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Governança Corporativa nas Empresas Brasileiras de Edificações e Construção Pesada

Corporate Governance on Brazilian Construction and Buildings Companies

Rodrigo Freire Lins(1); Maria de Fátima Bruno-Faria(2)

1 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected]

2 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected]

Resumo

O presente estudo teve como objetivo identificar e descrever as práticas de governança corporativa nas empresas brasileiras de capital aberto dos segmentos de Construção Pesada e Edificações e compará-las com as recomendações do código de “melhores” práticas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, emitido em 2015. Foram identificadas quais práticas haviam sido objeto tanto do código do IBGC quanto das pesquisas científicas nacionais e internacionais na área de Administração revisadas pelo referencial teórico do artigo. Com emprego do método quantitativo, realizou-se uma pesquisa descritiva valendo-se da técnica de pesquisa documental, a fim de verificar a observância ou não de tais características em vinte empresas dos ramos de Edificações e Construção Pesada. Dentre os documentos corporativos, foram analisados os códigos de conduta, formulários de referência e demonstrações financeiras padronizadas a partir dos sites dessas empresas. Pode-se perceber que as empresas brasileiras desses setores possuem indicativo bastante positivo quanto ao nível de Disclosure (divulgação) de suas informações e relação com as auditorias independentes, principalmente após associação aos Níveis Diferenciados de Governança Corporativa da Bolsa de Valores de São Paulo instituídos em 2000. Contudo, verifica-se ainda um cenário de grande desafio para as empresas ao tentarem se adequar aos padrões de governança, dadas suas tradições de organizações familiares e de carência de legislação protetiva aos investidores no país, que interferem definitivamente no nível de independência e longevidade de mandatos nos conselhos de administração em geral.

Palavras-chave: Governança Corporativa, Stakeholders, Disclosure

Abstract

The study aimed to identify and describe corporate governance practices of Brazilian stock market listed companies from Construction and Building sectors and compare them to the recommendations of Brazilian Institute of Corporate Governance “best” practices code launched in 2015. It were identified which practices had been subjects both of the IBGC code and previous National and Internacional scientific researchs in Administration area reviewed by the theoretical reference section of the article. From quantitative approach, it was conducted a descriptive research with documental technique in order to verify if best practices were present or not among twenty companies from Construction and Building sectors. Among the corporate documents collected, there were codes of conducts, reference forms, and annual reports from the websites of the companies. It was concluded that Brazilian companies which belong to Construction and Buildings sectors have a positive level of information Disclosure and relation with independent audit firms, mainly after joining on São Paulo Stock Market’s special categories of corporate governance created in 2000. However, it was verified that Brazilian companies still have great challenges in order to achieve governance standards, considering their family-organization tradition and weak legislation to protect investors’ rights in the country, which have strong impacts on independency levels and longevity of mandates on the board of directors in general.

Keywords: Corporate Governance, Stakeholders, Disclosure

1 Introdução

Diversos escândalos de conhecimento público, como os casos Enron, Global Crossing, Qwest Tyco, Kmart (Mapurunga, Ponte, & Oliveira, 2015), Equity Corp na Nova Zelândia e o do Conselho Nacional de Segurança na Austrália (L’Huillier, 2014), além dos mais recentes em investigação no Brasil, principalmente aqueles relacionados à operação “Lava-Jato”, podem ser atribuídos a uma falha na determinação dos mecanismos de governança, que deveriam seguir princípios como prestação de contas e transparência. Esses casos geralmente apresentam características como pagamento de altos salários e compensações em caso de demissão de executivos, indicações de diretores baseadas em critérios que ignoravam a meritocracia, remuneração variável com foco no curto-prazo ao invés do longo (L’Huillier, 2014).

Utilizando-se de uma abordagem que considera os stakeholders (investidores, funcionários, clientes, público em geral, entre outros) como parte importante no processo de decisões das organizações, combinada com a abordagem da teoria da agência, que considera os agentes de uma organização como oportunistas e nem sempre alinhados com as expectativas dos investidores, este estudo adota a definição de governança corporativa como o conjunto de mecanismos desenvolvidos para minimizar os custos de agência (Gelman, Castro, & Seidler, 2015), buscando reforçar a importância da governança e seus princípios para a geração de um ambiente de maior segurança ao público externo, tais como acionistas e credores (Mapurunga et al., 2015).

A governança corporativa e seus mecanismos de controle mostram-se como formas importantes de aumento dos interesses e garantias para os investidores (Latini, Fontes, & Chambers, 2014) principalmente em um ambiente de negócios como o do Brasil, de alta concentração de propriedade e baixa proteção legal aos investidores, especialmente aos minoritários (Gelman et al., 2015; Latini et al., 2014). A criação de documentos e códigos, como o código do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e a cartilha da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), já aparecem na literatura sobre o tema como uma tentativa de minimizar as consequências de um ambiente como esse para os direitos dos stakeholders. Cada vez mais as empresas tendem a adotar padrões de governança corporativa defendidos por esses códigos, no intuito de atender as demandas do público em geral (gestores, acionistas, investidores, órgãos reguladores e a sociedade em geral), que pretende se certificar a respeito da gestão eficiente, eficaz e ética praticada pelas organizações (Demirbas & Yukhanaev, 2011).

Levando essa evidência em consideração, o sistema de governança corporativa, baseado em princípios de accountability (prestação de contas) e transparência, passa a ser “um mecanismo crucial que garante conformidade com as expectativas sociais” (Elmagrhi, Ntim, & Wang, 2016). Essa conformidade a convenções e padrões socialmente esperados e aceitos pode agregar legitimidade as operações de uma companhia e também alcançar aceitação social (Duff, 2014).

