Art92

Termidorizar a deliberação: o papel das cortes constitucionais nas democracias contemporâneas

Vladimir Brega Filho

Doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-doutorando em Direito
Constitucional pela Faculdade de Direito ad Universidade de Lisboa, atualmente é professor adjunto
da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), onde coordena o Programa de Mestrado
em Ciências Jurídicas, e promotor de justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Fernando de Brito Alves

Doutor em Direito Constitucional pelo Instituto Toledo de Ensino – Bauru – SP. Pós-doutorando
em Democracia e Direitos Humanos pelo Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20)
e Ius Gentium Conimbrigae (Centro de Direitos Humanos) da Faculdade de Direito ambos da Universidade de Coimbra.
Professor Adjunto da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Advogado.

Resumo

Este artigo tem como objetivo discutir questões relacionadas à teoria da separação dos poderes na contemporaneidade. A partir da tópica, aborda a relação da jurisdição constitucional e da democracia, bem como a proteção constitucional das minorias, realizada pelo Poder Judiciário, mormente pelo controle de constitucionalidade e, ainda e por fim, o monopólio da última palavra exercido pelo Poder Judiciário.

Palavras-chave: Separação de poderes. Controle de constitucionalidade. Poder Judiciário.

1 Introdução

A justiça constitucional, seja inspirada no judicial review americano ou no constitutional review europeu continental, se popularizou principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, e tem sido acompanhada pela “proliferação de modelos e recíproca hibridização” o que faz com que a doutrina constitucional elabore uma infinidade de novos esquemas e novas categorias, que não têm sido suficientes para abarcar a complexidade do fenômeno da jurisdição constitucional1.

Nosso objetivo nesse texto não é estabelecer novas categorias de análise, mas, a partir da abordagem da experiência constitucional contemporânea, e da reflexão sobre a jurisprudência constitucional brasileira, apresentar breves considerações sobre o papel das cortes constitucionais e das assembléias congressuais na proteção dos direitos fundamentais e dos valores republicanos das democracias contemporâneas.

É certo que as cortes constitucionais, ou órgãos com funções jurisdicionais ou quase-jurisdicionais análogas, tiveram suas atribuições bastante infladas ao longo da segunda metade do século passado, e atualmente, como no caso do Brasil, exercem, de forma promíscua, o monopólio da ultima palavra.

Nosso objetivo aqui é de ressignificar o papel das cortes constitucionais nas democracias contemporâneas e sua relação com os demais poderes e instituições, e pensar se no modelo constitucional brasileiro seria possível o partilhamento do controle de constitucionalidade repressivo com o poder legislativo.

Isso porque a persistir o funcionamento do sistema como se encontra, o juiz constitucional estabeleceria uma espécie de “drenagem axiológica” e passaria a “encarnar os valores constitucionais” com exclusividade, o que não é razoável em democracias substantivas, cujo principal fundamento é o pluralismo.

2 Jurisdição constitucional e democracia

A teoria constitucional contemporânea do controle judicial de constitucionalidade encontra-se polarizada entre o interpretacionismo e o não-interpretacionismo, consistindo o primeiro na postura que afirma que os juízes decidem as questões constitucionais limitando-se a cumprir normas explícitas ou claramente implícitas na Constituição positiva, enquanto o segundo, ao contrário, considera que os juízes devem ir além desse conjunto de referências, deduzindo normas não claramente consignadas no texto escrito2.

É de se esclarecer que esse embate teórico não é novo, mas acompanha a teoria constitucional do controle judicial de constitucionalidade.

Alguma novidade pode residir, contudo, nos termos em que a questão é colocada atualmente quanto no fato de que o interpretacionismo ter (pelo menos nesse momento da história) um maior apelo popular, que decorre da congruência que esta concepção teórica tem com nossa expectativa do que é o direito e de como ele funciona, e das dificuldades que podemos encontrar ao tentar conciliar o não-interpretacionismo com a concepção de democracia que se consolidou na comunis opinio dos membros de nossa comunidade política.

O tema da justiça constitucional e da democracia pode assumir intensidades variáveis de acordo com o contexto histórico-jurídico. Freqüentemente os juízes são acusados de subverterem a clássica separação de poderes, atuando como legisladores, e por isso, na seara política, a questão pode reportar-se à indistinção e preponderância de um poder sobre os outros3.

