1816

Análise do microclima interno para os limites de conforto ambiental em prédios históricos com novos usos na cidade de Pelotas/RS, Brasil

Internal microclimate analysis for limits of environmental comfort in historic buildings with new uses in the city of Pelotas/RS, Brasil

Mariana Estima Silva(1); Eduardo Grala da Cunha(2); Ariela da Silva Torres(3);
Isabel Tourinho Salamoni(4)

1 Arquiteta e Urbanista, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Pelotas – UFPel, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]

2 Professor Doutor em Arquitetura, Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Pelotas – UFPel, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]

3 Professora Doutora em Engenharia Civil, Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Pelotas – UFPel, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]

4 Professora Doutora em Engenharia Civil, Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Pelotas – UFPel, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]

Resumo

O retrofit é uma alternativa de preservação do patrimônio edificado, onde prédios são adaptados para receber novos usos, após passarem por restauro. Além de garantir sua manutenção, esse processo é também sustentável, pois minimiza os custos de produção de matéria-prima e o descarte de edificações antigas. Entretanto, é preciso que as edificações sejam compatíveis com o novo uso, proporcionando condições de conforto ambiental. Nesse sentido, o estudo tem como objetivo analisar se o microclima interno, de três prédios do século XIX, está dentro dos limites estabelecidos por normas e recomendações internacionais para os novos usos destas edificações. Os três prédios tiveram como uso original o residencial e após retrofit, atendem a dois novos usos: o administrativo e o de sala de exposições. Para caracterização do microclima de espaços com os dois usos em cada prédio, foi realizado o monitoramento de temperatura e umidade relativa, durante 12 meses. Em seguida, as características microclimáticas foram verificadas com os níveis considerados ideais pelas recomendações internacionais, de ASHRAE e IIC. Concluiu-se que os três prédios possuem comportamento semelhante para os parâmetros ambientais analisados. Além disso, os valores reais estiveram divergentes dos normalizados para cada uso, nas piores situações do ano de tempertatura. Para estes Casarões, o uso de climatização artificial mostrou-se necessário, não permitindo considerar o processo totalmente sustentável.

Palavras-chave: Retrofit. Novos usos. Conforto ambiental. Patrimônio histórico. Conservação.

Abstract

Retrofit is an alternative of preservation of the built heritage, where buildings are adapted to receive new uses, after a restoration process. In addition to its maintenance, this process is also sustainable, because minimizes raw material production costs and discardes of old buildings. However, buildings must be compatible with the new use, providing conditions of environmental comfort. In this sense, the study aims to analyze if the internal microclimate of three buildings from the nineteenth century is within the limits established by international norms for the new uses of these buildings. The three buildings were built to receive residential use. After the retrofit, the buildings received two new uses: administrative and exhibition rooms. To characterize the microclimate of spaces with the two uses in each building, the monitoring of temperature and relative humidity was carried out for 12 months. Then, the microclimatic characteristics were verified with the levels considered ideal by international associations, ASHRAE and IIC. It was concluded that the three buildings have similar behavior for the environmental parameters analyzed, as well as distant from the normalized values for each use. For these Houses, the use of artificial climatization it would be necessary, not allowing to consider the process totally sustainable.

Keywords: Retrofit. New uses. Environmental comfort. Historic heritage. Conservation.

Introdução

A adaptação de prédios históricos para novos usos foi impulsionada na segunda metade do século XX, na Europa. A partir da preocupação com a preservação do patrimônio edificado, surgiu a necessidade de reinseri-lo no contexto urbano, através de um uso compatível com as novas necessidades da sociedade. A alteração do uso original por outro, após processo de restauro das características construtivas, é uma alternativa de preservação do patrimônio histórico, denominada retrofit (RODRIGUES, 2012).

O retrofit é considerado também um processo sustentável, pois além da preservação do prédio, que permite a continuidade do legado de uma época, baseia-se em conceitos de economia. O uso consciente de recursos naturais e da produção de matéria-prima, juntamente com o menor consumo energético, são vantagens quando comparadas a uma nova construção. Além disso, a demolição de prédios existentes é responsável por uma geração de resíduos muitas vezes desnecessária (AYKAL et al., 2011; MUNARIM, 2014; PARADA, 2014).

