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Do acesso à justiça pleno do brasileiro perante a corte interamericana de Direitos Humanos

Brazilians full access to justice in interamerican court of Human Rights

Dirceu Pereira Siqueira(1); Giovanna Rosa Perin De Marchi(2)

1 Coordenador e Professor Permanente do Programa de Doutorado e Mestrado em Direito do Centro Universitário Cesumar (UniCesumar), Maringá, Paraná, Brasil. Pós-doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal), Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino - ITE/Bauru.
E-mail:
[email protected] | ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9073-7759

2 Mestranda do Programa do Mestrado em Ciências Jurídicas do Centro Universitário Cesumar (UniCesumar), Maringá, Paraná, Brasil.
E-mail: [email protected] | ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6436-9745

Resumo

Através da metodologia de pesquisa bibliográfica e documental, com método indutivo, o presente artigo verificará a impossibilidade dos indivíduos, principalmente dos brasileiros, de ter o pleno acesso à justiça perante o Sistema Regional Americano de Proteção aos Direitos Humanos ante o impedimento de peticionamento direto e representação própria perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o que constitui um obstáculo na proteção e efetivação dos próprios Direitos Humanos per se à eles consagrados, capaz de gerar o sentimento de insatisfação e injustiça, propondo-se, ao final, a evolução do Sistema, inspirado no Europeu como modelo, capaz de suprir essa falta de legitimação.

Palavras-chaves: Legitimidade Ativa. Sistema Regional Americano de Proteção aos Direitos Humanos. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Pleno Acesso à Justiça.

Abstract

Using bibliographic research methods, this study will demonstrate how indivuals, especially Brazilians, do not have full access to justice in Interamerican Court of Human Rights because they are not legitimize to address a formal petition direct to the Court, which constitute as an obstacle to the protection an effectiveness of Human Rights, and can generate discontent and injustice feeling. This article proposes, by the end, an evolution to the American Regional System of Human Rights Protection, able to provide this lack of legitimation, inspired with the European System.

Keywords: Legitimize to address a formal petition. American Regional System of Human Rights Protection. Interamerican Court of Human Rights. Full Access to Justice.

1 Introdução

Encontra-se em textos legais internacionais emitidos muito tempo antes do término da Segunda Guerra Mundial a ideia de uma ordem jurídica internacional baseada na cooperação entre as nações, de cunho protetivo aos seres humanos, inclusive, anterior ao Século XIX, como, por exemplo, as legislações internacionais dos idos de 1800, referente à proibição do comércio de escravo e pirataria, assim como o Tratado de Westfalia de 1648 que já ensejavam, naquela época, uma ordem global superior à Soberania de cada Estado, focada na paz e na proteção do indivíduo.

Entretanto, nunca houvera, nestes textos internacionais anteriores a Segunda Guerra Mundial, mecanismos de denúncia, proteção e efetivação dos Direitos Humanos em face aos Estados violadores. Ante a ineficiência e desmoronamento da Liga das Nações, com a ocorrência do genocídio Judeu e da Segunda Guerra Mundial que quase devastou o continente Europeu, os Estados se reuniram, preocupados com uma nova ocorrência destas atrocidades, e propuseram uma ordem jurídica global, cujo objetivo é a concretização e proteção dos direitos essenciais ao homem.

Dentro do contexto proteção dos Direitos Humanos e Ordem Internacional, verifica-se a criação de dois sistemas de proteção: um Global, com destaque maior à ONU (Organização das Nações Unidas); e outro, os Regionais, emergidos no bloco Europeu, Americano e Africano, de forma a organizar os Estados e efetivar o cumprimento dos Direitos Humanos pelos países destes continentes.

No Sistema Regional Americano de Proteção dos Direitos Humanos, destaca-se como entidade máxima a Organização dos Estados Americanos (OEA), sendo a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) o documento de maior importância na região, pois consagra direito material (Direitos Humanos per se) e estipula mecanismos de proteção destes direitos, ao criar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A Comissão é o órgão político e fiscalizador, enquanto que a Corte é o órgão jurisdicional e consultivo deste sistema. Todo Estado americano que tenha, por ato de Soberania, reconhecido a jurisdição da Corte e da Comissão, poderá ser objeto de denúncias e condenação deste Sistema. Qualquer cidadão pode enviar à Comissão denúncias contra o Estado infrator dos Direitos Humanos consagrados pela ordem internacional da região, sendo que esta faz um juízo de admissibilidade da denúncia, investiga, propõe conciliação e remete à Corte apenas os casos em que ela julgar constatada a violação.

Seguindo esta ordem internacional de proteção e efetivação da liberdade, dos Direitos Humanos e da Dignidade da pessoa Humana, o Estado brasileiro, juntamente com a sua Assembleia Constituinte, quando da edição da Constituição Federal, promulgada em 1988, também optou pela proteção destes Direitos, inserindo-os no Capítulo “Dos Direitos e Das Garantias Fundamentais”, trazendo um rol expressivo e não taxativo, nos artigos 5º e seguintes, os direitos necessários e garantidos pelo Estado a sua efetivação à todo e qualquer cidadão brasileiro.

A Ordem Constitucional brasileira instituída em 1988 não se tratava apenas de seguir a Ordem Internacional de proteção de tais direitos essenciais ao ser humano, mas sim uma forma de contenção da abusividade praticada pelo Estado, vivenciada durante os vinte e cinco anos de Ditadura Militar, sendo que, inclusive, a “Dignidade da Pessoa Humana” já vem desde o primeiro artigo da Constituição, sendo este o real escopo e objetivo do ordenamento jurídico brasileiro.

