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Relações entre uso misto do solo e espaço público na Linha Verde de Curitiba

Relations between land mixed use and public space in Linha Verde of Curitiba

André Augusto Prevedello

Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná; Pós-graduado em Gerenciamento de Projetos pela FGV; Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná.
E-mails: [email protected] | [email protected] |
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5957-4533

Resumo

A pesquisa analisa a configuração urbana da Linha Verde de Curitiba. Foi desenvolvido um levantamento de dados de um recorte da Linha Verde Sul (área de operação urbana) e da Av. Sete de Setembro (região da cidade já consolidada). Baseados na evolução da cidade e de ampla análise de uma revisão bibliográfica sobre espaço público e uso misto do solo a pesquisa tem por objetivo demonstrar que a quantidade de espaço público destinado foi superior às médias da cidade. Contudo, o modelo de relação entre uso misto do solo e as áreas públicas é o mesmo já utilizado na Av. Estrutural Sete de Setembro. Tanto para a área em recorte da Linha Verde Sul quanto para o trecho da Avenida estrutural Sete de Setembro, foi desenvolvido um levantamento de dados dividido em três grupos. O primeiro grupo formado por parâmetros urbanísticos gerais como coeficiente de aproveitamento, áreas dos terrenos, área de ocupação e área construída. O segundo grupo, formado pelos parâmetros físicos do espaço público como áreas de calçadas, de ruas, permeáveis e verdes. Um terceiro grupo, utilizando o parâmetro de densidade e as relações entre densidade e áreas públicas. Após este levantamento foi feito um cruzamento dos dados obtidos com o objetivo de encontrar relações entre a densidade, atual e futura, Espaço Público e Uso Misto do Solo. Partindo-se do princípio que a utilização de variadas tipologias de uso do solo adjacente a espaços públicos possui relações complementares de melhoria de qualidade à cidade, defende-se que a implementação destes conceitos foi falha em outras áreas já consolidadas da cidade.

Palavras-chave: Uso misto do solo. Espaço público. Densidade.

Abstract

The research analyzes the urban configuration of Curitiba Linha Verde. Was developed a data collection of an urban slice in the South Linha Verde (urban operation area) and Sete de Setembro Avenue (region of the city already consolidated). Based on the evolution of the city and a broad analysis of a bibliographical review on public space and mixed use of, land, the research aims to demonstrate that the amount of public space destined was higher than the averages of the city. However, the model of relationship between mixed land use and public areas is the same one already used in Structural Sete de Setembro Avenue. For both the slice urban area of the South Linha Verde and the slice of Sete de Setembro Structural Avenue a data survey was developed, divided into three groups. The first group formed by general urban planning parameters such as coefficient of utilization, land areas, occupation area and built area. The second group, formed by the physical parameters of the public space as areas of sidewalks, streets, permeable and green areas. A third group, using the density parameter and the relations between density and public areas. After this survey, the data obtained were crossed with the objective of finding relationships between current and future density, Public Space and Mixed Land Use. Assuming that the use of various types of land use adjacent to public spaces has complementary relations of quality improvement to the city it is argued that the implementation of these concepts was failed in other already consolidated areas of the city.

Keywords: land mixed use. Public space. Density.

Introdução

Curitiba sempre aplicou conceitos urbanísticos de uma certa forma contínua. Aliado a questões urbanas e políticas, diversas intervenções aconteceram na cidade, de maneira a gerar reflexos em sua na área urbana atual. Entre elas, o Plano Diretor e a criação do Instituto de Pesquisa e Planejamento (1965), a reestruturação do centro histórico (1971), a implantação das avenidas estruturais (década 70), delimitação e criação da cidade Industrial (1973), entre outros. Segundo Dudeque (2010) a gestão urbanística de Curitiba se opôs às descontinuidades no governo do Paraná o qual, na década de 60, propôs o planejamento urbano regional idealizado por técnicos estaduais. Esse pensamento chegou ao auge na segunda metade da década de 1970, porém, a partir da crise econômica de 1982, o aparato desenvolvimentista do estado se desconfigurou. Ainda que o planejamento estadual estivesse em crise, revistas ao redor do mundo citavam Curitiba como sendo uma referência urbanística (DUDEQUE, 2010) muito em função da aplicação do Plano Diretor de 65 baseado sobre o tripé Transporte Coletivo/Sistema Viário/Uso do Solo. Estas reformas sempre se caracterizam por intervir de maneira determinante na forma urbana e de maneira geral direcionaram o crescimento da cidade (FIPE, 2011).

Delimitação da área de Análise

Em 2006 foi criada a Linha Verde, um novo eixo de crescimento e adensamento urbano, conforme figura 01. Seu grande diferencial reside no fato da área estar conectada com outras áreas urbanas da Região metropolitana de Curitiba. Este novo eixo pode ser compreendido como intervenção urbana uma vez que a região já se encontra, em grande parte, cercada por bairros como Boqueirão, Tarumã, Boa Vista, entre outros.

O local desta pesquisa encontra-se no território definido pela COMEC (Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba) como NUC (Núcleo Urbano Central). Este é atualmente delimitado por 14 municípios, adotado pelo Instituto de pesquisa e Planejamento de Curitiba (IPPUC, 2010). A área é atualmente dividida como “Linha Verde Sul” e “Linha Verde Norte” e possui ligação direta com os municípios integrantes do NUC, entre eles, Fazenda Rio Grande, Pinhais, São José dos Pinhais e Colombo o que caracteriza a região como um eixo com grande movimentação diária de pessoas, bens e produtos do contexto metropolitano (IPPUC, 2010). O objeto de estudo é o eixo estrutural sul de Curitiba, conforme figura 01. Este novo eixo estrutural foi criado ao modelo das avenidas estruturais com oferta de transporte coletivo, sistema viário com canaleta exclusiva de ônibus e pistas laterais para transporte privado e uso misto do solo, conceito defendido já em 1997 pelo Instituto de Planejamento.