Um dos principais argumentos em favor da atuação política dos juízes e consiste em reconhecer que as Cortes são, ou pelo menos deveriam ser, a “aristocracia do saber”, que segundo Zagrebelsky4 são compelidas a atuar para conter a tendência da democracia em degenerar-se em demagogia, fixando um ponto firme, e oferecendo as opiniões racionais, no caos em que costuma incorrer a opinião pública.

Como evidência dessa percepção, entre os inúmeros epítetos atribuídos às Cortes Constitucionais encontramos: “vanguarda moral”, “Moisés secular”, entre outros, que muitas vezes refletem uma espécie de sarcasmo majoritário quanto ao papel da jurisdição constitucional5.

Em outro sentido seria a posição jurídico-metodológica que defende uma atuação discreta das Cortes Constitucionais, que reconhece a primazia do legislador na interpretação das aspirações das comunidades políticas, sob a égide de uma ética das conseqüências6.

Evidentemente nos distanciamos de qualquer forma de legitimação teológica da função dos Tribunais Constitucionais, bem como do radicalismo cético quanto à natureza da atuação das Cortes, como decorrência de uma concepção crítica de democracia.

Zagrebelsky7 considera que para uma concepção crítica de democracia (chamada por ele de democracia crítica), a forma mais autêntica e intensa de idolatria política se expressa na máxima vox populi, vox dei8. Ela é uma espécie de adulação interesseira, que traduz conceitos triunfalistas e acríticos do poder do povo, materializada em uma grosseira teologia política.

O povo, ao contrário, é limitado e falível, não possui qualidades sobre-humanas (onipotência e infabilidade, por exemplo) e sua autoridade não deveria ser deduzida dessas supostas qualidades.

Esse ponto parece, à primiera vista, conter uma contradição que deve ser esclarecida. Como se pode confiar na decisão de alguém como se pode atribuir-lhe autoridade, quando sabemos que este alguém tem vícios e falhas, ao invés de méritos e virtudes? A resposta está justamente na generalidade dos vícios e das falhas. A democracia em geral e a democracia crítica em especial estão fundamentadas em um ponto essencial: de que as virtudes e os defeitos de um indivíduo são também os de todos. Negando essa igualdade no valor político, já não teríamos, ao invés, alguma forma de autocracia, ou seja, o governo de uma parte (os melhores) sobre a outra (os piores). Portanto, se todos são iguais nos vícios e nas virtudes políticas, ou se não existe critério algum para estabelecer hierarquias de mérito ou demérito, nós não temos alguma possibilidade de atribuir a autoridade a outrem senão a todos no seu conjunto. Para a democracia crítica, a autoridade do povo não depende então se suas virtudes, mas provém – é necessário concordar com isso – da insuperável falta de algo melhor.9

Considerando ser a descrição de Zagrebelsky correta e que a legitimidade moral da democracia reside justamente na constatação de que inexiste algo melhor, devemos compreender que existe uma prelibação negativa (no sentido de um juízo moral antecedente) quanto às outras formas de governo, especialmente a autocracia.

Isso significa que mesmo não sendo a democracia a forma ideal de governo, ela deve ser organizada de modo a assegurar o máximo de legitimidade moral, consistente no máximo de participação (pluralismo), e na proteção dos grupos minoritários.

É de se constatar, ainda, ante o pluralismo que povoa os Estados atuais, melhor do que falar em soberania da Constituição seria falar de “Constituição sem soberano”10. O pluralismo nas Constituições democráticas é uma proposta de soluções e coexistências possíveis, que permite a espontaneidade da vida social.

Isso caracteriza a maleabilidade (ductibilidade) constitucional: a coexistência de valores e princípios, que se assumem com caráter absoluto, mas ao mesmo tempo compatíveis com aqueles que devem conviver. Pondera Zagrebelsky que “somente assumiria caráter absoluto o meta-valor que se expressa no duplo imperativo do pluralismo dos valores (aspecto substancial) e a lealdade no seu enfrentamento (aspecto procedimental)”11 e continua,

Os termos aos quais se tem que associar a maleabilidade constitucional de que aqui se fala são a coexistência e o compromisso. A visão da política que está implícita não é a de relação de exclusão e imposição pela força (no sentido do amigo-inimigo hobbesiano e schmittiano), mas a inclusiva, de integração através da rede de valores e procedimentos comunicativos que é, ademais, a única visão não catastrófica de política possível em nosso tempo.12

A contemporaneidade aspira à convivência de valores e princípios, de modo que uma espécie de pluralismo conforma a convivência coletiva através de valores como: a livre iniciativa, mas também as reformas sociais; a igualdade perante a lei, mas também as ações afirmativas; os direitos individuais e por outro lado os direitos coletivos, etc.