O Estado Brasileiro, por um ato de Soberania, reconheceu a jurisdição da Corte e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, submetendo-se às denúncias de violação dos Direitos Humanos consagrados na ordem regional americana, cometida pelo Estado contra seu povo.

Acesso à Justiça, essencial para a existência do modelo de Estado Democrático de Direito proposto pela normativa constitucional, também é identificado como um Direito e Garantia Fundamental, expressamente previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição - “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça de direito”.1 Inclusive na própria Convenção Americana de Direitos Humanos, o acesso à justiça é consagrado, conforme se observa o Artigo Oitavo, item 1 do texto2.

Neste contexto, observa-se que o modelo proposto pelo Sistema Regional Americano de Proteção dos Direitos Humanos não viabiliza o acesso à justiça pleno daquele que sofrera a violação de algum direito cometido pelo Estado infrator. Isto, pois, há um juízo de admissibilidade realizado pela Comissão antes de submeter o caso à apreciação da Corte. Além disto, quando a lide tramita perante a Corte, o indivíduo vítima não participa do processo de julgamento, sempre representado pela Comissão, pois apenas esta e os Estados tem legitimidade para atuar perante o órgão jurisdicional, nos termos do artigo 61 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Por esta razão, este artigo se objetiva a identificar realmente se há um obstáculo ao acesso à justiça pleno do brasileiro perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, propondo-se, ao final uma evolução no sistema, ideal para suprimir tal empecilho.

2 Do modelo existente no sistema regional americano de Direitos Humanos

Os Direitos Humanos são efetivados e protegidos pelos sistemas de proteção, mecanismos necessários para frear as ações ou omissões abusivas do Estado que ensejam violações dos Direitos Humanos conferidos em diversos Tratados Internacionais.3

Os mecanismos e a proteção existentes na atualidade, consagrados depois do término da Segunda Guerra Mundial, são resultados de uma longa evolução histórica. Embora se acredite que o surgimento das legislações internacionais e do próprio Direito Internacional somente tenha sido originado depois do término da Segunda Guerra Mundial, observa-se a existência de diversas leis e, inclusive o acesso ao Direito Internacional já no Século XIX. Mesmo que seja argumentado que os indivíduos não tinham acesso ao sistema de proteção, já nesta época se encontravam medidas de proteção às minorias, como as legislações proibitivas do comércio de escravos e contra a pirataria.4

Inclusive, destaca-se a Cláusula Martens, prevista tanto nas Convenções de Haia de 1899 e na de 1907, como o corpo legislativo que originou de fato, em termos de positivação, o Direito Internacional, reconhecendo a necessidade de criação de uma ordem jurídica transcontinental, ao conferir proteção aos civis e beligerantes mesmo sem haver um código mais completo sobre as leis de guerra, sendo considerada esta proteção do indivíduo um princípio de Direito Internacional.5

Apesar de apenas prever proteção aos civis de forma geral, a Cláusula Martens significou muito mais, tendo em vista que trouxe o início do Direito Internacional positivado, reconhecendo expressamente a própria existência do mesmo pela primeira vez, assim como, também trouxe, uma saída para o Direito Internacional, que, através da Cláusula Martens, consegue resolver questões emergenciais no conflito armado internacional com maior rapidez.

Portanto, observa-se neste processo histórico e nos primeiros Textos Internacionais elaborados por mais de dois Estados, a vontade de criação de um órgão supraestatal com atuação transcontinental, com escopo de proteger o ser humano. Inclusive, observa-se que, antes mesmo da ocorrência da Segunda Guerra Mundial, já existia tal órgão, a Liga das Nações, criado no fim da Primeira Guerra Mundial, com pluralidade de Estados adeptos, cujo objetivo era a promoção da paz no globo, que veio a desmoronar e extinguir justamente ante a ocorrência da Segunda Guerra Mundial, com a incapacidade de frear as atrocidades do nazismo na Alemanha.6

A razão da ineficiência e do desmoronamento da Liga das Nações se dera justamente pela inexistência de mecanismos de proteção dos Direitos Humanos, da forma como encontramos nos atuais Sistemas de Proteção, sendo esta a principal distinção entre a Liga das Nações e a Organização das Nações Unidas.7

Portanto, quando do término da Segunda Guerra Mundial e a criação do órgão supraestatal com objetivo de consagração da paz e efetivação dos Direitos Humanos – Organização das Nações Unidas (ONU) – aprendeu-se com os erros do passado, instaurando um Sistema Global, com mecanismos de proteção dos Direitos Humanos e responsabilização dos Estados violadores, verificada pela criação da Comissão de Direitos Humanos da ONU; da Corte Internacional de Justiça; do Novo Conselho de Direitos Humanos da ONU; dos Comitês de Direitos Humanos entre outros especiais, definidos em cada Tratado encabeçado pela ONU e assinado por diversos Estados.

Em contrapartida, observa-se que o Sistema Global é um tanto quanto grandioso, sendo impossível de tal órgão supraestatal fiscalizar e punir todos os Estados violadores de Direitos Humanos, principalmente ante as inúmeras diferenças regionais existentes, razão pela qual surgiram os Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos, sendo eles: o Americano, Europeu e Africano e um incipiente Asiático.