Figura 01. Delimitação física da área da Linha Verde (antiga BR-116)

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Fonte: Google Earth, 2012.

Em junho de 2008 foi aprovada a Lei Municipal nº 12.767/2008, que cria incentivos construtivos para terrenos localizados na Linha Verde. Esse eixo viário configura o Setor Especial da BR-116 (SE-BR-116) destinado à ocupação mista e de média e alta densidade habitacional. Foram criados ainda sete Polos de crescimento idealizados como áreas de ocupação diferenciada, onde se pretende adensamento, verticalização e implantação de usos mistos. A prefeitura de Curitiba projeta um crescimento de 80 mil para 135 mil pessoas e promove um estimulo à área como forma de recuperar o investimento inicial (FIPE, 2011).

A legislação aprovada pela prefeitura municipal apresenta particularidades que são determinantes na definição do desenho da região assim como deverão orientar suas diretrizes gerais de implantação. Resumidamente temos:

    a. Legislação de Uso e Ocupação do Solo municipal com projeções de crescimento de coeficiente de cerca de 01, variando até valores que podem chegar a 7,6 (comercial) ou 10,5 (residencial) vezes a área do terreno;

    b. Abundância de terrenos disponíveis para o aproveitamento imobiliário, com valores unitários médios baixos, de R$ 670,00/m² na Linha Verde, comparados com áreas imediatamente vizinhas ao centro que alcançam cerca de R$ 1.200,00/m² e R$ 1.600,00/m² conforme o Sindicato da Indústria da Construção Civil, Paraná (2012);

    c. Modalidades de outorga onerosa previstas na legislação municipal, que fazem “concorrência” à operação urbana consolidada (OUC) Linha Verde.

Este crescimento irá naturalmente gerar uma demanda crescente por espaços públicos e mobilidade urbana. Assim torna-se essencial analisar como o planejamento urbano local previu o conjunto de características que possibilitem ao tecido urbano responder às necessidades de áreas públicas em função da densidade populacional que irá ocorrer.

É estimado conforme relatório da Fundação Instituto de Pesquisa (FIPE,2012) um grande adensamento e verticalização para a região da Linha Verde, que historicamente teve uma ocupação predominantemente horizontal com existência de serviços e comércio típicos de uma área marginal á uma rodovia federal, BR 116, que cortava a área urbana de Curitiba. A partir da implementação da Linha Verde, aplicando-se os potenciais adicionais possibilitados pela Operação Urbana a área de terreno passível de renovação, e possível calcular qual a Área Construída Adicional (ACA) a ser disponibilizada ao mercado. Este acréscimo resulta em um volume de aproximadamente 4.475.520 m² de área construída adicional (ACA), volume esse que, deverá constar do Projeto de Lei da Operação Urbana, sendo aproximadamente 1.280.000 m² para o setor norte, 1.275.000 m² para o setor central e 1.920.000 m² para o setor sul (área em estudo), conforme Tabela 01. Segundo relatório a Fundação Instituto de Pesquisa (FIPE, 2011), após a determinação da área construída adicional (ACA) total por setor para atender ao Estatuto da Cidade, legislação federal que regula as operações urbanas, fez-se necessário dividi-la pelos usos residencial e não-residencial. O que foi feito em função do perfil das zonas de uso envolvidas, das tendências de desenvolvimento urbano identificadas na região e, principalmente, das diretrizes de política urbana preconizadas para cada um dos Setores da Operação Urbana, a qual integra o Projeto de Lei da Operação Urbana Linha Verde.

Tabela 01. Área adicional de construção

Setor

Área adicional de construção – ACA (m2)

TOTAL

Residencial

Não-Res

Norte

1.282.000

985.000

297.000

Central

1.274.000

761.000

513.000

Sul

1.919.000

1.581.000

338.000

Total

4.475.000

3.327.000

1.143.000

Total Geral

4.475.000

Fonte: Relatório FIPE (2011).

As intervenções físicas caracterizaram-se pela implantação da canaleta exclusiva para transporte um sistema de transporte de massa, cujo modal é o Bus Rapid Transit (BRT), obras de drenagem, recuperação das vias centrais e marginais da antiga rodovia e implantação de vias marginais. Além destas ações, com o objetivo de solucionar as interseções com a antiga BR-116, foram previstas trincheiras em cruzamentos críticos, bem como a implantação e adequação de obras de arte existentes. Complementando a infraestrutura de transporte foram previstas também a implantação de 32 estações para o atendimento de três linhas de transporte, divididas em cinco modelos distintos. No eixo da via foi prevista ainda a implantação de ciclovias, a fim de compor um sistema de circulação do parque linear, com plantio de árvores e demais elementos paisagísticos. Soma-se a essas intervenções a implementação de sinalização horizontal, vertical, semafórica e indicativa, sendo a região tratada como uma nova subárea do Controle de Tráfego em Área, objetivando, segundo Instituto de Planejamento e Pesquisa, uma maior agilidade na operação do sistema de transporte proposto.

Em termos de espaço público a área da Linha Verde possui atualmente 5,7 milhões de m² de área construída, distribuída entre os setores Norte, Central e Sul, volume esse que, dividido pela área de terreno líquida de lotes no total de 20,8 milhões de m², resulta em uma densidade construída e um coeficiente de aproveitamento (CA) bastante baixo de 0,27 quando comparado, por exemplo, com a região da Av. Estrutural Sete de Setembro que alcança um coeficiente de aproveitamento com uma média de 4,97.