O fator legitimação torna-se ainda mais crítico no momento atual, quando há uma descrença geral na capacidade diretiva das organizações privadas e públicas (IBOPE, 2015), principalmente naquelas enquadradas nos setores produtivos que o estudo foca (construção e edificações), responsáveis por 2,33% das empresas ativas e 5,16% do pessoal empregado em todo o Brasil em 2014, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2014; 2016). Adicionalmente, reforçando a relevância do estudo de governança para as empresas de construção e edificações, notícias vêm sendo veiculadas na mídia a respeito de crimes corporativos praticados por algumas empresas desses segmentos que pressupõem conluio com o poder público. Exemplo disso foi a negociata realizada entre construtoras, lideradas pela empresa Odebrecht, e a Petrobrás, corrompendo o processo desta última de contratação de serviços de terceiros por meio de licitação, como destacam Costa, Neto, Celani e Nour (2017), com base em investigações do Ministério Público Federal. Nessa mesma época, em junho de 2013, houve diversas manifestações públicas em defesa de maior transparência nos gastos com obras da Copa do Mundo de futebol de 2014 (Costa et al., 2017). A partir de então, considerando o impacto social de seus negócios no ambiente nacional, tornou-se necessário o acompanhamento dos mecanismos de governança de tais organizações, com o intuito de assegurar maior credibilidade e confiança aos negócios firmados entre as empresas privadas e os entes públicos.

Além da importância do estudo para o conjunto de interessados nas organizações (stakeholders), o estudo das práticas recomendadas de governança pode fornecer informações aos gestores para o alcance de seus objetivos nas empresas, como o de aumento de financiamento às operações. A governança corporativa, com seu potencial de mitigar os problemas de agência, garante aumento na captação de investimentos externos. Através da redução do risco ao investidor, o prêmio a ser pago ao investidor diminui, e adicionalmente, o custo de capital (Teti, Dell’Acqua, Etro, & Resmini, 2016). Além disso, Bortolon e Silva (2015) demonstram, através de evidências empíricas, que empresas com práticas de governança corporativa mais avançadas têm menor probabilidade de sair da Bolsa de Valores do Estado de São Paulo (BM&F Bovespa), importante fonte de recursos para as empresas analisadas no presente estudo. A partir da presente pesquisa, o esforço por parte das empresas de Construção Pesada e Edificações de capital aberto em adequar-se às regras de governança, e consequentemente atrair investimentos, encontra respaldo, onde nota-se que a maioria das empresas é participante do Novo Mercado, segmento de empresas criado pela Bovespa com o intuito de disseminar “melhores” práticas de governança entre seus integrantes.

Dadas as considerações acima, a respeito da relevância do estudo da governança e dos segmentos de construção e edificações para a economia brasileira, a pesquisa pretende investigar o nível de observância das práticas de governança corporativa recomendadas pelo IBGC entre as empresas brasileiras de capital aberto classificadas pela BM&F Bovespa como pertencentes especificamente aos setores de “construção pesada” e “edificações”.

2 Referencial Teórico

A governança corporativa pode ser entendida como um sistema que, através de mecanismos de controle e incentivos, visa garantir o funcionamento adequado de uma organização. Ela se respalda em princípios como equidade, transparência, prestação de contas, obediência às leis, dentre outros aspectos, conforme destacam o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC, 2015) e Vieira, Velasquez, Losekann e Ceretta (2011). Esses princípios, traduzidos em normas e recomendações de conduta para os administradores das empresas, são essenciais para a manutenção de um ambiente equilibrado entre os mais diversos interesses que influenciam as organizações. É nesse cenário de multiplicidade de forças que os empresários percebem que a gestão desses interesses é importante para a harmonização da relação entre acionistas e gestores, “proporcionando aos primeiros uma maior igualdade de direitos e proteção” (Vieira et al., 2011) e contribuindo para o crescimento e a longevidade da companhia (Bach, Kudlawicz, & Silva, 2015).

2.1 Origem e Teorias da Governança Corporativa

O conceito de governança corporativa, por sua recenticidade, ainda tem origem não convencionada. No Brasil, por exemplo, as discussões a respeito desse tema no meio acadêmico intensificaram-se apenas na década de 1990 (Vieira et al., 2011). Contudo, graças à produção internacional, existem algumas teorias que pressupõem o fenômeno da governança.

A principal e mais tradicional corrente afirma que a existência da governança advém da teoria da agência. Corroborando com essa afirmação, em seu estudo, L’Huillier (2014) investigou a produção da literatura científica de 1985-2012 sobre o tema e suas diversas abordagens. Concluiu que as múltiplas interpretações diferem a partir da percepção que o autor tem a respeito do ser humano pertencente a uma organização. A seguir, apresentam-se duas das abordagens existentes, que foram objeto de discussão no presente estudo: a teoria da agência e a teoria dos stakeholders.

2.1.1 Teoria da Agência

A teoria da agência considera os administradores como oportunistas e egoístas, que protegem prioritariamente seus próprios interesses (Correia, Amaral, & Louvet, 2011; L’Huillier, 2014). Os interesses entre os administradores (agentes) e os acionistas (principal) entram constantemente em conflito, dando origem aos conflitos de agência. Isso se deve à separação entre propriedade e controle (Berle & Means, 1932; Jensen & Meckling, 1976 como citado em Gelman et al., 2015), fazendo com que os investidores criem mecanismos de supervisão dos agentes, com intuito de alinhar interesses e minimizar os custos de agência (Gelman et al., 2015).

O intuito de implementar práticas de governança na organização, tendo como pressuposto a teoria da agência, é reduzir os conflitos de agência e dar mais segurança aos detentores do capital investido. Através da utilização de diversos instrumentos, o sistema de governança se propõe a aumentar a qualidade do fluxo de informação para os acionistas (Teti et al., 2016), reduzindo assim as assimetrias e permitindo maior controle nas tomadas de decisão.