Todos esses sistemas de proteção dos Direitos Humanos (Global e os Regionais) coexistem e se complementam:

Em outras palavras, tais sistemas não podem ser compreendidos de forma estanque ou compartimentalizado, mas sim coordenadamente. Isso significa que a falta de solução para um caso concreto no sistema interamericano (ou no sistema europeu, ou africano) de direitos humanos, não impede a vítima de se dirigir às Nações Unidas para vindicar o mesmo direito, previsto em tratado pertencente ao sistema global (v.g. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966). A recíproca também é verdadeira. Não encontrada a solução no sistema global, a vítima em causa pode buscar solução no sistema regional em que a violação de direitos humanos ocorreu, peticionando à Corte Interamericana de Direitos Humanos (caso a violação tenha ocorrido baixo a jurisdição de algum Estado do Continente Americano, que tenha ratificado a Convenção Americana e aceito a jurisdição contenciosa da Corte Interamericana) ou à Corte Europeia de Direitos Humanos (se a violação tiver ocorrido em país europeu que é parte na Convenção Europeia de Direitos Humanos) ou, ainda, à Corte Africana dos Direitos Humanos e dos povos (quando a violação tiver ocorrido em Estado africano parte no Protocolo à Carta Africana), para que o tribunal condene o Estado faltoso e a indenize se for o caso.8

O Estado Brasileiro faz parte tanto do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos como também, do Sistema Regional Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. O Estado Brasileiro confirma sua participação perante o Sistema Regional Americano apenas com o término da Ditadura Militar, depositando sua carta de adesão em 25 de setembro de 1992, publicando-a no direito interno através do Decreto N. 678, de 6 de novembro de 1992, reconhecendo a competência jurisdicional da Corte através do Decreto Nº 4.463, de 8 de novembro de 2002.

Dentro do Sistema Regional Americano a Organização dos Estados Americanos é o principal órgão supraestatal responsável pela criação, fiscalização e julgamento dos Estados violadores dos Direitos Humanos. Composto por quatro principais documentos internacionais: Carta da Organização dos Estados Americanos de 1948; Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de1948; Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 – conhecida como Pacto de San José da Costa Rica- e, por fim, o Protocolo Adicional à Convenção Americana em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – conhecido como Protocolo de San Salvador de 1988.

A Convenção Americana, além de prever parte do direito material no seu texto normativo, ao prever direitos civis e políticos essenciais aos cidadãos do continente americano, não estabelecendo direitos econômicos, sociais e culturais na Convenção, que vieram apenas com Protocolo Adicional de San Salvador em 1988, na parte final do texto estabeleceu os mecanismos de proteção desses direitos: a Corte Interamericana e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é o órgão político e fiscalizador do Sistema, enquanto que a Corte é órgão jurisdicional e consultivo. Dentre as prerrogativas da Comissão, destaca-se sua responsabilidade em analisar as denúncias de violação aos direitos humanos: “Qualquer pessoa ou grupo de pessoa ou entidade não governamental reconhecida por, pelo menos um dos Estados-membros pode apresentar à Comissão petições de denúncias ou queixas de violação aos Direitos Humanos estabelecidos na Convenção.”9

Entretanto, essa competência da Comissão depende da anuência do Estado-membro, nos termos de declarar expressamente se aceita ou não este mecanismo de proteção dos Direitos Humanos, nos termos do artigo 45 da Convenção, que expressamente diz: “A Comissão não admitirá nenhuma comunicação contra um Estado que não haja feito tal declaração”10. Portanto, por um ato de soberania o Estado declina sua submissão aos mecanismos de proteção instituídos pela Convenção Americana de Direitos Humanos.

Quanto aos pré-requisitos para admissibilidade das petições à Comissão, a Convenção Americana determina que seja necessário que todos os recursos da jurisdição interna tenham sido interpostos e esgotados.11

Neste âmbito, a Comissão somente atuará e aceitará tais petições caso não exista legislação interna do Estado que proteja o Direito pleiteado, ou também, caso exista o Direito, o devido processo legal para sua proteção não fora respeitado; ou caso não tenha sido permitido o acesso à jurisdição interna, ou caso tenha acesso à jurisdição, o pleiteante fora impedido de esgotar todos os meios; ou houve demora injustificada na decisão sobre os recursos.12

Com relação ao esgotamento da jurisdição interna:

Mesmo antes da entrada em vigor da Convenção Americana a prática da Comissão já demonstrava que o pressuposto do prévio esgotamento dos recursos internos não é imutável ou absoluto, uma vez que, segundo a Comissão, o que se deve realmente levar e conta é o dato de os “recursos internos” visarem à reparação efetiva do dano e não o seu simples esgotamento “mecânico”. É bastante comum, na prática interamericana, os Estado alegarem o não esgotamento dos recursos internos pelos peticionários como forma de exceção processual. Falta bom senso, contudo, a muitos deles, quando pretendem exigir um esgotamento prévio dos recursos internos em processos que há anos vêm tramitando a passos de tartaruga [...]. No caso Damião Ximenes, passados quase sete anos da propositura da ação penal pelo Ministério Público cearense e da ação civil de reparação de danos proposta pela família da vítima, não havia sequer uma sentença proferida pela Justiça do Ceará.

