda-se a superação do constitucionalismo provinciano, em que o Estado não é mais o locus privilegiado como outrora para a solução dos problemas constitucionais, implicando o necessário reconhecimento de diversas ordens jurídicas entrelaçadas. Trata-se, pois, de uma conversação constitucional52.

Nessa lógica de raciocínio, afirma o autor que os problemas constitucionais, por surgirem em diversas ordens jurídicas, diante de sua transterritorialidade, exigem soluções no entrelaçamento entre as mesmas e não como circunscritas a determinado Estado. Assim, desenvolve o autor o conceito de uma Constituição transversal do Estado constitucional:

Ultrapassando-se o puro conceito de acoplamento estrutural, pode-se compreender a Constituição do Estado constitucional não apenas como filtro de irritações e influências recíprocas entre sistemas autônomos de comunicação, mas também como instância da relação recíproca e duradoura de aprendizado e intercâmbio de experiências com as racionalidades particulares já processadas, respectivamente, na política e no direito. Isso envolve entrelaçamentos como “pontes de transição entre ambos os sistemas, de tal maneira que pode desenvolver-se uma racionalidade transversal específicas.53

No plano dos valores e dos nobres ideais, os esboços teóricos apresentados, que se aventuram com um olhar de remodelagem do constitucionalismo contemporâneo, parecem confluir em perceber o óbvio: um novo caminho precisa ser trilhado. Todavia, as dificuldades estão um passo adiante. Como horizonte axiológico, já dada a largada. Mas, e no plano das operações concretas do sistema jurídico? Aqui as perplexidades são bem maiores e o confiante otimismo no futuro do constitucionalismo pode ser temperado. Até o momento, a globalização se ressente da falta de mecanismos capazes de manter um processo de organização político-jurídica que garanta complexidade e democracia no plano mundial.

5 Considerações finais

Ante o exposto, parece um caminho sem volta a percepção de uma sociedade global, embora ainda sem uma normatização segura que corresponda ao efetivo estágio do pluralismo jurídico contemporâneo, calcado em uma concepção que não se limita às fronteiras nacionais. Por isso, buscou-se neste artigo uma breve síntese de tema significativamente importante e de forte impacto nos dias atuais, sobretudo, quando se percebe a construção contemporânea da Constituição como elemento central do sistema jurídico. É claro que, não havendo espaço para se debruçar de forma minuciosa sobre as diversas e complexas alternativas e tendências propostas, o que demandaria um trabalho de natureza diversa da que este se propõe, teve-se que optar por fazer um apanhado daquelas que estão a merecer maior destaque.

De toda forma, um novo cenário se apresenta e precisa ser enfrentado diante do declínio da soberania estatal e da noção de transnacionalização da dimensão jurídica, razão pela qual se torna imperioso repensar a estrutura de organização estatal e as bases conceituais em que se firmou o constitucionalismo. O vertiginoso desenvolvimento da globalização torna-se força irresistível, encurtando drasticamente distâncias e acelerando a ampliação dos mercados, com o agrupamento da sociedade global em um processo de emergentes relações transnacionais que tornam cada vez mais complexa a realidade que nos cerca. Instaura-se, com isso, uma inevitável crise que ecoa sob os domínios da doutrina constitucional.

Os fundamentos inspiradores do constitucionalismo contemporâneo vão se revelando, atualmente, ineficazes e anacrônicos, evidência que se agrava a partir da percepção de que não surgiram, ainda, concepções harmônicas e suficientemente precisas para enquadrar, sob o prisma jurídico, a realidade contemporânea das nossas comunidades políticas. Com efeito, sem prejuízo das conquistas obtidas durante todo o longo percurso de evolução da nossa sociedade moderna, é preciso reconhecer que a teoria constitucional não poderá ficar inerte, devendo acompanhar as mutações de seu tempo, conjugando a jurisdição interna à necessidade de harmonização global na efetiva tutela dos direitos, do que resulta a relevância da análise dos modelos e alternativas teóricas que já se desenvolvem para tal fim.

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[Received/Recebido: Out. 03, 2016; Accepted/Aceito: Mar. 30, 2017]

DOI: https://doi.org/10.18256/2238-0604.2017.v13i3.1585

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