2.1.2 Teoria dos stakeholders

A teoria dos stakeholders, em sua definição clássica, trata da existência de grupos e indivíduos que afetam e são afetados pelas organizações. Expandindo a abordagem da teoria da agência, ela preconiza o alinhamento dos interesses de todos os interessados na organização, para além da visão restrita dos investidores e shareholders (detentores de ações). Os stakeholders são “consumidores, funcionários, fornecedores, acionistas, credores, parceiros, governos, comunidade, entre outros” (Friedman, 2006 como citado em Cintra, Amâncio-Vieira, Suzuki, & Costa, 2014).

Considerando que existem diversos interessados nas atividades de uma organização, é de se esperar que existam vetores de força e influência que podem convergir ou divergir, interferindo nas decisões estratégicas das empresas. A efetividade da influência dos stakeholders pode estar relacionada ao poder que os mesmos têm de garantir que suas expectativas sejam atendidas (Berardi & Brito, 2015). Daí surgem os problemas de governança: a hierarquização de interesses e de stakeholders em detrimento de outros. Portanto, para uma gestão ética e democrática, a organização deve ser capaz de engajar os stakeholders através de suas decisões, visando relações duradouras (Freitas, Cabral, Fonteles, Pessoa, & Santos, 2012), legitimidade e competitividade (Berardi & Brito, 2015).

A ocorrência de desajustes entre a expectativa das partes interessadas (stakeholders) e as ações dos administradores e gestores de uma empresa, possivelmente tendenciosas a certas expectativas, tende a ser observada mais fortemente em ambientes de negócio menos desenvolvidos. Sobre a influência que o ambiente externo exerce sobre as práticas de governança corporativa nas empresas, Oliveira, Ceglia e Antonio (2016) destacam a importância das instituições e associações nacionais para a criação de um ambiente de negócios mais transparente e que pressionem as empresas para adoção de certas práticas de governança. Correia et al. (2011), por sua vez, concluíram que no Brasil, a transparência e a proteção ao direito dos minoritários são os aspectos mais importantes para o investidor. Para tanto, Teti et al. (2016) apontam que as empresas sediadas em países em desenvolvimento, quando apresentam mecanismos de governança adequados às recomendações das instituições normativas e coercitivas, são mais valorizadas, e por isso, atraem maior capital investidor.

Diversos estudos anteriores, nacionais e internacionais, citam a criação de institutos de caráter normativo tanto no Brasil quanto ao redor do mundo (Latini et al., 2014; Mapurunga et al., 2015; Oliveira et al., 2016), entre outros, que elaboram normas e regras com o intuito de incentivar a adoção de “boas” ou “melhores” práticas de governança. No Brasil, destacam-se a cartilha da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o código do IBGC e os níveis diferenciados de governança corporativa da BM&F Bovespa. Essas recomendações de “boas” práticas de governança não são de natureza coercitiva, contudo são definidoras do status que aquela empresa terá para com os seus investidores e stakeholders no que diz respeito ao risco e imagem. Empresas com maior aderência aos códigos de melhores práticas passam a ser percebidas como empresas de menor risco (Lameira, 2012), enquanto aquelas menos adequadas gozam de reputação oposta.

2.2 Características Intraorganizacionais de Governança e Estudos Anteriores

Os aspectos endógenos das organizações, foco do presente estudo, foram e ainda são amplamente estudados. Os estudos objetivam identificar características das organizações e compará-las com aquelas consideradas “boas” ou “melhores” práticas, tentando inclusive criar uma relação entre a adoção dessas práticas e a prosperidade dos negócios (desempenho via rentabilidade, diminuição do risco e do custo de capital etc.).

Latini et al. (2014) selecionaram indicadores baseados em sua análise da literatura e no código de melhores práticas do IBGC, com o suporte de especialistas em governança corporativa e gestores de fundos de investimento. Um questionário foi disponibilizado para gestores e empreendedores de pequenas e médias empresas brasileiras que receberam investimentos de fundos de private equity e venture capital. Pretendia-se verificar a presença dos indicadores nas práticas empresariais. O estudo concluiu que apesar da dificuldade de separação das funções de CEO e presidente do conselho de administração, da instalação de comitês de auditoria, remuneração etc., as empresas apresentavam mais características relacionadas às “melhores” práticas após o recebimento de aportes financeiros dos fundos de investimento, fato que representa uma “significante contribuição para o crescimento das pequenas e médias empresas no país e, no futuro próximo, para o aumento do número total de empresas listadas” na bolsa de valores (Latini et al., 2014, p. 15).

Na mesma linha, Bach et al. (2015) analisaram os mecanismos de governança corporativa de 284 empresas brasileiras de capital aberto ao longo de seis anos (2008-2013) através do índice criado por Silveira (2004), com foco nos aspectos de acesso às informações, conteúdo das informações públicas, estrutura do conselho de administração e estrutura de propriedade e controle. Os autores desejavam relacionar a adoção de práticas recomendadas de governança com o aumento da eficiência financeira, medindo indicadores como Lucro Operacional Líquido e Resultado sobre o Patrimônio Líquido. Constatou-se que as variáveis conselho de administração (quando o presidente do conselho de administração também é o executivo, a eficiência financeira é afetada negativamente) e estrutura de propriedade (o controlador ter menos de 70% das ações ordinárias, as ações preferenciais emitidas serem menor do que 50% das ações ordinárias, a emissão de ADR, dentre outros, afetam positivamente a eficiência financeira) influenciam no desempenho financeiro das empresas analisadas.