Entretanto, para obter sucesso ao final do processo, é preciso que a edificação reciclada apresente níveis de desempenho superiores, ou ao menos, iguais aos de uma nova edificação. Assim sua reabilitação é justificada pela contribuição ao patrimônio histórico e pelo impacto ambiental que deixa de ser causado (RIBEIRO e LOMARDO, 2014; MUNARIM, 2014).

A edificação precisa oferecer as condições de conforto ambiental para seus novos usuários e isso dependerá das atividades que serão realizadas em seu interior. Dessa forma, são de extrema importância estudos acerca do comportamento microclimático de edificações históricas, antes de passarem por retrofit, a fim de não desperdiçar recursos com reparos e adaptações durante sua utilização. Isso permite considerar se a construção tem potencial para receber o novo uso, minimizando o consumo energético com medidas passivas previstas no projeto, ou até mesmo, identificando a incapacidade de adequação ao uso escolhido (RODRIGUES, 2012; RIBEIRO; LOMARDO, 2014; SILVA; HENRIQUES, 2014; GUERRA et al., 2016).

A escolha do novo uso como espaços expositivos, apesar de ser amplamente utilizada em processos de retrofit no mundo inteiro, apresenta inúmeras polêmicas. Segundo Barranha (2012), os programas de espaços destinados a exposições estão cada vez mais exigentes, nos aspectos de controle de temperatura, umidade relativa do ar, poluição atmosférica e iluminação, entre outros. Dessa forma, prédios históricos que recebem estes espaços, muitas vezes não suprem as necessidades do seu novo uso, sendo necessária a instalação de climatizadores artificiais, ou até mesmo, a construção de novos prédios anexos.

Estudos realizados por Michalski (2016) mostram a evolução, por parte de associações de conservação, nos aspectos de controle ambiental ao longo dos anos. Para o autor, as condições de temperatura e umidade relativa do ar estipuladas pelo International Institute for Conservation Historic and Artistic Works - IIC, devem ser respeitadas por grande parte dos espaços destinados a exposições atualmente. Isto porque consideram a variabilidade de materiais expostos, a diversidade de climas em diferentes lugares do mundo e o controle de conservação de peças de acervo que não necessitem de controle rígido desses parâmetros ambientais.

Outros aspectos consideram questões mais específicas de conservação, que dependerão diretamente do material que está sendo exposto e do nível de controle que se deseja obter. É o caso das diretrizes estipuladas pela American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers – ASHRAE que, em seus manuais, possui um capítulo sobre questões de controle ambiental para ambientes de museus, galerias, arquivos e livrarias (MICHALSKI, 2016).

Outro uso a ser estudado é o administrativo. O novo uso como espaço de escritórios, por ter a preocupação maior com o conforto dos usuários, apresenta outros valores ideais para os mesmos parâmetros ambientais. O Passivhaus Intitut criou uma certificação para prédios que passaram por retrofit, de forma a permitir que estes atinjam condições de comportamento energético expressas pelo padrão da casa passiva. Este padrão, denominado EnerPhit, leva em consideração as dificuldades de se atingir os níveis ideais da certificação original em edificações já construídas, criando índices mais amenos e possíveis de serem alcançados (PARADA, 2014; PASSIVHAUS INSTITUT, 2016).

Ainda assim, o padrão da casa passiva é difícil de ser obedecido em muitos países. No Brasil, não existem valores normalizados para parâmetros de temperatura e umidade relativa do ar em ambientes administrativos ventilados naturalmente. Dessa forma, os aspectos de conforto ambiental expressos por ASHRAE são bastante empregados, por permitirem considerar as temperaturas externas como referência para a temperatura ideal interna.

A norma americana Standard 55 (ASHRAE, 2004), considera diversas variáveis a fim de delimitar condições internas de conforto térmico, como por exemplo a temperatura do ar e temperatura radiante, entre outras. Dessa forma calcula-se a Temperatura Operativa de um ambiente, que é o valor médio entre a temperatura do ar e a temperatura radiante média desse espaço. No entanto, estes valores podem ser alcançados em ambientes com climatização artificial, já que consideram o controle na operação de janelas e portanto, da velocidade do ar interna, além da adequação da vestimenta dos usuários ao ambiente.