O trabalho da jurisprudência13 seria realizar a concordância prática dessa diversidade, que pode ser considerada teoricamente contraditória, mas que é desejável do ponto de vista pragmático. “Nesse sentido, se tem falado com acerto de um ‘modo de pensar possibilista’ ou ‘da possibilidade’, como algo particularmente adequado ao direito do nosso tempo”.14

Zagrebelsky, afirma ainda que, o positivismo legalista tentou estabelecer uma ordem subordinando a intervenção a critérios lógicos e as presunções, todavia, o pluralismo metodológico está arraigado nas exigências do direito atual.

[...] se se tem em conta alguns fatos – que hoje os princípios contem valores de justiça se tem convertido em direito positivo integrado na Constituição; que, por conseguinte, a apelação à justiça, junto ou frente às regras jurídicas, já não podem ver-se como um gesto subversivo e destruidor do direito (a diferença do que ocorria à época do positivismo jurídico), senão que é algo previsto e admitido; que tais princípios consistem fundamentalmente em “noções de conteúdo variável” e, portanto, cumprem uma função essencialmente dinâmica –, se compreenderá então que se tem introduzido no ordenamento uma força permanentemente orientada à mudança.15

Os juízes ocupam, no Estado constitucional contemporâneo, uma especial e difícil posição de intermediação entre o Estado e a sociedade, que não encontra paralelo em outros funcionários públicos.

Desse modo, afirma Zagrebelsky que o “‘constitucionalismo’ envolve completamente a legislação em uma rede de vínculos jurídicos que deve ser reconhecida pelos juízes, sobretudo por juízes constitucionais”16, movimento contrário ao legalismo, que se preocupava com a autonomia do legislador.

3 Constituição e proteção das minorias

Atualmente o legislador deve resignar-se ao ver suas leis consideradas partes do direito e não todo o direito. Os juízes é que são os garantidores da complexidade estrutural do direito no Estado constitucional, e isso permite a coexistência maleável da lei, do direito e da justiça17.

Nesse contexto, Kelsen18 considera que a jurisdição constitucional tem as feições que lhe são impressas pela própria Constituição, concretamente considerada, ao lado de sua significação geral, comum a todas as Constituições.

A importância da jurisdição constitucional é substantiva para regimes republicanos e democráticos, nos quais a existência de órgãos de controle é condição sine qua non de sua própria existência.

Na verdade, a multiplicação de órgãos e mecanismos de controle é salutar para o desenvolvimento da democracia, e é nesse contexto que a jurisdição constitucional deve se inserir.

Ela garante não apenas a elaboração constitucional das leis (aspecto procedimental), mas também a elaboração de leis constitucionais (aspecto material), sendo bastante eficaz na proteção da minoria, contra eventuais arbitrariedades passíveis de serem cometidas pelas maiorias parlamentares.

Nesse contexto devemos considerar que a própria Constituição possui uma funcionalidade instrumental de limitar objetivamente a atuação congressual, tanto no que diz respeito ao processo legislativo, quanto aos valores substantivos assumidos pelo texto constitucional.

Resta evidenciado que o fato da Constituição exigir forma especial para que seja reformada, normalmente dependente de uma maioria qualificada19, indica que, como já observou Kelsen20, as questões constitucionais dependem de uma minoria para serem solucionadas, dito de outro modo, as maiorias simples, dissociadas das minorias não são suficientes para aprovação de reformas constitucionais, e dessa forma não possuem o “direito de impor sua vontade à minoria”.