Teti et al. (2016) desenvolveram um índice de governança para ser aplicado em algumas empresas da América Latina, baseado nos diversos códigos de “melhores” práticas dos países da região. O custo de capital foi confrontado com as variáveis disclosure, conselho de administração e direitos dos acionistas e estrutura de propriedade e controle. O disclosure foi o aspecto que mais influenciou o custo do capital (quanto maior o nível de disclosure, menor o custo de capital), seguido da composição do conselho de administração. A variável “direitos dos acionistas e estrutura de propriedade e controle”, nesse estudo, não apresentou relação estatística significativa com a queda/aumento do custo de capital.

A presença de características que se alinhem tanto com as regras coercitivas quanto as normativas são, portanto, potencialmente benéficas para as organizações com fins lucrativos. Lameira (2012) afirma que a diferenciação nas práticas de governança corporativa faz com que as empresas que se utilizam das normas recomendadas sejam associadas a um menor risco de investimento, diminuindo assim seu custo de capital e aumentando seu potencial de captação de recursos. Elmagrhi et al. (2016, p. 10), discorrendo especificamente a respeito da presença de membros independentes no conselho de administração, afirmaram que essa característica “pode não só mitigar os conflitos de agência como também abarcar legitimidade ao considerar os interesses dos diferentes grupos de stakeholders” e também pressionar a organização para que seja mais transparente para com os seus interessados.

Dados esses resultados, o presente estudo segue linha de pesquisa similar, com o objetivo de identificar a adoção de certas características de governança em determinadas empresas dos setores de construção pesada e edificações, a fim de verificar o nível de aderência às “melhores” práticas recomendadas por órgãos especializados na área.

3 Método

Dado o objetivo do estudo, o método de pesquisa escolhida foi quantitativo de natureza descritiva. O uso dessa tipologia explica-se pelo fato do estudo buscar descrever as características da amostra (Gil, 2008) através de um instrumento predeterminado que permitiu a geração de dados estatísticos (Creswell, 2007). A Estatística Descritiva aplicada permitiu com que a pesquisa pudesse caracterizar as tendências e tipicidades da amostra, utilizando-se de determinadas variáveis para verificar a distribuição dos resultados obtidos (Gil, 2008).

A pesquisa caracterizou-se como corte transversal, no qual os dados são coletados em um único ponto no tempo e sintetizados estatisticamente (Hair, Babin, Money, & Samouel, 2005). Além disso, foi empregada como técnica a pesquisa documental (Gil, 2008), utilizando-se de documentos eletrônicos, tais como relatórios contábeis e financeiros, formulários, entre outros para consulta da observância dos indicadores pré-selecionados entre as empresas estudadas.

A pesquisa foi composta pela totalidade das empresas brasileiras dos segmentos de “edificações” e de “construção pesada” no momento da realização da pesquisa, respectivamente 17 e três empresas, totalizando 20. Essa classificação seguiu metodologia da BM&F Bovespa, que considera “os produtos ou serviços que mais contribuem para a formação das receitas das companhias” (Bovespa, 2017) como determinantes para o segmento no qual as organizações se inserem. No caso de companhias de participação (vários negócios com diferentes produtos/serviços), o setor que representar participação maior ou igual a dois terços da receita consolidada daquela companhia é o que define a classificação da empresa. Caso contrário, a companhia é classificada como holding diversificada (Bovespa, 2017). Todas as empresas são sociedades anônimas de capital aberto, ou seja, que possuem ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo. A seguir, apresenta-se a Tabela 1, que lista as empresas participantes da amostra do estudo.

Tabela 1. Amostra de empresas selecionadas

Empresas

Nível Dif. Gov. Bovespa

Construção Pesada

 

Azevedo e Travassos S.A.

-

Construtora Lix da Cunha S.A.

-

Mendes Junior Engenharia S.A.

-

Edificações

 

Construtora Adolpho Lindenberg S.A.

-

CR2 Empreendimentos Imobiliarios S.A.

NM

Cyrela Brazil Realty S.A. Empreend e Part

NM

Direcional Engenharia S.A.

NM

Even Construtora e Incorporadora S.A.

NM

Ez Tec Empreend. e Participacoes S.A.

NM

Gafisa S.A.

NM

Helbor Empreendimentos S.A.

NM

JHSF Participacoes S.A.

NM

Joao Fortes Engenharia S.A.

-

MRV Engenharia e Participacoes S.A.

NM

PDG Realty S.A. Empreend e Participacoes

NM

Rodobens Negocios Imobiliarios S.A.

NM

Rossi Residencial S.A.

NM

Tecnisa S.A.

NM

Trisul S.A.

NM

Viver Incorporadora e Construtora S.A.

NM

Fonte: Elaborado pelos autores.

Das 18 empresas originalmente classificadas no segmento de “edificações” na Bovespa, uma pertencia ao DR2 (BDR Nível 2), configurando-se em uma empresa de origem estrangeira. Por conveniência e por possivelmente apresentar diversas questões conjunturais que diferem daquelas nas quais as empresas brasileiras se inseriam, essa empresa foi removida da amostra da pesquisa. Das 17 empresas selecionadas, 15 pertenciam ao Novo Mercado (“NM”) e duas não possuíam classificação especial (Bovespa, 2016).

Das três empresas classificadas como “construção pesada”, nenhuma apresentou classificação diferenciada na Bovespa quanto a sua governança corporativa (Bovespa, 2016).

Para coleta das informações referentes às práticas de governança das empresas, foram consultados principalmente os sites corporativos de cada uma delas, buscando preferencialmente as áreas destinadas à governança corporativa e/ou relação com investidores (RI), com o objetivo de levantar documentos e relatórios contábil-financeiros capazes de esclarecer as variáveis estudadas. Também houve a consulta ao site da bolsa de valores de São Paulo para dupla checagem de dados ou nos casos de falta de informações nos sites das empresas.