Verifica-se que o território da Linha Verde tem ocupação atual com forte predominância horizontal, de baixo e médio padrão. Essas características da ocupação são evidentes principalmente nos usos comercial/serviços e no residencial, ambos com média de 99% e 95% de sua área ocupada horizontalmente, sendo 80% nos padrões citados. A tipologia vertical é extremamente restrita e está concentrada em locais específicos, sendo em sua quase totalidade, de médio padrão (FIPE, 2011).

Metodologia de pesquisa

Esta pesquisa trabalha métodos quantitativos e qualitativos. A aplicação destes dois tipos de investigação em um mesmo projeto tem a vantagem de permitir que os resultados quantitativos, obtidos através de levantamento de dados, áreas e parâmetros urbanísticos como coeficiente, taxa de ocupação, etc; sejam utilizados na construção de desenhos qualitativos para o estudo de caso da Avenida Sete de Setembro e da Linha Verde.

Conceitos de Uso misto do solo e espaço público

Segundo o Instituo de Planejamento e pesquisa de Curitiba (IPPUC, 2002) o espaço público é o local da paisagem urbana, do interesse público e das funções da cidade, além de ser capaz de proporcionar a comercialização de produtos, realização de eventos e demais atividades subordinadas a preservação da qualidade e identidade urbana.

Nos anos 60 inicia-se um questionamento com relação ao modo modernista de se pensar a cidade. Para Jacobs (1961) o espaço público está diretamente relacionado com o uso das ruas e a segurança das mesmas. Áreas como parques e play grounds não oferecem a devida segurança, pois não permitem que estes espaços, na maioria das vezes, possam ser observados pela própria comunidade que reside na área em questão. Sendo assim, as ruas e calçadas são o local de maior segurança uma vez que é neste local que as interações entre a comunidade acontecem.

Mais do que simplesmente classificar a cidade e generalizar as diversas funções críticas ao pensamento moderno buscaram reconhecer os elementos da mesma e a interferência destes na paisagem e vida urbana além de compreender suas relações, associativas, construtivas, e o resultado destas para a cidade. Caldeira (2000) assinala que a experiência da vida moderna inclui a primazia da abertura de ruas, livre circulação, encontros impessoais e anonimato do pedestre, a fruição espontânea e a reunião nas praças.

Não existe uma teoria, como defendiam os modernistas, que possa vir a ser utilizada para qualquer cidade ou espaço público e que irá gerar os resultados qualitativos imaginados com absoluta certeza. Analisando diversos processos de reurbanização e consequente revalorização do espaço público, percebe-se abordagens locais para problemas locais. Barcelona reestruturou seu espaço urbano com uma política de saneamento de sua área central, requalificação de sua área beira mar, incentivo à produção de artistas, liberação de áreas peatonais, entre outros. Já Paris investiu e investe em transporte público, espalha museus e cafés por toda a cidade para manterem o fluxo e animação de pessoas e turistas. Medellín investe em uma reestruturação social de suas áreas e constrói bibliotecas em área de pouquíssima infraestrutura, além de Ginásios e áreas de lazer em meio a favelas com transporte público interconectando estes pontos sociais. Com isto percebesse um desenvolvimento urbano às áreas adjacentes aos equipamentos públicos mencionados e uma requalificação da cidade como um todo.

Entretanto ressalta-se um ponto comum a todos estes exemplos que é a valorização de áreas públicas. O tratamento destas não apenas como um espaço residual em meio aos edifícios, mas sim um local para convívio e sociabilidade das pessoas, desenvolvimento de comércio e serviços, áreas de trabalho para alguns e lazer para outros.

Segundo Senett (1977) a atomização da cidade, cuja expressão são enclaves fragmentários como os shoppings, as comunidades auto aprisionadas em condomínios, clubes e as “atrações” turísticas eliminaram, na prática, com um componente essencial do espaço público: a superposição de funções em um mesmo território o que é responsável, em parte, pela complexidade das experiências vividas nestes espaços. Esta superposição de funções, presentes, por exemplo, nos múltiplos usos de uma rua somente pode acontecer a partir da interação de pessoas com diferentes propósitos, buscando moldar o espaço a suas necessidades de uso (JACOBS, 1961).

Arendth (1998) defende, do ponto de vista social, que o espaço público é o local da sociedade, o espaço político, e nestes contornos é necessariamente um espaço simbólico, pois se opõe e responde a discursos, dos agentes políticos, sociais, religiosos, culturais, intelectuais que constituem uma sociedade. Soja (1996) concebe o espaço público como um lugar de debates e de encontro social. Já para Habermas (1964) o espaço público é o local apto para a formação do conceito de cidadania.

Sobre a característica comportamental do espaço público, Habermas (1964) destaca a publicidade como “tornar público” e a sociabilidade, como características essenciais da esfera pública. Assim, podemos afirmar que o espaço público é o lugar do encontro das pessoas, onde a vida urbana se expressa e onde todos alcançam de certa forma, a sua visibilidade. Neste sentido, é o lugar da representatividade, onde pessoas diferentes têm a possibilidade do encontro e da convivência, sem que isto seja mediado pela intimidade, mas sim pela civilidade. Habermas (1964) considera como sujeito da esfera pública o público enquanto portador de opinião, que exerce uma função crítica, ressalta a retração dessa esfera ao se referir às cidades contemporâneas, vistas como universos cada vez mais complexos. Ainda, denuncia a deterioração da esfera pública, não no sentido de perda quantitativa de espaço público, mas sim devido a uma perda qualitativa, oriunda da transformação do público enquanto portador de opinião, portanto, informado e crítico para um público consumidor influenciado pela publicidade enquanto propaganda comercial.