A morosidade processual dentro dos Estados do continente americano é a fundamentação mais recorrente e utilizada nas denúncias apresentadas à Comissão por violação de Direitos Humanos. Em todos os sete processos submetidos à Corte contra o Estado brasileiro, a morosidade ou a falta de julgamento na jurisdição interna ensejaram as denúncias perante a Comissão, que, depois de processado seu “juízo de admissibilidade” submete o caso à Corte.13

Outros pré-requisitos de admissibilidade das petições à Comissão, conforme previsto na Convenção são: que petição seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva; que a matéria da petição não esteja pendente em outro processo internacional; e que a petição contenha o nome, nacionalidade, profissão, domicílio e assinatura da pessoa que a submeta.14

Quanto ao processo perante a Comissão, conforme previsto na Convenção e no seu Regulamento Interno, verifica que a mesma recebe a petição, constata-se a admissibilidade da petição, solicita as informações ao Governo do Estado denunciado, depois de recebidas as informações, será checado se existe ou não motivos da denúncia, decidindo pelo arquivamento ou prosseguimento da mesma.15

No caso da Comissão optar pelo prosseguimento da denúncia, poderá propor, previamente, uma conciliação entre as partes interessadas, chamando-se para compor o Estado infrator, caso isto seja possível, caso não seja possível, a Comissão enviará recomendações ao Estado denunciado, sendo que, se tais recomendações não forem cumpridas num prazo razoável, estipulado na própria recomendação, o caso é submetido à apreciação da Corte Interamericana de Direitos Humanos.16

Já a Corte Interamericana de Direitos Humanos é o órgão jurisdicional do Sistema Regional Americano, que resolve litígios de violação de direitos humanos praticada pelos Estados-membros, cujos casos são submetidos depois da Comissão fazer a análise da denúncia de violação.

Assim como na Comissão, a competência contenciosa da Corte é facultativa, limitada aos Estados que, por ato de soberania, reconheceram expressamente por declaração tal competência.

Quanto à legitimidade para atuar e submeter os casos a Corte, salienta o trazido pelo Artigo 61 da Convenção, que delimita tal função apenas para os Estados-membros da Corte e para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.17

Portanto, tanto os particulares quanto as instituições privadas não podem ingressar diretamente com demandas perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Será a Comissão, que atuará como uma “instância” preliminar à jurisdição da Corte, que submeterá a denúncia de violação de Direitos Humanos à apreciação da Corte, podendo também assim agir outro Estado pertencente ao Sistema, desde que tenha aceito a jurisdição do tribunal impondo ou não a condição de reciprocidade18:

Frise-se vem este último caso: um Estado-parte na Convenção pode peticionar diretamente à Corte contra outro Estado-parte na Convenção, à guisa de uma ação popular internacional, pois a garantia dos direitos humanos é uma obrigação objetiva que interessa a todos os seus Estados-parte19.

Do litígio que decorre da Corte, sentenças de mérito são enunciadas. Tais sentenças, conforme estabelece o artigo 67 da Convenção, são definitivas e inapeláveis, de cumprimento obrigatório pelos Estados-membros. As sentenças podem ser condenatórias, ou seja, que impõe à Corte o pagamento de justa indenização à parte lesada. Pode haver, também, uma sentença moral, nos termos de rever alguma lei, no direito interno do Estado-membro Réu, que infringe os Direitos Humanos.20

Em suma, numa breve análise da forma de tramitação dos casos de violação de Direitos Humanos perante o Sistema Americano, verifica-se a impossibilidade de peticionamento direto do indivíduo perante a Corte, dependendo totalmente da Comissão para submeter as denúncias ao juízo jurisdicional. No próximo capítulo será analisado se esta restrição pode ser interpretada como empecilho ao indivíduo, principalmente ao brasileiro, de acesso pleno à justiça internacional do sistema regional americano.

3 Do acesso à justiça pleno

Como observado no capítulo anterior, a ordem internacional surgiu com o término da Segunda Guerra Mundial trouxe em voga a proteção e garantia dos Direitos essenciais à Pessoa Humana. Essa teoria jurídica comprometida com os valores humanitários logo se difundiu dentro dos Estados Democráticos, sendo adotada intensamente nos textos constitucionais à partir do Século XX, direitos os quais receberam a titulação de “Direitos e Garantias Fundamentais”, ganhando, geralmente, destaque no ordenamento jurídico.

Neste contexto, a Constituição Federal brasileira adotou a tendência em seu ordenamento jurídico quando promulgada em 1988, principalmente ante o encerramento da Ditadura Militar vivenciado no Brasil desde meados da década de 1960, cujos direitos civis e políticos eram praticamente inexistentes, e severo desrespeito à qualquer garantia individual, inserindo no texto normativo de 1988 uma série de Direitos e Garantias Fundamentais não apenas no conhecido artigo 5º, mas também, no interregno de toda a Constituição.

Já no preâmbulo da Constituição, verifica-se a nova ordem jurídica imposta no país, adotando um Estado Democrático de Direito destinado “a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”21, tendo como fundamento a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político.

Portanto, assim como a ordem jurídica internacional, a Constituição de 1988 também elegeu a pessoa humana como seu valor supremo, sendo valor fundante do Estado brasileiro, que deve inspirar todos os poderes do Estado e, inclusive, o agir de cada pessoa, ou seja, um “valor nuclear do ordenamento”.22

Sarlet determina que a dignidade da pessoa humana não figura como direito natural “metapositivo”, mas sim, forma de concretização constitucional dos direitos fundamentais, ou seja, o artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988 não traz a Dignidade como uma norma programática, pois se trata de um supraprincípio constitucional, sendo uma norma norteadora dos demais princípios e regras do ordenamento jurídico brasileiro.23

Utilizando-se da concepção Kantiana, a dignidade é um atributo intrínseco e indissociável ao ser humano, tratando-se de uma norma com valor, princípio e regra, fundamental na ordem jurídica do Brasil, com dupla função: defensiva e prestacional. É assegurada a sua não violação, mas também, determina a ação do Estado e toda a sociedade a realizar condutas positivas para sua promoção e concretização.24