Isso significa que

Somente uma lei inconstitucional, aprovada por maioria simples, poderia então invadir, contra a vontade da minoria, a esfera de seus interesses constitucionais garantidos. Toda minoria – de classe, nacional ou religiosa – cujos interesses são protegidos de uma maneira qualquer pela Constituição, tem pois um interesse eminente na constitucionalidade das leis. Isso é verdade especialmente se supusermos uma maioria que deixe à antiga maioria, agora minoria, força ainda suficiente para impedir à reunião das condições necessárias para a reforma da Constituição. Se virmos a essência da democracia não na onipotência da maioria, mas o compromisso constante entre os grupos representados no Parlamento pela maioria e pela minoria, e por conseguinte na paz social, a justiça constitucional aparecerá como um meio particularmente adequado a realização dessa idéia. A simples ameaça do pedido ao tribunal constitucional pode ser, nas mãos da minoria, um instrumento capaz de impedir que a maioria viole seus interesses constitucionalmente protegidos, e de se opor à ditadura da maioria, não menos perigosa para a paz social que a da maioria21.

Evidentemente a principal tarefa da Constituição é proteger as minorias dos desmandos das maiorias, mas a tarefa não é simples, isso porque não se pode proteger as minorias sem incorrer numa flagrante contradição: “as maiorias governam, mas a maioria não governa”.

Por isso, o constituinte democraticamente preferiu estabelecer a priori as limitações colaterais ao governo das maiorias, antes de qualquer controvérsia concreta.22

Essa posição sem dúvida é muito mais democrática, do que simplesmente estabelecer critérios coercitivos de correção das decisões políticas lesivas e excludentes.

É possível se atribuir um conteúdo inteligível a certas disposições constitucionais, tendo-se como referência apenas a sua linguagem objetiva, ou recorrendo-se a sua história legislativa23, todavia, não é possível excluir injeções de conteúdos extra-textuais (não-interpretacionistas), haja vista, que os julgadores, na fixação do conteúdo das normas extraídas do texto constitucional24, se utilizam de valores substantivos, e até mesmo de ideologias, não necessariamente extraídas do texto, e negar isso, além de denotar alguma ingenuidade quanto à natureza dos intérpretes atribuindo-lhes uma imparcialidade sobre-humana, aponta para uma objetivação utópica do texto, como se toda leitura conduzi-se a uma única interpretação possível.

Do mesmo modo, consideramos com segurança que nossa sociedade não acredita na existência de um conjunto de valores objetivos, ou princípios morais universalmente válidos, passíveis de serem descobertos, e úteis (do ponto de vista pragmático) para afastar as decisões dos nossos representantes eleitos25.

Isso significa que o papel das Cortes Constitucionais, nas democracias contemporâneas, não consiste na imposição de valores substantivos, extraídos da Constituição ou de fora dela.

O papel dessas Cortes é figurar como árbitros do processo de representação das democracias contemporâneas para que as maiorias não destruam as minorias, não existe sentido mais nobre para o controle de constitucionalidade.

Madison consignava, entre as considerações sobre o sistema federativo estadunidense, que:

It is of great importance in a republic not only to guard the society against the oppression of its rulers, but to guard one part of the society against the injustice of the other part. Different interests necessarily exist in different classes of citizens. If a majority be united by a common interest, the rights of the minority will be insecure. There are but two methods of providing against this evil: the one by creating a will in the community independent of the majority that is, of the society itself; the other, by comprehending in the society so many separate descriptions of citizens as will render an unjust combination of a majority of the whole very improbable, if not impracticable. The first method prevails in all governments possessing an hereditary or self-appointed authority. This, at best, is but a precarious security; because a power independent of the society may as well espouse the unjust views of the major, as the rightful interests of the minor party, and may possibly be turned against both parties. The second method will be exemplified in the federal republic of the United States.

A necessidade de um órgão de controle e limitação das maiorias parlamentares decorre da predominância do poder legislativo nos sistemas republicanos contemporâneos26. Isso porque a mera separação de poderes não é suficiente para assegurar que os governos sejam inclusivos27.

É necessário que, para além do controle de constitucionalidade prévio, exercido pelo próprio Poder Legislativo, o Poder Judiciário (função administrativa do Estado) seja titular de um controle de constitucionalidade repressivo.