Segundo Antunes (2001) do ponto de vista geográfico o espaço público é encarado como “uno e múltiplo” e pode ser categorizado como: território, paisagem, lugar e ambiente. O espaço geográfico é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como uma figura única na qual a história se dá. Na concepção de espaço está contida a ideia de categorias. Por este conceito entende-se o conjunto de palavras ou conceitos “as quais se atribui dimensão filosófica, ou seja, “que produzem significado basicamente não de uso coletivo, mas do sentido que adquirem no contexto de sistemas de pensamento determinados. Estas categorias são a natureza, sociedade, tempo e o espaço. O espaço é acumulação desigual de tempos. O que significa conceber espaço como heranças (SANTOS, 1997). Desta forma, num mesmo espaço coabitam tempos diferentes, tempos tecnológicos diferentes, resultando daí inserções diferentes do lugar no sistema ou na rede mundial, mundo globalizado, resultando diferentes ritmos e coexistências nos lugares.

Historicamente os geógrafos perceberam a paisagem como a expressão materializada das relações do homem com a natureza num espaço circunscrito. Para muitos, o limite da paisagem atrelava-se à possibilidade visual. Troll (1997), ao referir-se à paisagem, concebia-a como o conjunto das interações homem e meio. Assim, a paisagem deveria ser estudada na sua morfologia, estrutura e divisão além da ecologia da paisagem, nível máximo de interação entre os diferentes elementos. Bertrand (2004), ao propor o estudo de geografia física global, pensou a paisagem como resultado sobre certa porção do espaço, da combinação dinâmica e, portanto, instável dos elementos físicos, biológicos e antrópicos que interagindo dialeticamente uns sobre os outros fazem da paisagem um conjunto único e indissociável em contínua evolução.

O conceito de Território, trata o espaço geográfico a partir de uma concepção que privilegia o uso político e a apropriação do espaço. Segundo Ratzel (1899), a organização de uma sociedade depende estritamente da natureza de seu solo, de sua situação, o conhecimento da natureza física do país, tornando-se um pensamento político. Contemporaneamente, fala-se em complexidades territoriais, entendendo território como campo de forças, ou “teias ou redes de relações sociais”. Segundo Souza (1995), não há hoje possibilidade de conceber uma superposição tão absoluta entre espaço concreto, definido fisicamente, e o território como campo de forças. Trata-se de uma dimensão do espaço geográfico que desvincula as relações humanas e sociais da relação direta com a dimensão natural do espaço. Fica clara a necessidade de domínio, do espaço e também dos recursos naturais, como expressa na concepção clássica de território. A natureza, enquanto recurso associada à ideia de território, já não é mais necessária segundo Souza (1995).

Lugar constitui a dimensão da existência que se manifesta através de um cotidiano coabitado entre diversas pessoas e instituições. Segundo Santos (1997), cooperação e conflito são a base da vida em comum e no lugar, o nosso próximo, se superpõe, dialeticamente ao eixo das sucessões, que transmite os tempos externos das escalas superiores e o eixo dos tempos internos, eixo das coexistências, onde tudo se funde, enlaçando definitivamente as noções e as realidades de espaço e tempo.

Podemos dizer que existe uma estreita relação entra a valorização do espaço público e sua consequente alteração física e espacial, tanto positiva quanto negativa. Dentro de um pensamento capitalista no qual a busca pelo lucro é o principal objetivo do individuo poderíamos prever que quanto mais este mesmo sistema tende a se desenvolver mais perto da extinção estaria as áreas públicas e abertas as quais não se pode diretamente especular sobre a terra em questão. Parece lógico afirmar que com a supervalorização de terrenos nas grandes cidades maior é a especulação para uso desta mesma terra e consequente aumento de densidade de usos destas áreas. É justamente neste ponto que reside a necessidade de se controlar e prever áreas públicas, ou seja, exatamente nos locais de grande densidade é que normalmente necessitamos de melhores áreas livres.

Na cidade contemporânea, vários são os fatores que acabam por prejudicar os espaços públicos. Segundo Boggs (2000) estas áreas vêm se deteriorando, fato causado pela dualidade entre capitalismo e urbanismo. Mais grave, este processo gera perdas gerais como a substituição do espaço edificado, muitas vezes sem condições de habitabilidade, em virtude da especulação imobiliária. Perda acentuada decorrente aa incoerência entre a limitação dos recursos energéticos com as matrizes de transporte urbanos adotado, assim como a poluição e contaminação pelas atividades humanas, relacionadas principalmente ao uso do automóvel e à queima de combustíveis fósseis gerando a destruição do habitat e das paisagens naturais pela expansão urbana.

A privatização, não claramente demarcada, do espaço público e a decadência da liberdade individual, resultado de privatização da esfera política, introduz novas regras de utilização do espaço para todos e que não são plenamente adequadas às instituições democráticas. Atualmente podemos adaptar este argumento teórico à situação dos condomínios fechados. Nestes locais as normas de conivência democrática, como a liberdade de expressão e de associação e o direito de ir e vir, são limitadas por acordos particulares entre incorporadores e proprietários o que acaba por restringir a possibilidade de uso do espaço público.

A mistura de usos do solo tem sido uma característica onipresente das cidades e áreas urbanas desde o início da civilização humana. A revolução industrial trouxe uma mudança fundamental nos padrões de desenvolvimento. Esta transformação foi estimulada principalmente por cinco fatores: industrialização, urbanização, avanços no transporte, zoneamento e o surgimento de uma classe média emergente. Historicamente, os espaços necessários de uma residência eram baseados nas funções essenciais do ambiente construído, incluindo lugares para dormir, socializar, comercializar e trabalhar, os quais se encontravam misturados no tecido urbano grande parte em função de o percurso peatonal ser o principal meio de transporte (MORRIS, 1994). Assim, as distâncias que as pessoas eram capazes de viajar diariamente foram limitadas ao que poderia razoavelmente ser percorrido a pé e em pequena quantidade de tempo, disponível entre o período de dormir e trabalhar. Na verdade, uma grande parte da sociedade vivia em espaços que também serviam como local de trabalho e comércio integrados em suas unidades habitacionais. Assim, antes do início do século 19, grande parte das áreas urbanas compartilhava estes dois atributos, ou seja, o circuito peatonal como principal meio de transporte e os usos compartilhado de funções tanto no espaço público quanto internamente a seus edifícios.