Para comparação das informações coletadas com aquelas recomendadas pelo IBGC, empregou-se um roteiro de itens, intitulado índice de governança corporativa (IGov), elaborado com base em recomendações do código das melhores práticas de governança corporativa (IBGC, 2015) analisadas pelos estudos revisados no referencial teórico, listados na coluna “Fundamentação Teórica” da Figura 1, combinando alguns aspectos relacionados aos conflitos de agência (teoria da agência) e outros relacionados aos interesses dos stakeholders em geral (teoria dos stakeholders).

A opção por utilizar o IGov se deu pelo fato de instrumentos semelhantes terem sido amplamente empregados em estudos científicos nacionais e internacionais sobre governança corporativa, conforme os realizados por Bortolon e Silva (2015); Correia et al. (2011); Elmagrhi et al. (2016); entre outros. Além disso, os indicadores do IBGC recebem, desde 2014, a colaboração de especialistas na área de governança (Oliveira et al., 2016), o que justifica a opção pelos indicadores utilizados para a presente pesquisa.

A Figura 1 contém os indicadores empregados para análise das empresas que integraram a amostra:

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Figura 1. Índice de Governança Corporativa (IGov).

Fonte: Elaborado pelos autores baseado em recomendações do IBGC (2015).

No cruzamento de informações entre as práticas reais e as recomendações do código do IBGC, utilizou-se do método comparativo (Gil, 2008), gerando dados consolidados para análise. A observância das práticas do instrumento da pesquisa foi medida de forma binária, assim como nas pesquisas de Bach et al. (2015) e Elmagrhi et al. (2016). Caso a empresa apresentasse a característica analisada, atribuía-se “sim”; caso contrário, atribuía-se “não”. Ocasionalmente, a opção “não se aplica” (N.A.) também foi empregada.

Vale ressaltar que, assim como alerta Gil (2008), a pesquisa documental diferencia-se da pesquisa bibliográfica especialmente pela natureza de suas fontes. A pesquisa documental possui a limitação de se basear em materiais que não tiveram o devido tratamento analítico, ao contrário do rigor da pesquisa bibliográfica, que, a princípio, constrói seu encadeamento lógico no debate de conhecimentos advindos de diversos autores/obras. Essa ausência de tratamento das informações dos documentos corporativos pode ocasionar discrepâncias entre o que foi apresentado nos relatórios corporativos com o que foi efetivamente observado na prática.

4 Resultados e Discussão

Após o emprego do instrumento de pesquisa para a totalidade da amostra pesquisada, foram gerados os seguintes resultados consolidados, mostrados pela Figura 2. A Figura fornece a frequência em que cada um dos 18 indicadores aparece no total da amostra, seguida de legenda com o nominativo de cada aspecto analisado.

Image2078.PNG

Legenda

1.1 - Separação dos cargos de presidente do conselho de administração e diretor-presidente

1.2 - Independência total ou majoritária de conselheiros

1.3 - Número ímpar de conselheiros, entre 5 e 11

1.4 - Mandato dos conselheiros de, no máximo, 2 anos

2.1 - Presença de um código de conduta, disponibilizado no website da empresa

2.2 - Presença de um comitê de conduta

3.1 - Listagem dos integrantes dos comitês (caso haja(m)) de suporte ao conselho de administração e descrição de suas qualificações

3.2 - Atas das reuniões do conselho disponíveis no website corporativo

3.3 - Divulgação de principais atividades dos conselheiros

3.4 - Publicação anual da remuneração dos conselheiros

3.5 - Publicação anual da remuneração dos administradores

4.1 - Contratação de auditoria independente e “qualificada” (Big 4)

4.2 - Comprovação de rotação dos auditores independentes

4.3 - Parecer positivo sem ressalva da auditoria

5.1 - Acesso de mulheres a posições de alta liderança (diretoria e conselho de administração)

5.2 - Presença de canais próprios de comunicação e ouvidoria

6.1 - Arbitragem em caso de divergências entre partes interessadas

6.2 - Presença de um comitê de auditoria com conselheiros independentes

Figura 2. Indicadores de Governança Corporativa- Visão Analítica – Todas empresas.

Fonte: Elaborado pelos autores.

De acordo com a Figura 2, quatro das 18 variáveis foram encontradas em todas as empresas da amostra: Presença de canais próprios de comunicação e ouvidoria; Comprovação de rotação dos auditores independentes; Publicação anual da remuneração dos administradores; e Publicação anual da remuneração dos conselheiros. Quatro dos cinco indicadores de Disclosure estão entre os 50% melhores indicadores, configurando-se portanto no grupo de variáveis de maior alinhamento com as recomendações do IBGC.

Por outro lado, o acesso de mulheres a posições de alta liderança, indicador estritamente relacionado com a imagem das empresas frente aos seus stakeholders, teve o pior desempenho, com nenhuma resposta positiva, considerando o valor mínimo aceitável de 50%. Mandato dos conselheiros, Independência total ou majoritária de conselheiros, Presença de um comitê de conduta e Presença de um comitê de auditoria com conselheiros independentes também atenderam em menos de 50% às “boas” práticas de governança.

Considerando os indicadores como pertencentes aos seis grupos macro definidos pela Figura 1 na seção de procedimentos metodológicos, a Figura 3 utiliza-se dos mesmos dados da Figura 2, mas os apresenta de forma consolidada.

2127.png

Figura 3. Indicadores de Governança Corporativa- Visão Sintética – Todas empresas.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Assim como Disclosure, Auditoria Independente também apresentou bom desempenho, tendo mais de 80% das respostas positivas nesse quesito. Pode-se perceber ainda que a proteção ao stakeholder/acionista teve o pior desempenho dentre as categorias estudadas, com menos de 50% de respostas positivas, o que pode afetar negativamente nos custos de agência dessas empresas.

Finalizando a análise global da amostra, ainda sem distinção de segmentos, a Tabela 2 apresenta, em valores absolutos e relativos, a observância de cada indicador entre as vinte empresas estudadas, seguido de legenda explicativa.