Quando não há controle de operação do ambiente torna-se difícil encontrar condições ideais de conforto térmico através da Temperatura Operativa. Portanto, em ambientes ventilados naturalmente, é mais adequada a utilização do modelo adaptativo, que relaciona a temperatura interna com as condições climáticas externas. Assim, segundo a mesma associação americana, faz-se o uso da Temperatura Operativa de Conforto, estipulada pela Equação 1, não podendo apresentar temperaturas inferiores à 10 ºC e superiores à 33,5 ºC (ASHRAE, 2009).

toc = 18,9 + 0,255 tex (Equação 1)

Onde,

toc é a temperatura operativa de conforto

tex é a temperatura externa

A fim de alcançar 90% de aceitabilidade por parte dos usuários, é possível que a Temperatura Operativa de Conforto oscile mais 2,5 ºC e menos 2,2 ºC. Para uma aceitabilidade de 80%, a temperatura pode oscilar mais 3,5 ºC e menos 3,2 ºC em relação à Temperatura Operativa de Conforto. Assim, em ambientes climatizados naturalmente, não são considerados os parâmetros de umidade e velocidade do ar para definição do conforto térmico interno (ASHRAE, 2009).

Diversos autores trabalharam com a caracterização de diferentes parâmetros ambientais em edificações históricas com novos usos, a fim de identificar a potencialidade da construção para recebe-los. Guerra et al. (2016) realizaram o monitoramento dos parâmetros de temperatura e umidade relativa do ar em prédio histórico reciclado para o uso de espaços expositivos, na cidade de Pelotas. Os autores associaram as condições microclimáticas internas ao crescimento de fungos filamentosos nos materiais construtivos. O fato de o novo uso modificar o modo de operação dos ambientes, acarretou a modificação do microclima interno, favorecendo o surgimento de manifestações patológicas. Concluíram então, que o conhecimento prévio do comportamento microclimático do prédio facilitaria a escolha dos usos dos ambientes, prevenindo danos.

Aykal et al. (2011) realizaram o levantamento das características de iluminação em prédios históricos reciclados para o uso administrativo e expositivo, na Turquia. Os resultados mostraram que os prédios não ofereciam as condições de iluminação necessárias para os novos usos, sendo compatíveis apenas com o uso original das construções, o residencial.

Silva e Henriques (2014), durante três anos, realizaram o levantamento dos parâmetros de temperatura e umidade relativa do ar em prédio histórico, em Portugal. Os autores concluíram a importância da manutenção das características microclimáticas em prédios históricos a fim de não provocar danos em seus materiais construtivos. Quando instalados equipamentos de climatização artificial em construções históricas, a fim de tornar os ambientes confortáveis termicamente aos usuários, podem ocorrer perdas nos materiais, como trincas e fissuras, por exemplo.

Percebe-se, portanto, a importância de estudos acerca do tema de microclima em prédios históricos, tanto na adaptação para receber novos usos, quanto para garantia da conservação das construções. O fato da cidade de Pelotas, situada no extremo sul do Brasil, ter um significativo exemplar de edificações históricas que hoje encontram-se com novos usos, tanto administrativos quanto expositivos, justifica a realização deste trabalho.

Sendo assim, seu objetivo principal é verificar se o microclima em edificações históricas restauradas e com novos usos, é condizente com os valores ideais, para suas necessidades, considerados por normas e recomendações internacionais, nos parâmetros de temperatura e umidade relativa do ar.

Metodologia

A pesquisa foi dividia em três etapas, a fim de alcançar o objetivo. Em um primeiro momento foi realizada a caracterização do objeto de estudo, a fim de escolher ambientes com os usos administrativo e expositivo, para realização dos levantamentos e análises. A segunda etapa compreendeu a caracterização do microclima desses ambientes, para os parâmetros de umidade relativa e temperatura do ar. Por fim, realizou-se a verificação dos parâmetros ambientais levantados nos ambientes com os valores especificados para os diferentes usos.

Caracterização do objeto de estudo

Para este estudo foram escolhidas três edificações do século XIX, na cidade de Pelotas, tombadas a nível nacional enquanto conjunto. Os três prédios tiveram como uso original o residencial e, após restauro, receberam o novo uso de espaços expositivos (IPHAN, 2014). As edificações escolhidas localizam-se no centro histórico da cidade, no entorno da Praça Coronel Pedro Osório, juntamente com outros prédios de valor histórico, conforme Figura 1.

Figura 1. Entorno dos prédios analisados no centro histórico de Pelotas

Image1993.JPG

Fonte: Autores.