Conforme definido pelo New Urbanism, o uso misto caracteriza-se pela utilização de várias funções dentro de um mesmo edifício ou da mesma área geral urbana (terreno, quadra, rua, etc.), através da sobreposição ou adjacência de usos.

Segundo o Instituto de Planejamento e Pesquisa de Curitiba (IPPUC, 2002) usos mistos são áreas de ocupação e paisagem diferenciadas, de média e alta densidade, onde se pretende adensamento, verticalização e ocupação, identificados por edifícios de altura livre, com funções de habitação, trabalho e recreação. Durante as últimas décadas a utilização e estudo de urbanismo com usos mistos tornaram-se um ponto importante e até mesmo um paradigma em várias cidades europeias e norte-americanas. No entanto, o conceito de utilização de usos mistos ainda é confuso, tanto em teoria uma vez que não há um pensamento aceito por toda a comunidade quanto na prática por muitos dos conceitos conhecidos foram aplicados de forma incipiente. Habitação e áreas de trabalho, bem como outras utilizações compatíveis, estão estreitamente relacionadas no tempo e espaço, de modo a reduzir a necessidade de se deslocar, conservar energia e reduzir a poluição dos grandes centros urbanos, conforme apresentado pelo Conselho Europeu de Urbanistas (CEU) da Carta de Atenas em 1998.

A partir da Segunda Guerra Mundial o planejamento urbano foi categoricamente separado em quatro funções principais da cidade, morar, trabalhar, circular e cultivar o corpo e espirito. No urbanismo europeu o conceito de uso misto é comumente visto como parte de um renascimento urbano e como representante de um conceito de cidade compacta (HOPPENBROUWER, 2005). No pensamento norte americano, é visto como parte da assim chamada Estratégia do Novo Urbanismo (CERVERO, 1997) e como aspecto integral do mesmo segundo Calthorpe (1993) e Duany (1991). Defendido como um instrumento significativo para criar e manter atraente, habitáveis e sustentáveis os ambientes urbanos. O conceito de utilização mista é, no entanto, ambíguo e tornou-se um mantra em planejamento contemporâneo em função dos benefícios adquiridos para a cidade (GRANT, 2002).

Assim como uma teoria da boa forma urbana, a mistura de usos faz parte de uma estratégia mais ampla para o desenvolvimento sustentável das cidades. Grant (2002) argumenta que, embora usos mistos pareçam um conceito relativamente simples, um olhar mais atento aos objetivos e estratégias revela pelo menos três níveis conceituais. O primeiro nível resume-se em aumentar a densidade do uso do solo, por exemplo, incentivando uma mistura de formas e tipos de habitação. Este objetivo de mistura social é mais popular na América do Norte do que Europa e América do Sul. O Segundo nível é o de aumento da diversidade de usos compatíveis, fomentando-os a se misturarem. Em muitos casos, uma mistura de usos comerciais ou de escritório com usos residenciais é visto como algo que pode gerar efeitos de sinergia entre as partes. O terceiro nível envolve a integração de usos segregados e a superação de suas barreiras regulatórias, mais preocupadas com o meio ambiente, impactos, ruído e trânsito.

A base sobre a quais diversas políticas urbanas contemporâneas apoiam o desenvolvimento de uso misto no planejamento está localizada sobre dois conceitos. O primeiro conceito seria o de reduzir a necessidade de locomoção através do fornecimento de uma série de requisitos de proximidade de funções. A concentração de atividades torna a integração de atividades possível, ao mesmo tempo em que, prevê uma combinação de fluxos de tráfego potenciais com base na aplicação de sistemas de tráfego eficientes. No entanto, a concentração de várias funções urbanas próxima não afeta apenas os fluxos de mobilidade, mas também o território urbano em si. O segundo conceito seria a contribuição para a diversidade e vitalidade urbana. Assim, a mistura de funções e atividades ofereceria oportunidades para melhorar a qualidade e atratividade da zona urbana uma vez que aumenta a atividade, uso e vitalidade durante o dia, à noite e nos fins de semana. Também pode haver benefícios em termos de prevenção da criminalidade e promoção da segurança, basicamente pela existência de um maior fluxo de pessoas nas diversas horas do dia, seja trabalhando, socializando e convivendo.

Contudo, certas atividades exigem a separação de outros usos, em particular o residencial e industrial, usos os quais são, geralmente, incompatíveis, ainda que as indústrias contemporâneas estejam cada vez mais limpas e silenciosas que os antigos edifícios industriais (ANGOTTI, 2001). Ainda assim, a utilização mista não conduz automaticamente a vitalidade. Lynch (1975) cita, por exemplo, estados em que muita diversidade de usos leva a uma abundância de cenários e resulta em um estresse urbano. Finalmente, as formulações de desenvolvimento de uso misto são insuficientes em termos de desenho urbano quando analisadas de forma isolada. Devem compreender também, além do desenho urbano, características tais como a experiência urbana, a natureza dos usos, definições de público e privado, segurança do espaço urbano, entre outros.

Embora muito tenha sido escrito sobre o urbanismo de uso misto, na prática, pouco foi escrito em forma de teoria. Segundo Jacobs (1961) uma combinação de trabalho, serviços, atividades diárias e cotidianas equilibradas com pequenas quantidades de usos diversos criam bairros vibrantes e bem-sucedidos, resultando em um local animado, estimulante e seguro. Existe uma distinção entre usos mistos primários e usos mistos secundários. Os usos mistos primários são o residencial e trabalho e qualquer uso que gere um grande número de pessoas que se deslocam através de uma área. Estes produzem a demanda por usos secundários como compras, restaurantes, bares e outras instalações de pequena escala. O resultado do movimento entre esses usos ocorrerá em momentos diferentes, formando ondas e destas ondas fluxos de pessoas. Isto leva a uma melhor distribuição da procura ao longo do dia, adicionando a diversidade local em contraste com um domínio público que é ocupado por um único tipo de uso do solo o qual irá ser utilizado apenas em determinados períodos durante o dia (JACOBS, 1961).