Tabela 2. Visão Analítica- Frequências e porcentagens – Todas empresas

Em valores absolutos

SIM

NÃO

N.A.

Em %

SIM

NÃO

N.A.

INDICADORES

1.1

17

3

0

INDICADORES

1.1

85%

15%

0%

1.2

7

13

0

1.2

35%

65%

0%

1.3

14

6

0

1.3

70%

30%

0%

1.4

7

13

0

1.4

35%

65%

0%

2.1

15

5

0

2.1

75%

25%

0%

2.2

6

14

0

2.2

30%

70%

0%

3.1

10

0

10

3.1

50%

0%

50%

3.2

19

1

0

3.2

95%

5%

0%

3.3

19

1

0

3.3

95%

5%

0%

3.4

20

0

0

3.4

100%

0%

0%

3.5

20

0

0

3.5

100%

0%

0%

4.1

13

7

0

4.1

65%

35%

0%

4.2

20

0

0

4.2

100%

0%

0%

4.3

16

4

0

4.3

80%

20%

0%

5.1

0

20

0

5.1

0%

100%

0%

5.2

20

0

0

5.2

100%

0%

0%

6.1

16

4

0

6.1

80%

20%

0%

6.2

1

19

0

6.2

5%

95%

0%

Legenda

1.1 - Separação dos cargos de presidente do conselho de administração e diretor-presidente

1.2 - Independência total ou majoritária de conselheiros

1.3 - Número ímpar de conselheiros, entre 5 e 11

1.4 - Mandato dos conselheiros de, no máximo, 2 anos

2.1 - Presença de um código de conduta, disponibilizado no website da empresa

2.2 - Presença de um comitê de conduta

3.1 - Listagem dos integrantes dos comitês (caso haja(m)) de suporte ao conselho de administração e descrição de suas qualificações

3.2 - Atas das reuniões do conselho disponíveis no website corporativo

3.3 - Divulgação de principais atividades dos conselheiros

3.4 - Publicação anual da remuneração dos conselheiros

3.5 - Publicação anual da remuneração dos administradores

4.1 - Contratação de auditoria independente e “qualificada” (Big 4)

4.2 - Comprovação de rotação dos auditores independentes

4.3 - Parecer positivo sem ressalva da auditoria

5.1 - Acesso de mulheres a posições de alta liderança (diretoria e conselho de administração)

5.2 - Presença de canais próprios de comunicação e ouvidoria

6.1 - Arbitragem em caso de divergências entre partes interessadas

6.2 - Presença de um comitê de auditoria com conselheiros independentes

Fonte: Elaborado pelos autores.

Apesar do grupo disclosure ter tido média de atendimento superior a 80% para quatro dos seus indicadores, o indicador Listagem dos integrantes dos comitês de suporte ao conselho de administração e descrição de suas qualificações foi o que apresentou maior variação dentre todos analisados. Dez empresas possuíam, em seus formulários de referência ou na seção de relacionamento com investidores dos seus sites, a informação a respeito dos integrantes de seus comitês. As outras 10 não apresentavam essa informação porque não possuíam naquele momento comitês constituídos. Apesar de algumas empresas afirmarem em seus estatutos que poderiam criar comitês de auxílio aos seus conselhos de administração, não foram encontrados na prática comitês de remuneração, de auditoria, de risco, dentre outros. Isso pode enfraquecer a qualidade na tomada de decisões e atendimento das expectativas dos stakeholders, já que os comitês possuem a competência de assessorar o conselho de administração em diversos aspectos da gestão, sendo compostos por profissionais experientes e que possuem conhecimento sobre a matéria (IBGC, 2015).

Alguns indicadores, além da listagem dos integrantes dos comitês de suporte ao conselho de administração e descrição de suas qualificações, demonstraram comportamento bastante heterogêneo entre as empresas da amostra. Todos os indicadores relacionados ao Conselho de Administração, exceto o 1.1 - Separação dos cargos de presidente do conselho e diretor-presidente, apresentaram alta variação. Apesar das empresas pertencerem aos mesmos segmentos, não possuem padrão quanto a essas variáveis, tornando assim esses aspectos diferenciadores entre as organizações, tanto para o processo de tomada de decisão de investimento quanto de relação de prestação de serviço com os seus stakeholders.

Alinhada com as recomendações do código de governança do IBGC, a quantidade de conselheiros nas empresas foi ímpar, entre cinco e 11 membros, em 14 das 20 empresas. Contudo, contrariando o código de “boas” práticas, os indicadores 1.2 - Independência total ou majoritária de conselheiros e 1.4 - Mandato dos conselheiros de até dois anos não foram encontrados na grande maioria da amostra. Especialmente após o resultado desses indicadores, percebe-se certa diferenciação das empresas ao adotar as práticas recomendadas, o que pode afetar positiva ou negativamente o acesso a recursos de investidores, como constatado na pesquisa de Bortolon e Silva (2015), que indica que quanto mais avançadas as práticas de governança, menor a probabilidade das empresas deixarem de integrar a bolsa de valores, fonte de recursos para investimento de todas as empresas da amostra.

No caso do grupo Conduta e conflito de interesses, há variação considerável entre os dois indicadores. O código de conduta está disponível nos sites de 15 das 20 empresas da amostra. Alternativamente, como aspecto negativo, apenas seis das 20 possuem comitê de conduta instalado. Isso demonstra que ainda não há um esforço das organizações em padronizar seus procedimentos no que se refere à normatização e formalização das condutas dentro do ambiente de trabalho, o que pode afetar negativamente na forma como seus interessados, principalmente empregados, se relacionam com as empresas e as percebem.