O Casarão 2, a mais antiga dentre as três construções, foi edificada no ano de 1830, entretanto foi reformada em 1880, ano em que recebeu características do estilo eclético. Em razão das características originais no estilo colonial, esse é o único prédio do conjunto que não possui porão alto para ventilação dos pisos de assoalhos de madeira do pavimento térreo. O Casarão 6, localizado entre as demais, foi construído em 1879. A outra edificação do conjunto é o Casarão 8, construído em 1878 (SECULT, 2008; IPHAN, 2014).

Os três prédios possuem sistema construtivo similar, com paredes portantes em alvenaria de tijolo de barro rebocadas com argamassa de cal. Dessa forma, suas paredes, principalmente as externas, são bastante espessas, algumas chegando a 0,90 metros de espessura. As janelas e portas são de madeira e vidro e possuem postigos, que permitem barrar completamente a luz natural. A cobertura é composta por telhas cerâmicas e estrutura de madeira. Os ambientes do segundo pavimento possuem forros de madeira, no térreo o mesmo material é existente apenas no Casarão 2, nos demais Casarões os forros foram executados em estuque.

A fim de padronizar a análise e diminuir as variáveis entre os mesmos usos, escolheu-se um ambiente de uso administrativo no segundo pavimento de cada prédio, bem como um ambiente com uso de sala de exposições no pavimento térreo de cada edificação. Essa escolha deu-se em razão do Casarão 2 apresentar somente o uso administrativo no segundo pavimento. Foram escolhidos ambientes, para cada uso, com orientação solar, número de usuários e condições de uso e operação similares. O fato do Casarão 6 encontrar-se desativado no momento dos levantamentos, possibilitou a visualização de comportamento para uma edificação vazia, em comparação ao comportamento para as edificações em uso. Essa comparação permitiu a análise do comportamento microclimático por influência apenas do sistema construtivo, no caso do prédio fechado, e com a influência do uso e operação dos espaços, nos prédios em uso.

Os ambientes expositivos do Casarão 2 e 8 eram destinados às exposições temporárias. No Casarão 6, o ambiente escolhido era utilizado para o mesmo tipo de exposições, antes de ser desativado. As exposições artísticas não apresentavam a necessidade de controles rígidos de temperatura e umidade relativa do ar. No Casarão 2 houveram poucas exposições durante o estudo, permanecendo maior parte do período de monitoramento sem esse uso. Entretanto, esse espaço contava com estruturas de madeira móveis, mas permanentes no espaço, que não permitiam a abertura de algumas janelas, já que encontravam-se em frente a elas. Já o Casarão 8 permaneceu grande parte do período de levantamentos sediando exposições temporárias.

Todos estes ambientes, independente dos Casarões em uso ou desativados, eram mantidos com os caixilhos de vidros das janelas fechados, ou seja, sem ventilação natural direta. O Casarão 6, por estar desativado, e o Casarão 8, para a criação de “cenários” de iluminação, não recebiam iluminação natural pois os postigos eram mantidos fechados. Todos os ambientes eram utilizados durante o período de funcionamento do prédio, entre 8h e 19h, com pequeno número de visitantes. Nenhum destes espaços contava com climatização artificial. Todos os ambientes expositivos possuíam faces externas para as orientações sul e oeste.

Nos ambientes administrativos dos Casarões 2 e 8 eram operadas as aberturas de acordo com as necessidades sentidas pelos usuários. Ou seja, em alguns momentos as janelas eram totalmente abertas e, em outros momentos os postigos e caixilhos eram fechados, para evitar ofuscamentos ou melhorar as condições térmicas do ambiente. Pode-se dizer então, que existia a ventilação e iluminação natural diretas nesses ambientes. O Casarão 6 foi mantido fechado, sem ventilação e iluminação, durante todo o levantamento.

Nenhum dos espaços administrativos contava com climatização artificial projetada, entretanto, os usuários do Casarão 2 utilizavam equipamentos portáteis, como ventiladores e estufas elétricas. Neste ambiente existia também maior número de usuários, ao menos quatro permanentes. O Casarão 8 apresentou menor número de usuários, ao menos dois durante o dia. Os ambientes em uso, dos Casarões 2 e 8, funcionavam também entre 8h e 19h. Os Casarões 6 e 8 possuíam orientação oeste, enquanto o Casarão 2 também possuía a orientação sul. A Figura 2 resume as informações de caracterização dos espaços em cada prédio.