Para além dos diversos tipos de utilização do solo existe a escala geográfica de uso misto. Jacobs (1961) refere-se a este conceito na escala do bairro, enquanto Coupland (1997) refere-se à escala de um edifício. Assim, as funções urbanas podem ser encontradas em vários níveis espaciais da cidade. Além disso, as funções podem ser também misturadas no tempo. Quando um espaço particular é usado por duas ou mais funções, pode-se falar de um uso sequencial de espaço. Por exemplo, uma escola pode ser usada como um centro comunitário pela noite e um teatro pode ser usado para conferências durante o dia e como um cinema à noite, entre outros. Assim, a dimensão de tempo se refere ao cumprimento de múltiplas funções dentro de certo período de tempo o qual pode ser uma hora, um dia, na semana, mês, época do ano, etc. Quanto maior tempo de utilização maior será a possibilidade da mistura de funções. De acordo com Grant (2002) o uso misto envolve o aumento da diversidade de usos dentro do tecido urbano, incentivando uma mistura compatível, o que gera sinergias e faz diminuir a existência de conflitos urbanos. Os economistas definem uso misto em termos de sinergia e de aglomeração com efeitos entre atividades diferentes, mas complementares. A utilização diversificada do solo tende a aumentar o tipo de combinações e interações físicas e sociais e visuais.

Rowley (1996) acrescentou a escala espacial em seu modelo para fazer distinções entre prédios, blocos de rua, ruas e bairros. Também distingue entre quatro tipos de locais onde o uso misto é encontrado ou pode ser promovidos sendo eles a cidade, o centro da cidade, o interior de áreas urbanas e áreas verdes. O autor reconhece três abordagens para a manutenção ou promoção de uso misto e suas configurações. A conservação do tecido urbano estabelecido pelo uso misto e suas configurações, a revitalização gradual e reestruturação progressiva de áreas da cidade já existentes e o desenvolvimento integral ou renovação de áreas maiores.

Atualmente a demanda econômica é determinante para a configuração e uso do solo urbano privado, ou seja, as quadras urbanas. Cheng (2003) define o uso do solo, de maneira ampla, como o nível de acumulação espacial de atividades, tais como, produção, transação, administração e residência com fortes relações dinâmicas entre eles. O setor privado ao investir em áreas urbanas entende esta ação como sendo um fator produtivo o qual deve ser pago e, assim, entrar no cálculo dos custos de produção de seu investimento. Esta renda é adquirida com a conformidade da propriedade privada como renda absoluta ou monopólio. Mas além desta renda, advinda do que implica a propriedade, existe também a busca pelo retorno do capital investido, somado de juros. Em termos de solo urbano fica claro que os privilégios de monopólio da propriedade aparecem sob condições absolutas no espaço.

A diversidade de utilizações em localizações diferentes faz com que o espaço absoluto seja suplantado pelos atributos relativos do espaço, ponto de partida aos diversos tipos de renda. Em função da localização de determinada parcela de área urbana é possível se deslumbrar uma série de vantagens econômicas como baixar custos e explorar a área urbana em determinada ocasião de tempo mais adequada para a obtenção de maiores lucros. Este fato é conhecido como especulação do solo urbano. Esta rigidez de localização aliada a própria escassez de locais favoráveis, em relação às infraestruturas construídas, permitem o retorno de benefícios econômicos na medida em que os proprietários possam influenciar a ação do Estado ou da iniciativa privada para que através da especulação possam adquirir maiores retornos financeiros.

O desenho urbano de uma área com uso misto pode tomar uma variedade de formas. O Urban Land Institute (ULI, 2012) classifica o desenho e mesmo a configuração física de projetos de uso misto em três grupos, como Torres de uso misto isoladas umas de outras, Multitorres com estruturas comuns e integradas e Centros de uso misto urbanos como vilas e bairros. Destes, a forma mais popular em desenvolvimento é o de uso misto urbano. Os projetos atuais de uso misto são inspirados pelas ideias de Duany (1991) e Calthorpe (1993). O Desenvolvimento de uso misto segundo estes autores deve ser concebido com grande área pública verde com médias perto de 100 m² por habitante criando, assim, princípios que reconheçam o papel significativo que uma comunidade desempenha tanto no comportamento social quanto na mobilidade urbana.

Levantamento de dados da Linha verde

A partir de uma análise comparativa de dados absolutos, para o recorte do trecho da Linha Verde Sul, figura 02, foram selecionadas 14 quadras subdivididos em 167 lotes. Para o recorte da Avenida Estrutural Sete de Setembro, foram selecionadas 17 quadras subdivididos em 194 lotes, conforme figura 03. Os seguintes conceitos foram, assim, extraídos:

    a. Área de cada Recorte (AR) – retirada de cálculo em software Auto Cad, 2012;

    b. Área construída (AC) - retirada da Guia Amarela1 relativo a cada terreno e fornecida pela prefeitura de Curitiba;

    c. Média Coeficiente utilizado (CU) – média calculada dividindo a área construída pela área de terreno, em cada lote, retirada da guia amarela de cada terreno, representado pela seguinte fórmula: CU = AC / AT;

    d. Média Coeficiente a utilizar (CA) – média da diferença calculada entre o adicional construtivo e o coeficiente utilizado, representado pela seguinte fórmula: CA = AD – CU;

    e. Área de calçadas (AS) - retirada em software Auto Cad, 2012;