Um dos recortes realizados pela pesquisa foi a análise da performance dos indicadores de governança apenas entre as empresas que aderem aos níveis diferenciados de governança corporativa (NDGC’s). A quantidade de normas do IBGC com 100% de adesão sobe de 4 para 7, comparado ao resultado global de empresas aderentes e não aderentes ao Novo Mercado. Presença de um código de conduta no website, listagem dos integrantes dos comitês e arbitragem obtiveram as maiores variações positivas, entre 20 e 17 pontos percentuais. Nenhum indicador auferido nas empresas dos NDGC’s apresentou índice de respostas positivas abaixo do índice global, o que corrobora com os resultados de Mapurunga, Ponte e Oliveira (2015), que também constataram adesão maior das empresas pertencentes aos níveis diferenciados de governança da Bovespa às “melhores” práticas. Isso, como já apontado pela revisão da literatura, mostra que aquelas empresas dispostas a desenvolver seus mecanismos de governança podem se beneficiar com maiores níveis de captação de investimento, maior legitimação frente à sociedade, entre outros.

Com a divisão dos resultados globais da pesquisa entre os segmentos de Construção Pesada e Edificações, instituídos pela BM&F Bovespa, se notam algumas particularidades. Primeiramente, apresenta-se a Figura 4, com a visão consolidada dos resultados do segmento de Construção Pesada em grupos (dimensões).

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Figura 4. Indicadores de Governança Corporativa- Visão Sintética – Construção Pesada

Fonte: Elaborado pelos autores.

Apenas 10 das 18 “boas” práticas de governança podem ser encontradas nas organizações do segmento de Construção Pesada. Os indicadores 1.2 – independência total ou majoritária dos conselheiros e 1.4 – mandato dos conselheiros de, no máximo, 2 anos, referentes ao conselho de administração, 2.2 – presença de um comitê de auditoria, referente à conduta e conflito de interesses, 3.1 – listagem dos integrantes dos comitês e suas qualificações, referente ao disclosure, 4.1 – contratação de auditoria big 4, referente à auditoria independente, 5.1 – acesso de mulheres a posições de alta liderança, referente à responsabilidade corporativa, e 6.1 – arbitragem em caso de divergências e 6.2 – presença de um comitê de auditoria com conselheiros independentes, referentes à proteção ao stakeholder/acionista obtiveram respostas negativas em todas as empresas, evidenciando a impossibilidade delas em alinhar-se por completo a algum dos 6 grupos de indicadores de melhores práticas. Considerando que a grande maioria dos indicadores refere-se ao controle dos acionistas (proprietários) sobre as decisões dos administradores, pode-se inferir que essas empresas falham na tentativa de minimizar os custos de agência, o que as tornam pouco atraentes para investidores.

Ao analisar as empresas de Construção Pesada, nenhuma apresenta mínimo de 50% de conselheiros independentes em seus conselhos de administração, fator que, de acordo com os resultados de Elmagrhi et al. (2016), em seu estudo com as empresas listadas na bolsa de valores de Londres, afeta negativamente o nível de governança e disclosure das empresas. Além disso, nenhuma contratou em 2016 uma das empresas Big 4 do ramo de auditoria, consagradas como aquelas de maior expertise e reputação na revisão dos relatórios financeiro-contábeis, o que pode afetar a confiabilidade das informações divulgadas e, consequentemente, a proteção aos interessados nessas organizações.

Ainda como aspecto negativo, nenhuma empresa do ramo de Construção Pesada apresentou resultados positivos quanto à proteção ao stakeholder/acionista. Além disso, houve piora em todos os grupos de indicadores se comparados com o apresentado nos resultados globais, exceto em Responsabilidade Corporativa, que se manteve.

Tanto a possibilidade de arbitragem em casos de divergências quanto a instalação de um comitê de auditoria composta por conselheiros independentes não estão à disposição do investidor. Como constatado por Correia et al. (2011), a proteção ao investidor é especialmente importante em países como o Brasil, onde a proteção legal ao acionista, principalmente minoritário, é deficitária. A oferta de mecanismos que protejam os direitos dos acionistas para além do previsto em lei torna-se fator relevante para o aumento da captação de recursos externos via investimentos.

Essa piora no índice de governança observada entre as empresas de Construção Pesada certamente se deve ao fato de nenhuma delas estar listada em níveis diferenciados da BM&F Bovespa. Consequentemente, as expectativas e as exigências a respeito da adoção das “melhores” práticas são bastante diminuídas.

Quanto às empresas do segmento de Edificações, percebe-se claramente que elas, de modo positivo, contribuem significativamente para a aderência das empresas da amostra total às recomendações do código de “melhores” práticas do IBGC. As evidências para essa conclusão estão na Figura 5 a seguir.

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Figura 5. Indicadores de Governança Corporativa- Visão Sintética – Edificações.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Apesar do grupo “Responsabilidade Corporativa” ter apresentado uma aparente heterogeneidade nos resultados, já que houve observância em metade das vezes entre as empresas (50%), foi constatado exatamente o oposto: um padrão na adoção de práticas de governança. Todas as empresas possuem canais de comunicação e ouvidoria com investidores e o público em geral, e nenhuma delas possui mínimo de 50% de mulheres em seus conselhos de administração e diretorias.

As respostas positivas para os indicadores apareceram em 72% das vezes entre as empresas de Edificações, contra 37% das empresas de Construção Pesada. Além disso, aquelas obtiveram mais 80% de respostas positivas em dez dos 18 indicadores analisados, enquanto apenas quatro obtiveram mesma performance entre as empresas de Construção Pesada. Esse resultado se deve, entre outros possíveis fatores, à inserção de diversas empresas de Edificações nos Níveis Diferenciados de Governança Corporativa da BM&F Bovespa. Apesar de serem empresas que atuam em setores econômicos semelhantes, a diferenciação quanto à classificação de governança na Bolsa de Valores mais uma vez se faz presente.