Figura 2. Infográfico de caracterização do objeto de estudo

Image2000.JPG

Fonte: Autores.

Monitoramento do microclima

O monitoramento do microclima, nos parâmetros de temperatura e umidade relativa do ar, foi realizado por sensores do modelo HOBO H8 RH/Temp Data Logger. Um sensor foi instalado em cada ambiente, totalizando seis equipamentos, que realizaram a coleta de dados por um período de 12 meses. A etapa de monitoramento teve início em dezembro de 2015 e término em novembro de 2016.

Após um período de aferição, os sensores foram programados, através do software Box Car Pro4, para realizar o registro dos valores em intervalos de uma hora. Isso permitiu uma precisão ainda maior no momento de leitura dos resultados. A cada mês os equipamentos eram retirados, descarregados e reinstalados no mesmo local.

Os sensores foram instalados nas guarnições das portas internas dos ambientes, a fim de não prejudicar a pintura dos prédios históricos. Esse método de fixação permitiu manter todos os sensores a um desnível de 2 metros do piso, a fim de facilitar a retirada mensal dos mesmos e garantir a leitura correta dos parâmetros (GUERRA et al., 2016).

Verificação dos valores encontrados com valores ideais

Em razão da ausência de normas brasileiras que estipulem valores para temperatura e umidade relativa do ar, considerados confortáveis para diferentes atividades em ambientes ventilados naturalmente, optou-se por utilizar as especificações de ASHRAE (Tabela 1). A fim de caracterizar o conforto térmico dos ambientes administrativos utilizou-se a equação para definir a Temperatura Operativa de Conforto mensal (ASHRAE, 2009). Os valores de umidade relativa do ar estipulados também por ASHRAE, consideram o mal-estar provocado aos usuários em taxas muito baixas e o surgimento de doenças respiratórias em níveis muito altos (ASHRAE, 2001).

Para limites mínimos e máximos de temperatura e umidade relativa aceitáveis em salas de exposição, utilizou-se os estabelecidos pelo IIC, conforme Tabela 2 (VELIOS, 2014; MICHALSKI, 2016).

Tabela 1. Parâmetros Ambientais para o uso administrativo

ASHRAE

Mínimo

Máximo

Temperatura [ºC]

toc = 18,9 + 0,255 tex

Umidade Relativa [%]

30

60

Tabela 2. Parâmetros Ambientais para o uso de salas de exposição

IIC

Mínimo

Máximo

Temperatura [ºC]

15

25

Umidade Relativa [%]

40

60

Resultados

Para análise dos resultados neste trabalho, optou-se pela visualização do comportamento interno dos ambientes nos meses característicos das duas estações extremas do ano. Ou seja, foram analisados os resultados para o mês de verão com maior temperatura média e o mês do inverno com menor temperatura média. Foi escolhido este modo de análise a fim de resumir os resultados para este trabalho, já que foram monitorados doze meses ao todo. Além disso, Pelotas caracteriza-se por um clima subtropical úmido, com temperaturas bastante diferentes entre as estações do ano e altas taxas de umidade relativa do ar, o que justifica essa análise para os meses críticos (EMBRAPA, 2016a).

A Temperatura Operativa de Conforto, para os ambientes administrativos, foi calculada a partir da média de temperatura externa do mês analisado. O mês de fevereiro registrou temperatura média mais alta, de 24,5 ºC, dessa forma, a temperatura ideal no interior dos ambientes de escritório seria de 25,1 ºC. No mês de junho, com temperatura média mais baixa, os registros foram de 10,6 ºC, tornando a temperatura de 21,6 ºC a ideal no interior desses ambientes (EMBRAPA, 2016b; ASHRAE, 2009). Também realizou-se o cálculo para 90% e 80% de aceitabilidade dos usuários para os dois meses trabalhados (ASHRAE, 2004).

A partir das Figuras 3 e 4 é possível perceber o comportamento da temperatura do ar no interior dos ambientes administrativos dos três Casarões. As temperaturas registradas sobrepuseram a Temperatura Operativa de Conforto em poucos momentos. Ainda assim, o mês de fevereiro apresentou maior compatibilidade entre as temperaturas internas e os limites de aceitabilidade.

Figura 3. Comportamento da temperatura nos ambientes administrativos
no verão em relação à Temperatura Operativa de Conforto (toc)

Image2035.JPG

Fonte: Autores.