    f. Área de ruas (AR) - retirada em software AutoCad, 2012;

    g. Áreas de espaços públicos Verdes (AV) - retirada em software Auto Cad, 2012;

    h. Ocupação possível (OP) – retirada a partir da taxa de ocupação prevista na Lei 9.800;

    i. Máxima área permeável possível (MP) – calculada pela diferença entre a área do terreno e a área possível de ocupação, e representado pela seguinte fórmula: MP = AT – OP;

    j. População máxima prevista (PMP) - calculada para a Av. Sete de Setembro baseada, como referência, no decreto nº 1020/2013 que permite uma densidade de 400 hab/ha, multiplicado pela média de habitantes por domicílio que é de 2 apresentado nos dados do Censo (IBGE, 2012). Para Linha Verde o cálculo é baseado, como referência, no decreto nº 1020/2013 que permite uma densidade de 200 hab/ha, multiplicado pela média de habitantes por domicilio que é de 2 e representada pela seguinte fórmula: MD = AT x (400x2) / 10.000; MD = AT x (200x2) / 10.000;

    k. Área (m²) de calçadas por habitantes (MC) - calculada dividindo a máxima previsão de densidade pela área de calçadas, representado pela seguinte fórmula: MC = MD / AS;

    l. Área (m²) de ruas por habitantes (MR) - calculada dividindo a máxima previsão de densidade pela área de ruas, representado pela seguinte fórmula: MR = MD / AR;

    m. Áreas (m²) verdes por habitantes (MV) - calculada dividindo a máxima previsão de densidade pela área de calçadas, representado pela seguinte fórmula: MV = MD / AV;

    n. Na Linha Verde foi considerado 15% da área de calçadas com espaços verdes baseados no desenho padrão de calçadas da Prefeitura conforme decreto 1.066/2006;

    o. Porcentagem de uso residencial (PR) - calculada de levantamento local realizado pelo autor e no zoneamento de uso do solo. Calculada porcentagem em função da área total construída. Para a Linha Verde, em função de se tratar de uma projeção, foi simulado a mesma proporção entre uso residencial, comercial e serviços/cultura da Av. Sete de Setembro;

    p. Porcentagem de uso comercial (PC) - calculada de levantamento local realizado pelo autor e no zoneamento de uso do solo. Calculada porcentagem em função da área total construída;

    q. Porcentagem de uso de serviços e cultural (PS) - calculada de levantamento local realizado pelo autor e no zoneamento de uso do solo. Calculada porcentagem em função da área total construída;

Figura 02. Delimitação dos 167 terrenos Linha Verde Sul

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Fonte: Google Earth e Autor (2014).

Figura 03. Delimitação dos 167 terrenos Linha Verde Sul

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Fonte: Google Earth e Autor (2014)

Conclusão e considerações finais

A partir da tabulação de todos os dados levantados para os dois trechos foi possível uma análise comparativa entre as duas situações urbanas. Foi possível questionar se a implantação da Linha Verde Sul cumpre o que prevê o Estatuto da Cidade, lei federal 10.257 de 2001 a qual objetiva em se artigo 1° a regulação através do uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. Segundo Maricato (2006), a relação legislação/mercado restrito/exclusão talvez se mostre mais evidente nas regiões metropolitanas. É nas áreas rejeitadas pelo mercado imobiliário privado e nas áreas públicas, situadas em regiões desvalorizadas, que a população trabalhadora pobre vai se instalar. A implantação da Linha Verde busca estimular o interesse do mercado imobiliário na região, conforme já defendido pelo Instituto de Planejamento de Curitiba através de oferta de potencial, usos diversos do solo e espaço público ofertado em quantidade superior à área comparada já consolidada, conforme dados levantados na Tabela 02.

Tabela 02. Dados comparados

SIGLA

COMPARATIVO

LINHA VERDE

SETE DE SETEMBRO

AR

ÁREA RECORTE (m2)

162.411,26

194.137,35

AC

ÁREA CONSTRUÍDA (m2)

79.013,64

1.034.881,42

CU

MÉDIA COEFICIENTE UTILIZADO

0,46

4,97

CA

MÉDIA COEFICIENTE A UTILIZAR

3.54

-2,27

AS

ÁREA CALÇADAS (m2)

36.227,06

32.281,04

AR

ÁREA RUAS (m2)

53.443.99

48.793,62

AV

ÁREA ESPAÇO PÚBLICO VERDE (m2)

36.380,08

11.797,59

OP

OCUPAÇÃO POSSÍVEL (m2)

121.808,45

145640,51

MP

MÁX. ÁREA PERMEÁVEL POSSÍVEL (m2)

76.982,90

60.344,43

PMP

POPULAÇÃO MÁXIMA PREVISTA

51.971,60

82.790,51

MC

ÁREA DE CALÇADA POR HABITANTES

118,24

31,72

MR

ÁREA DE RUA POR HABITANTES

162,67

45.65

MV

ÁREAS VERDES POR HABITANTES

111,99

0,88

PR

PORC. RESIDENCIAL

15,60%

72.30%

PC

PORC. COMERCIAL

79,60%

18,45%

PS

PORC. SERV/CULT.

4,80%

9.25%

Fonte: Autor (2014).

A partir da comparação, Tabela 02, se identificam dados importantes independentes de a Linha Verde Sul se tratar de uma região em desenvolvimento e a Avenida Estrutural Sete de Setembro uma região já consolidada. Ainda que as duas regiões possuam áreas (em m²) de calçadas e ruas similares área destinada à espaço público verde foi mais que triplicada o que vai de encontro com o preconizado pelo Urban Land Institute. Ainda, na área já consolidada a média de área verde por habitante praticamente não existe, apenas 0,88 m², muito abaixo, das médias defendidas pelo Instituto de Planejamento de Curitiba, perto de 30-40 m². Isto em função da densidade populacional do local, maior que a projeção para a linha verde. A distribuição de uso do solo segue majoritária na região consolidada e tende a se inverter na Linha Verde uma vez que o uso residencial acaba predominando no desenvolvimento urbano histórico de Curitiba.