Sete das 17 empresas de Edificações não possuíam comitês de apoio às decisões do conselho de administração, o que pode restringir as decisões aos membros do conselho e impedir o amplo debate de políticas institucionais. Isso pode se tornar um problema de governança à medida que, como já mencionado, essas empresas, no geral, não apresentam preocupação com a contratação de conselheiros independentes e seu rodízio a cada biênio, com o intuito de buscar imparcialidade nas decisões gerenciais.

Assim como os resultados da amostra total, o grupo Disclosure foi o que obteve maior aderência às recomendações do IBGC, o que demonstra mais uma vez o amadurecimento das empresas brasileiras nesse quesito. Esse resultado converge com os encontrados nos estudos de Bach et al. (2015) e Bortolon e Silva (2015), que também atestaram esta dimensão como a de maior aderência às recomendações do IBGC e da CVM, a nível acima de 80%.

Os grupos 3 - Disclosure e 4 - Auditoria Independente obtiveram não só as maiores observâncias de seus indicadores dentro das empresas de Edificações como maior uniformidade de resultados. Isso significa que, de modo geral, essas empresas têm preocupação em divulgar suas informações a respeito das remunerações de seus conselheiros e administradores, atas com as resoluções tomadas durante as reuniões do conselho, e também em contratar umas das firmas Big 4 de auditoria contábil, com rotação periódica dos mesmos. Quanto ao parecer, apenas duas obtiveram abstenção de opinião, sendo que uma delas passava, na época da coleta dos dados, por processo de recuperação judicial.

O aspecto negativo mais uma vez foi o grupo Responsabilidade Corporativa. A variável 5.1 - Acesso de mulheres a posições de alta liderança (diretoria e conselho de administração) foi responsável por este desempenho. Elmagrhi et al. (2016) apontaram em seu estudo resultado semelhante, mostrando preocupação quanto a situação das empresas listadas na Bolsa de Londres, já que aquelas que apresentaram menor pluralidade em seus conselhos de administração possuíam menor aderência as outras práticas recomendadas pelo código britânico de governança corporativa. Apenas 3% e 10% dos conselheiros das empresas brasileiras e britânicas estudadas são do gênero feminino. Apesar de o índice brasileiro ser bastante inferior, a forte associação da figura masculina aos setores de construção e edificações pode ser a explicação para essa diferença.

Em suma, o estudo conclui que as práticas de governança corporativa entre as empresas brasileiras analisadas tendem a estar alinhadas com as “melhores” práticas principalmente no aspecto de disclosure (divulgação de informações). Em estudos empíricos realizados durante os anos de 2008 a 2012, por Bortolon e Silva, e 2013, por Bach et al., a variável de Disclosure também obteve grande destaque, o que comprova certa constância positiva dessa prática entre as organizações brasileiras em geral, que se mantém até o ano de 2016. Por outro lado, o destaque negativo é a proteção dos stakeholders/acionistas. As lacunas na legislação brasileira relacionadas a essa questão exigem medidas voluntárias que garantam um ambiente de negócios mais transparente e seguro para as partes interessadas, com o intuito de cada vez mais reduzir a assimetria de informações entre investidores e administradores e, ao mesmo tempo, melhorar a reputação e a imagem da organização frente aos seus clientes e a sociedade em geral.

5 Considerações Finais

Teti et al. (2016) atestaram que o Brasil está em atraso no que diz respeito à adoção das “melhores” práticas se comparado aos demais países da América Latina. Ao consultarem os padrões de governança estipulados pelo fórum sobre Comércio e Desenvolvimento das Nações Unidas, os autores constataram que países como Peru, Colômbia, Chile e México atingiram melhores índices de atendimento às normas. Principalmente nos últimos dois países citados, houve esforços recentes na tentativa de aperfeiçoar as governanças de suas organizações, como a obrigação legal de representação mínima de 25% de conselheiros independentes no México (Teti et al., 2016); no Brasil, essa característica ainda é acessória.

A criação dos níveis diferenciados de governança pela Bovespa e do código de “melhores” práticas pelo IBGC, mesmo que ainda sem caráter legal e obrigatório, mostram-se importantes iniciativas para o maior alinhamento entre as práticas empresariais e as expectativas dos investidores e do público em geral. Entretanto, considerando todos os aspectos levantados neste estudo, o cenário que se apresenta às empresas brasileiras ainda é bastante desafiador, pois a aderência às melhores práticas, com o intuito de instituir uma gestão mais ética e imparcial, ainda carece de pró-atividade das mesmas. As organizações, apesar do fraco ambiente legal brasileiro, devem se comprometer com valores que visam à criação de uma relação mais harmônica com os entes sociais, potencializando suas capacidades de diminuição do custo de capital, aumento da atração de investimento e legitimidade.

Por fim, a investigação quanto à real adoção das melhores práticas de governança pelas empresas pode ser considerada a principal limitação do estudo. Como já destacado na seção de procedimentos metodológicos, a análise de documentos e relatórios corporativos pode evidenciar um discurso que não se concretiza na realidade, configurando-se, portanto, em uma oportunidade para campanhas publicitárias das empresas. Para preencher tal lacuna, recomenda-se, para estudos posteriores, o uso de estudos de caso no intuito de uma averiguação mais aprofundada da validade das informações. Além disso, o emprego de pesquisas longitudinais seria interessante para a análise da progressão ou regressão das práticas empresariais ao longo dos últimos anos, o que por questões de indisponibilidade de recursos e de tempo, não foi possível auferir.

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Revista de Administração IMED, Passo Fundo, vol. 8, n. 1, p. 237-258, Jan.-Jun., 2018 - ISSN 2237-7956

[Recebido: Março 17, 2018; Aprovado: Junho 11, 2018]

DOI: https://doi.org/10.18256/2237-7956.2018.v8i1.2544

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