4 O controle de constitucionalidade judiciário

Existem objeções tanto doutrinárias, quanto sda tradição jurídica, ao controle de constitucionalidade, especialmente no tocante a sua eficácia supostamente ilusória. Na doutrina francesa encontramos duas explicações para as objeções ao controle de constitucionalidade: (1) o mito da lei, que impõe um respeito cego às decisões do parlamento, que expressam a vontade da nação, e não podem ser controladas por um órgão externo; ou, (2) que embora a maioria dos sistemas atribua a juízes o poder de controlar a constitucionalidade das leis ou atos normativos tipos das atividades executivas, existe uma desconfiança profunda quanto à justiça de se atribuir essa tarefa ao judiciário, por conta de, no imaginário, ele estar comprometido com privilégios de ordem oligárquica ou aristocrática (como na França, que tinha a imagem do Judiciário profundamente vinculada ao papel que desempenhava no antigo regime).28

John Hart Ely29 pondera, contudo, que a jurisdição constitucional deve atuar de forma análoga, ao que, economicamente, poderíamos chamar de orientação “antitruste” (diferente de uma atuação meramente “reguladora”).

Isso significa que ela atuaria não para ditar valores substantivos, mas apenas quando o mercado político está funcionando mal de modo sistêmico. Discordância com os resultados, ou com as decisões, de um determinado governo não são argumentos para considerá-lo em mau funcionamento sistêmico.

A desconfiança é legítima quando (1) os canais de mudança política estão obstruídos pelos incluídos, e não existe qualquer possibilidade de transformação social ou inclusão dos excluídos, ou ainda quando (2) os representantes das maiorias colocam em desvantagem uma determinada minoria, ainda que ninguém lhe negue explicitamente o direito de participar do processo político, e por mera hostilidade ou preconceito lhe nega a proteção oferecida pelo sistema representativo a outros grupos.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu, em mais de uma ocasião, o papel contramajoritário da jurisdição constitucional e sua posição de guardião das minorias que é imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito.

No RE 477.554 AGr/MG, o Min. Celso de Mello destacou:

Cabe enfatizar, presentes tais razões, que o Supremo Tribunal Federal, no desempenho da jurisdição constitucional, tem proferido, muitas vezes, decisões de caráter nitidamente contramajoritário, em clara demonstração de que os julgamentos desta Corte Suprema, quando assim proferidos, objetivam preservar, em gesto de fiel execução dos mandamentos constitucionais, a intangibilidade de direitos, interesses e valores que identificam os grupos minoritários expostos a situação de vulneralibilidade jurídica, social, econômica ou política e que, por efeito de tal condição, tornam-se objeto de intolerância, de perseguição, de discriminação e de injusta exclusão.

Na realidade, o tema da preservação e do reconhecimento dos direitos de minorias deve compor, por tratar-se de questão impregnada do mais alto relevo, a agenda desta Corte Suprema, incumbida, por efeito de sua destinação institucional, de velar pela supremacia da Constituição e de zelar pelo respeito aos direitos, inclusive de grupos minoritários, que encontram fundamento legitimador no próprio estatuto constitucional.

Com efeito, a necessidade de assegurar-se, em nosso sistema jurídico, proteção às minorias e aos grupos vulneráveis qualifica-se, na verdade, como fundamento imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito, havendo merecido tutela efetiva por parte desta Suprema Corte, quando grupos majoritários, por exemplo, atuando no âmbito do Congresso Nacional, ensaiaram medidas arbitrárias destinadas a frustrar o exercício, por organizações minoritárias, de direitos assegurados pela ordem constitucional.

Em voto no Recurso Extraordinário 633703 de Minas Gerais, o Ministro Gilmar Mendes ponderou que “[...] a jurisdição constitucional não se mostra incompatível com um sistema democrático, que imponha limites aos ímpetos da maioria e discipline o exercício da vontade majoritária.” Do contrário, a função do Supremo Tribunal Federal como Corte Constitucional, é reforçar as condições normativas da democracia, ainda que contra a opinião majoritária.

Dessa forma, o controle judicial de constitucionalidade não deve apenas alcançar o conteúdo das normas e atos do poder público, mas também (1) os objetivos legislativos inconstitucionais30 que devem ser explicitados seja no preâmbulo, seja na própria norma para que o povo os conheça; (2) as motivações suspeitas31, já que o mesmo ato pode ser considerado constitucional ou inconstitucional dependendo dos motivos pelos quais foi efetuado; ou ainda (3) as classificações suspeitas32, quando, por exemplo, uma lei classifique os indivíduos segundo a raça e traga desvantagens para determinada minoria, e ainda que a minoria em questão esteja sempre do “lado errado” da classificação legislativa, por motivos injustificáveis.

Nesses casos o judiciário deve restabelecer o equilíbrio substantivo33, fazendo com que predisposições preconceituosas não contaminem substantivamente o processo legislativo.