Neste liame, encontra-se dentro do ordenamento jurídico constitucional, norteado pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, direitos e garantias fundamentais, um leque de direitos proporcionado ao cidadão brasileiro, essenciais para sua condição humana, definidos como posições jurídicas subjetivas das pessoas enquanto pessoas per se, sendo consideradas tanto no plano individual, quanto que no coletivo, previstos na Constituição (formal e material).25

Neste contexto, o acesso à justiça é um Direito Fundamental que advém da consagração do direito à tutela jurisdicional prevista na Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso XXV, também conhecida como princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, na qual, toda lesão ou ameaça a direito poderá ser submetida à apreciação do Poder Judiciário, outorgando ao indivíduo ou à coletividade o direito de ação, não se esgotando com o mero ingresso da demanda, mas sim, com a realização de todos os atos que validam o processo e oportuniza um resultado prático, efetivando o direito material:

A pretensão processual só tem sentido em função da pretensão formulada no direito material. Processo e direito existente não caminham necessariamente juntos. É possível que a relação processual termine sem que o juiz chegue a formular a regra sobre a situação da vida trazida para exame e julgamento. Mas a afirmação de um direito, de uma relação jurídica substancial, constitui elemento imprescindível ao processo. A jurisdição atua sempre em junção de um direito afirmado. A ação não pressupõe direito existencial, mas seu exercício não prescinde da afirmação de um direito material. A defesa, além de conter eventuais alegações sobre defeitos do próprio instrumento (defesa de natureza processual) volta-se contra a existência desse direito (defesa de mérito).26

Portanto, o ordenamento jurídico brasileiro, ao consagrar o acesso à justiça como Direitos Fundamentais, determina que todo e qualquer meio deverá estar à disposição do cidadão e da coletividade na busca da concretização de seu Direito, não podendo o Poder Judiciário se afastar desta proteção, sendo este a ferramenta de maior importância para a efetivação da Dignidade da Pessoa Humana e dos demais Direitos Fundamentais protegidos.

Com relação à ordem internacional, assim como é na ordem interna brasileira, o acesso à justiça é a forma de garantir o cumprimento e a efetivação dos direitos materiais, neste caso, os Direitos Humanos.

O Acesso à Justiça é expressamente previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos, que no artigo oitavo, expressamente prescreve:

Artigo 8º - Garantias judiciais. 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Se o acesso à justiça é uma garantia judicial, um Direito civil Humano reconhecido na própria Convenção Americana de Direitos Humanos, garantido a todos, seja na ordem interna, seja ordem internacional, não há lógica que a legitimação do indivíduo na esfera internacional seja condicionada à representação de um órgão, com um prévio juízo de admissibilidade.

Condicionar a atuação do indivíduo e sua representação perante na Corte ao juízo de admissibilidade realizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sendo esta a única responsável pela submissão das denúncias de violação dos Direitos Humanos ao órgão jurisdicional que é a Corte Interamericana de Direitos Humanos, representa um empecilho ao pleno acesso do indivíduo à proteção e efetivação dos Direitos Humanos à ele consagrados.

Portanto, o modelo atual de proteção dos Direitos Humanos perante Sistema Regional Americano é limitador no quesito Acesso à Justiça, não tendo sequer consonância com o Direito Material preconizado no próprio Pacto de San José da Costa Rica, que determina em seu Artigo oitavo, uma dicotomia. Por esta razão, discutirá no capítulo seguinte na necessidade de evolução do mesmo, capaz de suprimir este limitador da ação do indivíduo na proteção e efetivação dos seus direitos humanos.

4 Da necessidade de evolução do sistema regional americano para efetivação do acesso à justiça pleno

Antes de verificar a necessidade de evolução do modelo existente no Sistema Americano de Proteção dos Direitos Humanos, cumpre destacar quem são os sujeitos do Direito Internacional, pois se o indivíduo não tem a capacidade para atuar nesta ordem, desnecessária a proposição de evolução do mesmo.

Portanto, assim como o direito interno brasileiro, que tem seus sujeitos de direito – a pessoa física e a pessoa jurídica - o Direito Internacional também possui seus sujeitos, que detêm personalidade jurídica perante a ordem internacional, sendo eles os entes ou entidades cuja conduta está prevista no Direito das Gentes (direitos e obrigações internacionais).27

Detacam-se os requisitos para ser sujeitos de Direito Internacional:

[...] a) só são sujeitos do Direito Internacional aqueles que estão em relação direta e imediata com a norma internacional e que não necessitam de qualquer intermediação estatal para que os efeitos da norma se projetem em sua esfera jurídica (pois é evidente que o Direito Internacional agita os sujeitos do Direito interno - v.g. uma empresa ou uma pessoa jurídica de direito público internacional como um município etc. - mas só por meio das medidas tomadas pelo respectivo Estado); b) a personalidade jurídica internacional pode ter vários graus de capacidade (que pode ser mais ampla como no caso do Estado ou menos ampla como no caso dos indivíduos); e c) a personalidade jurídica de Direito Internacional nem sempre coincide com a de Direito interno, podendo uma pessoa jurídica de Direito interno não ter (ou não poder ter) personalidade jurídica internacional ou, pelo menos, a capacidade que o Direito interno atribui a uma pessoa pode ser diferente da que o Direito Internacional lhe reconhece (como é o caso dos indivíduos, como veremos adiante).28

Portanto, são sujeitos de Direito Internacional aqueles que a norma internacional diz respeito direta e imediatamente, sendo que a personalidade jurídica internacional poderá ser graduada em capacidade de atuação, e, nem sempre esta personalidade jurídica poderá coincidir com personalidade jurídica de uma pessoa no direito interno.