Figura 4. Comportamento da temperatura nos ambientes administrativos
no inverno em relação à Temperatura Operativa de Conforto (toc)

Image2043.JPG

Fonte: Autores.

Percebe-se que a temperatura comportou-se de forma correspondente nos três prédios para o mesmo uso, em decorrência dos sistemas construtivos, que apresentam alta inércia térmica. A maior diferença está nos valores do Casarão 2, que encontraram-se mais altos no inverno, devido ao fato de os usuários utilizarem aquecedores para aumentar a temperatura. A necessidade de utilização de climatização artificial também mostra que o ambiente não estava confortável termicamente. Além disso, o Casarão 6, sem uso nos levantamentos, apresentou as menores temperaturas, pelo fato de não receber insolação, equipamentos e usuários.

O comportamento da temperatura do ar no interior dos espaços expositivos, foi verificado de acordo com os mínimos e máximos estipulados por IIC, entre 15 ºC e 25 ºC (VELIOS, 2014). É possível perceber um comportamento bastante similar entre os três Casarões, conforme Figuras 5 e 6. Isso porque, além da similaridade dos sistemas construtivos, o modo de utilização destes espaços envolvia poucos usuários e equipamentos, além de janelas fechadas. O modo como o Casarão 6 era utilizado, sem uso, era muito próximo ao funcionamento dos ambientes expositivos nos demais Casarões.

Figura 5. Comportamento da temperatura nas salas de exposições
no verão em relação ao intervalo ideal

Image2051.JPG

Fonte: Autores.

Figura 6. Comportamento da temperatura nas salas de exposições
no inverno em relação ao intervalo ideal

Image2059.JPG

Fonte: Autores.

Pode-se dizer também, a partir dos gráficos, que o Casarão 2 apresentou as temperaturas mais amenas no verão, bem como as mais altas no inverno. Isso aconteceu pois este prédio não possui porão alto como os demais, estando o pavimento térreo em contato direto com o solo. Além disso, os ambientes apresentaram temperaturas internas fora do intervalo ideal, em grande parte do mês, tanto no inverno quanto no verão. Diferentemente do comportamento para o uso administrativo, as temperaturas estiveram em mais momentos dentro dos limites ideais no inverno, nas salas de exposições.

Para a umidade relativa do ar, nos ambientes com uso administrativo, o período de verão apresentou mais períodos com valores dentro dos limites de 30% a 60% (Figura 7). O inverno mostrou-se o mais crítico (Figura 8), apresentando valores acima do máximo estabelecido mais vezes durante o mês. Apenas o Casarão 2 esteve mais horas dentro do intervalo ideal, devido aos aquecedores utilizados pelos usuários nesses ambientes, que elevaram a temperatura e controlaram as taxas de umidade relativa do ar.

Figura 7. Comportamento da umidade relativa nos ambientes administrativos
no verão em relação ao intervalo ideal

Image2067.JPG

Fonte: Autores.

Figura 8. Comportamento da umidade relativa nos ambientes administrativos
no inverno em relação ao intervalo ideal

Image2074.JPG

Fonte: Autores.

Assim como para o parâmetro de temperatura do ar, os três ambientes usados por salas de exposições apresentaram o comportamento de umidade relativa mais próximos entre si, conforme Figuras 9 e 10. No verão os valores registrados apresentaram-se mais condizentes com o estabelecido para o uso, entre 40% e 60%, não atingindo valores acima de 80%. Já no inverno, os valores máximos chegaram aos 95%, permanecendo mais tempo fora do intervalo especificado.

Figura 9. Comportamento da umidade relativa nas salas de exposição
no verão em relação ao intervalo ideal

Image2084.JPG

Fonte: Autores.

Figura 10. Comportamento da umidade relativa nas salas de exposição
no inverno em relação ao intervalo ideal

Image2092.JPG

Fonte: Autores.

É possível dizer que, para o parâmetro de temperatura do ar, o verão possibilitou melhores condições de conforto nos ambientes administrativos. Nesses espaços, acontecia a abertura de janelas para ventilação, com exceção do Casarão 6, possibilitando amenizar as temperaturas altas. No uso de exposições entretanto, o período de inverno apresentou temperaturas internas dentro do intervalo ideal mais vezes durante o mês, apesar de não expressar-se significativamente dentro dos intervalos.