Gráfico 01. Comparação de dados de espaço público

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Fonte: Autor (2014).

Gráfico 02. Comparação de dados de uso do solo

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Fonte: Autor (2014).

Há uma clara relação entre uso misto do solo e espaço público. Uma maior variedade de usos implica em maior diversidade de pessoas circulando, com objetivos diversos, gerando um maior número de encontros, sinergias que acabam por diminuir a existência de conflitos urbanos (GRANT, 2002).

O processo de adensamento da região da Linha Verde ainda está em curso uma vez que registram ainda pouca área construída total e baixo valor de coeficiente de uso do solo. Conforme Tabela 02, sigla CA, o coeficiente médio atual não chega a 0,5 e o coeficiente possível é de até 4. Em comparação com a Av. Sete de Setembro, já consolidada, registra-se uma população máxima possível (PMP) inferior na Linha Verde mas dispersa em uma área de solo muito superior, ou seja, uma densidade inferior a Av. Sete de Setembro. Isto gera melhores relações de área verde por habitante, aproximadamente 110 m²/hab, conforme gráfico 03.

Gráfico 03. Quantidades médias de espaço público por habitante

3286.png

Fonte: Autor (2014).

A área pública representa mais de 20% da área total analisada e está localizada ao longo da Linha Verde o que distribui e garante melhor acesso às mesmas, possibilitando a vitalidade urbana (CALDEIRA, 2000). A média de área verde por habitante é considerada alta enquanto que a média de ruas e calçadas por habitante fica entre 115 e 160 m²/hab., ou seja, bem superior à média da Av. Sete de Setembro que fica entre 30 e 45 m²/hab. Segundo a Organização Mundial as Saúde (OMS) o mínimo aceitável é de 12 m²/hab. A área pública, superior à média, ainda não esta sendo utilizada em função do tipo de uso ainda existente e da baixíssima população atual. Segundo o relatório FIPE (2011) a previsão para adensamento da área será de 20 a 30 anos. Somente após este adensamento é que a espaço público previsto será utilizado plenamente.

Quanto ao tipo de uso do solo nota-se que aproximadamente 80% está destinado à utilização comercial, 15% à utilização exclusiva residencial e apenas 5% ao uso de serviços e cultura. Terrenos com tipologia de uso misto não foram registradas, ou seja, a utilização mista do solo se refere ao modelo em edifício vertical (COUPLAND, 1997). Estas relações tendem a se inverter em longo prazo, como aconteceu na Av. Sete de Setembro na qual atualmente tem-se uma porcentagem residencial/comercial de 70% e 18% respectivamente. A mistura de usos no solo é vista como um índice de urbanidade (COUPLAND, 1997). Este fato tem clara dependência com a viabilidade econômica de cada uso em relação ao valor do solo uma vez que é o mercado quem vai implantar de fato estes usos na cidade. No entanto altos coeficientes construtivos tendem a provocar uma homogeneização de áreas urbanas, assim como ocorrido na Av. Sete de Setembro, pois a incorporação de residências tende a se tornar mais lucrativa do que a venda e locação para áreas comerciais e de serviços.

A Av. Sete de Setembro, mesmo não sendo amostra tipificante, traça comparativamente, um paralelo de que a região da Linha Verde tenderá a se desenvolver gerando grandes quantidades de área construída, inclusive ultrapassando os valores de coeficiente de uso do solo previstos (Tabela 02, Sigla CA). Esta afirmação é baseada tanto nos dados obtidos quanto pela legislação e forma de implantação física criada para a área da Linha Verde. Na legislação existem altos coeficientes de uso do solo que podem chegar a 4 vezes a área do terreno. Também existem incentivos para construção na área conforme tipologia do empreendimento que segundo a Lei 13.909/2011 promovem a utilização de uso misto e residencial (incentivo de 0,5), utilização de áreas livres ajardinadas no terreno (incentivo de 2 vezes as áreas livres) e incentivo a unificação de terrenos (incentivo de 0,1 vez a área do terreno). A forma de implantação da Linha Verde também segue o modelo físico/financeiro utilizado pela prefeitura Municipal de Curitiba para a Av. Sete de Setembro. Neste modelo o poder público constrói a infraestrutura pública e de mobilidade urbana estimulando a ocupação da área. O retorno a este investimento é promovido tanto nas cobranças de impostos territoriais urbanos (IPTU) quanto na venda direta do potencial construtivo, Cepacs (certificados de potencial adicional construtivo).

Neste contexto fica clara que a Lei 13.909 de 2011 optou por estimular a diversidade de usos apenas ofertando potencial construtivo adicional para quando de seu uso. Não foram previstas nenhuma outra ferramenta de estimulo como implantação de áreas de fruição pública, incentivo social com creches, academias abertas ou adoção de fachadas ativas. Ou seja, tratou-se do espaço público como ferramenta especulativa e mero atrativo econômico (CHENG, 2003). Assim, corre-se o risco do desenvolvimento de grandes condomínios privados, sejam residenciais ou comerciais, segregados do espaço público e claramente contrários ao cumprimento da função social da terra (MARICATO, 2006), mesmo que isto ocorra com a municipalidade dispondo de área “pública” em maior quantidade quando comparado ao restante da cidade.

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Revista de Arquitetura IMED, Passo Fundo, vol. 7, n. 1, p. 28-49, Jan.-Jun., 2018 - ISSN 2318-1109

[Recebido: 09 abril 2018; Aceito: 16 agosto 2018]

DOI: https://doi.org/10.18256/2318-1109.2018.v7i1.2615

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