Nestes termos, são sujeitos de Direito Internacional: a) Estados; b) as coletividades interestatais; c) coletividades não estatais e d) indivíduos (particulares).29

Os Estados são os primeiros sujeitos que nascem quando a sociedade internacional se forma, são os sujeitos clássicos (ou originários - tradicionais) de Direito Internacional. São sujeitos “primários e plenos do direito das gentes, já que só eles possuem uma subjetividade internacional per se sem condições”.30

As Coletividades Interestatais são as Organizações Internacionais, as entidades formadas por associações de vários Estados no âmbito internacional, cuja criação se dera para uma determinada finalidade.31

As Coletividades não Estatais são as entidades não ligadas a um Estado específico, mas que têm atuação condicionada no âmbito internacional, tais como: beligerantes; insurgentes; movimentos de liberação nacional; e Soberana Ordem Militar de Malta.

Os Beligerantes são os grupos formados dentro de um Estado. Trata-se de um movimento armado e politicamente organizado, cujo objetivo é o desmembramento ou mudança de governo (regime), causando, inclusive, uma guerra civil. Se estes grupos se demonstram ser suficientemente forte, tendo os demais membros da sociedade internacional conferido ao grupo a qualidade de beligerante, acaba igualando-o ao Estado do qual se rebela. Trata-se de reconhecimento interino, até que a situação naquele Estado se normalize, seja pela desconstituição grupo que estava no poder e, consequente constituição do grupo beligerante no poder.32

Os Insurgentes são os casos de conflitos dentro do Estado com a intenção de modificar o sistema político, mas não chega a grandes proporções como os Beligerantes, não havendo uma guerra civil. Eles dependem de uma manifestação formal do Estado para a criação de direitos e deveres na esfera internacional como sujeitos de Direito Internacional.33

Os movimentos de libertação nacional são grupos de pessoas dentro de um Estado que lutam contra governos racistas, sendo que personalidade jurídica internacional se dá em três âmbitos: “direito humanitário, no direito dos tratados e nas relações internacionais”.34

A Santa Sé o Estado da Cidade do Vaticano são duas personalidades jurídicas Internacional da Igreja Católica, em que o Papa é o chefe de Estado de ambas. A Santa Sé é um sujeito de Direito Internacional, podendo realizar tratados internacionais com demais Estados. O Estado da Cidade do Vaticano é de fato um Estado e, como tal, pertence à sociedade internacional, com capacidade para celebrar tratados com outros Estados. Sobre ambos:

Estado da Cidade do Vaticano tem como forma de governo a monarquia absoluta, cujo chefe de Estado é o Sumo Pontífice, que detém a plenitude dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Quanto ao Poder Legislativo, além do Papa, também o exerce (em nome dele) uma Comissão composta por um Cardeal Presidente e de outros Cardeais, nomeados por um quinquênio. O Poder Executivo é dirigido por um Presidente com o auxílio de um Secretário Geral e do Vice-Secretário Geral. Por fim, o Poder Judiciário é exercido, também em nome do Papa, pelos órgãos para tal fim criados pela legislação do Estado do Vaticano.35

Por fim, os Indivíduos, são sujeitos de Direito Internacional. Entretanto, a Doutrina determina que os mesmos possuem capacidade limitada de atuação no plano internacional, fato que não lhes retira a personalidade jurídica, eis que, inclusive, há responsabilização dos indivíduos no plano internacional, como é o que ocorre nos crimes contra a paz e a humanidade, verificando a capacidade dos indivíduos participarem das relações internacionais tanto no polo ativo (peticionando para tribunais internacionais ou recebendo proteção diplomática) quanto que no polo passivo.36

Portanto, os indivíduos são sujeitos de Direito Internacional e podem atuar nesta esfera. Com relação ao Sistema Regional Americano de Proteção dos Direitos Humanos a atuação dos indivíduos para denúncias dos Estados pelo descumprimento da legislação da Convenção é limitada, tendo em vista que dependem da Comissão para atuar na Corte, ou seja, apresentam a denúncia à Comissão e esta, depois de observado os trâmites determinados na Convenção e no Regimento Interno, verifica se o caso deve ser submetidos à Corte ou não.

No ano de 2009, o Regulamento da Corte Interamericana modificou, instaurando em seu artigo 25.1 a permissão para os indivíduos (vítimas), depois de submetida a demanda pela Comissão à Corte, de atuar durante o processo, apresentando petições, argumentos e provas, auxiliando a Comissão durante o processo perante a Corte37. Embora permitiu à vítima – o indivíduo – per se legitimação para atuar no interregno do processo perante a Corte, tal acesso à justiça ainda é restrito, visto que depende da Comissão para a submissão da denúncia à Corte, para então poder atuar como parte interessada, semelhante à um assistente de acusação.