Para o parâmetro de umidade relativa do ar, os dois usos apresentaram comportamento similar nos dois meses de levantamentos analisados. Apesar disso, os ambientes expositivos permaneceram mais tempo acima do limite máximo de 60%, até mesmo no período de verão. As precárias condições de ventilação natural contribuíram para esse resultado, elevando os valores de umidade relativa do ar interna.

Mesmo apresentando-se dentro dos limites ideais em alguns momentos, pode-se dizer que, passivamente, estes prédios não apresentaram condições de garantir o conforto térmico e higroscópico para os novos usos em questão. Aykal et al. (2011) perceberam a necessidade de estudos prévios à instalação de novos usos nos prédios, relacionados tanto aos parâmetros ambientais necessários, quanto aos disponíveis. Dessa forma, não seriam necessários gastos com reparos ou até mesmo, possível desativação dos prédios.

Associando os resultados às conclusões de Guerra et al. (2016), o uso expositivo pode ser diretamente responsável pelo surgimento de fungos filamentosos, já que eleva os índices de umidade relativa interna, comprovada pela comparação realizada entre três diferentes edificações. Além disso, os ambientes administrativos apresentaram valores de umidade relativa do ar mais baixos e ventilação frequente, o que dificultaria o surgimento desse tipo de dano.

Ainda em relação aos danos aos materiais construtivos, pode-se afirmar que houve uma modificação no modo de uso e operação dos ambientes, tanto expositivos, quanto administrativos. No primeiro, as janelas não eram abertas e no segundo havia a existência de equipamentos geradores de calor. Segundo Silva e Henriques (2014) qualquer alteração do microclima interno pode ocasionar danos à conservação dos prédios. Assim, além de estudos a respeito das condições de conforto ambiental para os novos usuários, é preciso considerar a necessidade de levantamentos do estado de conservação dos ambientes, a fim de relacioná-los ao microclima alterado pelo novo uso.

Conclusões

O monitoramento do microclima pelos parâmetros de temperatura e umidade relativa do ar, permitiu caracterizar o comportamento dos três prédios, em diferentes usos. Pode-se dizer que o comportamento da temperatura mostrou ter relação com o modo de operação dos ambientes, sendo similar em espaços com o mesmo uso, em todos os prédios analisados. Em ambientes administrativos a temperatura do ar apresentou-se mais alta em comparação aos ambientes de salas de exposições.

A explicação para esta diferença pode estar na localização dos ambientes. Os espaços administrativos encontravam-se no segundo pavimento, por isso as temperaturas registradas mostraram-se mais elevadas em relação aos ambientes do outro uso, já que os ambientes possuem as mesmas orientações solares. Além disso, a abertura de janelas, permitindo a incidência de iluminação natural, juntamente com maior número de usuários e equipamentos, aumenta os valores de temperatura internos.

O comportamento da umidade relativa mostrou ser bastante crítico no período de inverno, quando os valores deste parâmetro estiveram muito acima dos máximos permitidos, para os dois usos. Isso se deve, em parte, pelas características da cidade, que apresenta altas taxas de umidade relativa do ar. Assim, os resultados apontam para a necessidade de climatização artificial nestes ambientes, a fim de controlar este parâmetro dentro dos limites especificados.

Através da caracterização do microclima percebeu-se que as edificações não apresentam boas condições de conforto ambiental para os parâmetros analisados. Para os meses críticos do ano, nenhum uso mostrou estar condizente com as especificações em questão. Entretanto, o uso administrativo permitiu a incidência maior de iluminação e ventilação natural, que pode estar mais condizente com as características microclimáticas originais do prédio.

Concluiu-se então, que a caracterização microclimática dos prédios históricos em questão deveria ter sido realizada anteriormente à escolha do novo uso. Assim, seria possível identificar a potencialidade de cada ambiente no intuito de adequar e definir usos que apresentassem condições favoráveis para suas necessidades.

Ainda assim, é preciso analisar o impacto que estes novos usos provocam na conservação dos materiais construtivos, como surgimento de fungos, trincas e perdas de elementos. Ou seja, além de proporcionar condições de conforto aos usuários, o novo uso também deve contribuir com a conservação da construção.

Referências

ASHRAE - AMERICAN SOCIETY OF HEATING, REFRIGERATING AND AIR-CONDITIONING ENGINEERS. ASHRAE Standard 62. Ventilation for Acceptable Indoor Air Quality. Atlanta, 2001.