Por esta razão, constata-se que o acesso pleno à justiça per se, ou seja, o acesso direto à Corte é limitado. Tão limitado que desde a plena aceitação do Estado Brasileiro à jurisdição da Comissão e da Corte desde 2002, observa-se que apenas singelas sete denúncias foram submetidas à apreciação da Corte: Damião Ximenes Lopes; Nogueira de Carvalho, Escher; Garibaldi; Gomes Lund (“Guerrilha do Araguaia”); da Fazenda Brasil Verde; e Favela Nova Brasília.38

Conforme gráfico em anexo, com dados extraídos da própria Comissão, observa-se as Estatísticas do Estado Brasileiro, verifica-se que 2006 a Comissão recebera 66 denúncias; 2007 foram 80; 2008 foram 64; em 2009, 83 denúncias; em 2010, 76 denúncias; em 2011, 68 denúncias; em 2012, 96 denúncias; em 2013, 88 denúncias; em 2014, foram 92 denúnicas; em 2015, 99; e em 2016, foram apresentadas 131 denúncias.39

Nesta progressão, apenas se evidencia, com o aumento no número de denúncias, que: o Estado Brasileiro tem aumentado nas suas condutas/omissões ilícitas que ensejam violação de Direitos Humanos; e, que o próprio Sistema Interamericano e os Direitos Humanos têm sido mais difundido dentro do Estado Brasileiro, visto que mais pessoas têm recorrido à Comissão para denunciar atos/omissões de violação de Direitos Humanos.

Entretanto, quando se observa as estatísticas de “petições pendentes de estudo inicial” e “petições e casos em trâmite”, verifica-se o quão moroso é o processo perante à Comissão e o próprio processo jurisdicional perante a Corte, visto que depende da Comissão submeter o caso para apreciação da Corte.

Isto, pois, com relação às “petições pendentes de estudo inicial”, constata-se que no ano de 2011, 264 petições estavam pendendes de apreciação inicial; no ano de 2012, 318 petições; no ano de 2013, 366 petições; no ano de 2014, 405 petições; e no ano de 2016, houve uma redução para 210 petições. Já com relação às “petições e casos em trâmite”, observa-se que no ano de 2006 eram 89 casos em trâmite, pendentes de resolução; em 2007 eram 101 casos; 2008 eram 108 casos; em 2009 eram 103 casos; 2010 eram 97 casos; em 2011 eram 98 casos; em 2012, 95 casos; em 2013 eram 98 casos; em 2014, 104 casos; em 2015 eram 129 casos; e em 2016 eram 147 casos.40

Portanto, inúmeros os casos de violação dos Direitos Humanos manejados contra o Estado Brasileiro estão parados perante a Comissão, na sua tramitação de juízo de admissibilidade, sem haja a submissão do caso à apreciação jurisdicional da Corte, o que enseja a ineficiência do mecanismo de proteção.

A sensação de ineficácia do próprio Sistema Americano para proteção dos Direitos Humanos, ante a restrição de acesso à Corte (acesso à justiça restrito) por conta do Juízo de admissibilidade realizado pela Comissão que causa a morosidade processual, produz a sensação de injustiça na vítima.

Por esta razão, necessário o acesso à justiça pleno perante o Sistema Americano de Proteção dos Direitos Humano, consubstanciado no modelo existente no Sistema Europeu, em que a atuação dos indivíduos se dá imediata e direta, sendo que o indivíduo peticiona direto para a Corte Europeia dos Direitos dos Homens, razão pela qual se demonstrará a forma de funcionamento deste Sistema, para que se possa fazer uma distinção entre o Americano e o Europeu.

O Sistema Europeu nasceu logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, inclusive uma consequência direta desta, em que alguns Estados europeus (Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Irlanda, Italia, Luxemburgo, Noruega, Reino Unido e Suécia) fundaram o Conselho da Europa, em que as matérias de Direitos Humanos eram muito vagas, razão pela qual, depois do Movimento Europeu (organização internacional aberta à sociedade civil europeia, formada por 41 países e 23 organizações europeias), levou à elaboração de um texto internacional voltado apenas à matéria de Direitos Humanos, surgindo, a então Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).41

O Sistema Europeu tem caráter internormativo, visto que atuam paralelamente sobre a região o mecanismo da Convenção Europeia de Direitos Humanos (vinculada ao Conselho da Europa) e o mecanismo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (elaborada em 7 de dezembro de 2000, composta pelo Parlamento Europeu, Palamentos nacionais, Comissão Europeia e governos dos Estados membros com 28 Estados signatários)42. Portanto ambos – Conselho da Europa e União Europeia – fazem parte do sistema europeu internormativo de proteção, cuja estrutura se dá trdimencional (diálogo entre juízes e tribunais dos Estados-partes).43

A Convenção Europeia tem um expressivo catálogo de direitos protegidos e enseja a proteção de qualquer pessoa que esteja à jurisdição do Estado-parte. Não é necessário ser cidadão europeia para requerer a proteção da convenção, nem mesmo precisa residir no Estado, basta estar lá no momento em que se deu a violação, para ser apto a requerer a proteção da Convenção, visto o artigo primeiro da Convenção “reconhecem a qualquer pessoa dependente da sua jurisdição os direitos e liberdades definidos no título I da presente Convenção”.44

Sobre a titularidade dos indivíduos no Sistema Europeu, o artigo 34 é claro ao afirmar que qualquer grupo de particulares pode peticionar perante o Tribunal quando houver desrespeito à Convenção Europeia, nos seguintes termos:

O Tribunal pode receber petições de qualquer pessoa singular, organização não governamental ou grupo de particulares que se considere vítima de violação por qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Convenção ou nos seus protocolos. As Altas Partes Contratantes comprometem – se a não criar qualquer entrave ao exercício efectivo desse direito.45

Com o intuito de alargar o rol normativo originário da Convenção, inclui-se no sistema europeu diversos protocolos que preveem direitos. Inclusive, a modificação na Convenção que possibilitou o peticionamento dos indivíduos, das organizações não governamentais e grupo de indivíduos o acesso direto e irrestrito à Corte Europeia, com legitimidade de iniciar um processo de forma direta, adveio do Protocolo n. 11.46

Ao conferir tal poder aos indivíduos, consagrou-se o jus standi - possibilidade de ingresso direto - para além do locus standi - que apenas permite a denúncia a ação no sistema regional, sendo representado por um órgão perante a Corte.47

Essa mobilidade dos Protocolos, que ocorre perante o Sistema Europeu enseja uma maior flexibilidade para acréscimo de Direitos à Convenção, o que não é visto no Sistema Americano, eis que os únicos protocolos inseridos no mesmo são: direitos econômicos, sociais e culturais de 1988 e outro sobre a abolição da pena de morte de 199048, razão pela qual se discute a necessidade de atualização da Convenção Americana de Direitos Humanos, visto que a mesma é de 1969.

Portanto, já se discute na doutrina a possibilidade do Sistema Interamericano evoluir da forma como evoluiu o Sistema Europeu, de forma a possibilitar a atuação plena do indivíduo, adotando-se como modelo o Sistema Europeu, o que poderia acarretar maior efetividade ao cumprimento dos preceitos legais estabelecidos na Convenção Americana de Direitos Humanos, sob a premissa de que quanto maior for a fiscalização e litígio, maior o cumprimento das normas:

Não obstantes os indivíduos (vítimas das violações de direitos humanos ou seus representantes) não poderem ainda demandar diretamente à Corte Interamericana, a projeção que se faz para o futuro, relativamente à sua capacidade processual internacional, é que a ideia de locus standi in judicio (ou seja, do direito de “estar em juízo” em todas as etapas do procedimento perante a Corte, tal como autoria o art. 25 §1º, do atual Regulamento) evolua para a possibilidade do reconhecimento dos indivíduos peticionarem diretamente ao tribunal interamericano (à guisa do que já ocorre no sistema europeu) em casos concretos de violações de direitos humanos, consagrando-se o desejado jus standi in judicio (ou seja, o direito de “ingressar em juízo” diretamente). Enquanto isso não acontece ao menos o direito de participação das supostas vítimas ou seus representantes durante todo o processo (locus standi) já está assegurado, desde o anterior Regulamento da Corte Interamericana (2000) até o seu Regulamento atual (2009).49

Repisa, a Convenção Americana de Direitos Humanos é de 1969. A Sociedade do continente Americano daquela época mudou significantemente, quando comparada à sociedade do continente Americano deste Século XXI. A Globalização intensificou o contato entre os países, facilitou a divulgação dos próprios Direitos Humanos. Com esta evolução, necessária também a atualização da Convenção, visto a ineficácia da Comissão como juízo de admissibilidade das denúncias, por conta da morosidade que os processos neste órgão tramitam até serem submetidos ao órgão jurisdicional da Corte.

Em um momento que cada vez mais a esfera internacional se agiganta sobre os sistemas jurídicos nacionais, a participação consciente dos indivíduos no processo de tomada de decisão se faz necessária também no âmbito internacional, inclusive com a construção jurisprudencial realizada pelos sistemas regionais de proteção dos direitos humano.50

Nesta evolução dentro do Sistema Interamericano de Diretos Humanos, como fora a que ocorreu dentro do Sistema Europeu, necessária a atualização da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, com o intuito de permetir o acesso irrestrito e direto dos Indivíduos, que são Sujeitos de Direito Internacional, para apresentarem diretamente suas denúncias de violação dos Direitos Humanos à Corte, sem a necessidade de intervenção da Comissão com seu juízo de admissibilidade, que tanto causa morosidade à tramitação dos processos, representando, esta evolução, o acesso pleno à justiça.

5 Considerações Finais

O presente trabalhou buscou trazer ao leitor a forma como funciona o Sistema Americano de Proteção de Direitos Humanos, com seus mecanismos de defesa, em que há limitado acesso à justiça dos indivíduos, inclusive o Brasileiro por fazer parte deste Sistema (aderindo à jurisdição em 2002), tendo em vista que há um juízo de admissibilidade realizado pela Comissão, eis que as denúncias são submetidas à Comissão e esta define, depois de seu procedimento interno, quais casos submete à Corte para a apreciação jurisdicional.

Com isto, demonstrou-se a ineficiência do atual modelo do Sistema Americano, visto que, se tomarmos de exemplo o Estado Brasileiro, desde 2002 até o corrente ano, apenas 07 casos foram submetidos à apreciação da Corte, enquanto que inúmeros se encontram tramitando há anos na Comissão. Esta morosidade no sistema identifica na vítima que teve seus Direitos Humanos violado pelo Estado, o sentimento de injustiça e ineficácia do modelo existente.

Por esta razão, propôs a evolução do Sistema Americano, da forma como ocorreu no Sistema Europeu, com o advento do Protocolo 11, em que conferiu aos indivíduos, vítimas de violação de Direitos Humanos, o acesso direto e irrestrito à Corte Europeia. A Convenção Americana é de 1969, tendo sido incluído apenas dois Protocolos posteriores à sua criação, o de direitos econômicos, sociais e culturais de 1988 e outro sobre a abolição da pena de morte de 1990. A sociedade americana se diversificou e muito desde 1969, principalmente depois dos reflexos da Globalização, razão pela qual, necessária a atualização da Convenção, principalmente no quesito acesso pleno à justiça, de forma a possibilitar qualquer a atuação direta do indivíduo perante o órgão jurisdicional – Corte.

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Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, vol. 15, n. 1, p. 39-60, Janeiro-Abril, 2019 - ISSN 2238-0604

[Received/Recebido: Março 10, 2018; Accepted/Aceito: Julho 18, 2019]

DOI: https://doi.org/10.18256/2238-0604.2019.v15i1.2524

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