_____. ASHRAE Standard 55. Thermal Environmental Conditions for Human Occupancy. Atlanta, 2004.

_____. ASHRAE Handbook Fundamentals. Atlanta, 2009.

AYKAL, D.; GÜMÜS, B.; ÜNVER, R.; MURT, Ö. An approach to the evaluation of re-functioned historical buildings in view of natural lighting, a case study in Diyarbakir Turkey. Light and Engineering, Moscow, v. 19, n. 2, pp. 64-76. 2011.

BARRANHA, H. Os museus como requalificação do património. 2012. Disponível em: <http://www.patrimonio.pt/index.php/por-dentro/390-os-museus-como-requalificacao-do-patrimonio>. Acesso em: 21 out. 2015.

EMBRAPA - EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. Normais climatológicas, 1971-2000. Disponível em: <http://agromet.cpact.embrapa.br/estacao/normais.html>. Acesso em: 10 dez. 2016. 2016a.

EMBRAPA - EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. Dados Meteorológicos de Pelotas. Estatísticas – Resumos Mensais. Disponível em: <http://agromet.cpact.embrapa.br/online/Current_Monitor.htm>. Acesso em: 10 dez. 2016. 2016b.

GUERRA F. L.; PERES, R. M.; CUNHA, E. G.; GALLI, F. Analysis of the microclimate in historical building to assess the probability of recurrence of filamentous fungi. Recent Developments in Building Diagnosis Techniques, Porto: Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto, pp. 195-213. 2016.

IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Pelotas. 2014. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/281>. Acesso em: 20 dez. 2016.

MICHALSKI, S. Climate guidelines for heritage collections: were we are in 2014 and how we got here. Proceedings of the Smithsonian Institution Summit on the Museum Preservation Environment. Washington DC: Smithsonian Institution Scholarly Press, pp. 7-34. 2016.

MUNARIM, U. Benefícios ambientais da preservação do patrimônio edificado: análise do ciclo de vida da reabilitação de edificações vs. nova construção. 2014. Tese. Doutorado em Engenharia Civil, Universidade Federal de Santa Catarina. 2014.

PARADA, M. S. Reabilitação energética de um edifício antigo segundo os requisitos EnerPhit. 2014. Dissertação. Mestrado em Engenharia Civil, Universidade de Aveiro. 2014.

PASSIVHAUS INSTITUT. Kriterien für den Passivhaus – EnerPhit – und PHI-Energiesparhaus-Standard. Darmstadt, Alemanha, 28 f. 2016.

RIBEIRO, M. B.; LOMARDO, L. L. B. Parâmetros ambientais de conservação dos acervos museológicos aplicados na arquitetura de museus. In: PROCESSOS DE MUSEALIZAÇÃO – UM SEMINÁRIO DE INVESTIGAÇÃO INTERNACIONAL, 1., 2014, Porto. Anais... Porto: Universidade do Porto, pp. 269-285.

RODRIGUES, I. M. F. M. Centros de Arte Contemporânea em edifícios históricos: Três casos de estudo. 2012. Dissertação. Mestrado Integrado em Arquitectura, Universidade de Coimbra. 2012.

SECULT - SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA. Manual do Usuário. 1.ed. Pelotas: Nova Prova, 104p. 2008.

SILVA, H. E.; HENRIQUES, F. M. A. Microclimatic analysis of historic buildings: a new methodology for temperate climates. Building and Environment, Portugal, v. 82, pp. 381-387. 2014.

VELIOS, A. IIC announces declaration on Environmental Guidelines. Online. 2014. Disponível em: <https://www.iiconservation.org/node/5168>. Acesso em: 17 fev. 2017.

Revista de Engenharia Civil IMED, Passo Fundo, vol. 4, n. 1, p. 63-80, Jan.-Jun. 2017 - ISSN 2358-6508

DOI: http://dx.doi.org/10.18256/2358-6508/rec-imed.v4n1p63-80

Como citar este artigo / How to cite item: clique aqui!/click here!

Apontamentos

  • Não há apontamentos.




Direitos autorais 2017 Revista de Engenharia Civil IMED

Licença Creative Commons
Esta obra da Revista de Engenharia Civil IMED está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.

ISSN 2358-6508

 Indexadores

DOAJ.jpg   logos_DOI_CrossRef_CrossChek.png 
SHERPA-RoMEO-long-logo.gif   
 
 latindex.jpg