5 O monopólio da última palavra

Uma das grandes questões sobre o controle de constitucionalidade feito pelo Poder Judiciário é a busca de uma justificativa para o Judiciário invalidar atos provenientes do Legislativo, questão que está ligada à representatividade e à democracia.

O Poder Legislativo tem legitimidade democrática, e mais, sua legitimidade é controlada através de eleições. Não estando o Poder Legislativo cumprindo as aspirações populares, podem os eleitores lhes retirar a legitimidade. O mesmo não ocorre com o Poder Judiciário. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal são vitalícios e nomeados pelo Presidente da República. É certo que há uma representatividade indireta, vez que os Ministros são indicados pelo presidente da república (eleito) e tem seus nomes aprovados pelo Legislativo (eleito), mas a vitaliciedade dos Ministros faz com que a sua representatividade indireta fique muito distante da legitimidade direta existente no caso do Poder Legislativo. Ademais, se não agirem de acordo com a vontade de seus representantes, não podem ser destituídos pelo voto.

Pensamos, contudo, que isso, considerando que o Supremo Tribunal Federal muitas vezes deve exercer uma papel contramajoritário, ao invés de ser um defeito, seja uma virtude. Sabendo que não podem ser controlados pelo povo através do voto, os Ministros podem ter mais isenção em suas decisões.

Nas palavras de Robert Alexy “O ponto decisivo é que a independência dos juízes de um tribunal constitucional exige que o povo não tenha a possibilidade de controle, votando para retirá-los do cargo ou - por qualquer meio - negando-lhes a reeleição”34.

Haveria, então, razão para que o Poder Judiciário, ainda que não exercendo uma representatividade direta, exercesse o monopólio da última palavra. As razões para isso também são trazidas por Alexy, que as classifica em três argumentos: um de ordem formal, material e procedimental.35

A questão formal, segundo Alexy, citando Waldron reside no fato de que “há de ter sempre alguma pessoa ou instituição que detenha a decisão final”. Se outro puder dar a última palavra, não estaremos diante da instância final. O fato é que sendo imperativo o controle, entre as alternativas ausência de controle e a existência de uma última instância não controlável, a última hipótese é a melhor para a garantia dos direitos fundamentais.

O argumento de ordem material está relacionado à importância dos direitos fundamentais, vez que eles enquanto princípios, precisam ser otimizados e assim: “nos casos em que o Legislativo responde negativamente à questão das violações dos direitos fundamentais, caso exista um tribunal constitucional com competência para responder afirmativamente a essa questão, esses direitos gozam de uma maior proteção”.36

A partir do momento em que a Constituição cria um Tribunal Constitucional e acolhe os direitos fundamentais como princípios, dando-lhe inclusive abertura e proteção reforçada contra mudanças constitucionais, parece evidente que o Poder Judiciário está obrigado constitucionalmente a constitucionalidade das leis. Não se trata de uma faculdade e sim um dever constitucional.

Esses argumentos em favor do monopólio da última palavra, contudo, só terão validade se a proteção realizada pelo Poder Judiciário for legítima e correta. Para isso Alexy recorre ao último argumento, qual seja, o argumento procedimental, também chamado de representação argumentativa.

A representação argumentativa pressupõe que o controle de constitucionalidade é um exercício de autoridade do Estado, mas o controle deve basear-se no argumento, mas isso não significada que qualquer argumento seja válido,

Exige-se uma argumentação racional da decisão com base na Constituição - legitimadora formal do tribunal constitucional -, e nos valores constitucionais, fundamento material do controle.

Sobre isso escreve Jorge Reis Novais:

A força da persuasão da sentença depende sobretudo da respectiva fundamentação, depende da forma como, através de uma argumentação racional permanentemente apoiada na Constituição e materialmente referida aos seus valores, puder evidenciar a não satisfação, por parte do legislador, das exigências de justificação impostas pela compreensão dogmática dos direitos fundamentais enquanto garantias sob reserva de ponderação, mas com uma força normativa que determina uma repartição do ônus de argumentação em desfavor de quem pretenda restringi-los.37

Essa argumentação constitucional há de constituir um sistema racional e que contendo argumentos bons e verdadeiros, irá convencer o povo. Segundo Alexy,

existem duas condições fundamentais da verdadeira argumentação representativa: a primeira, a existência de argumentos corretos e sólidos, e, segunda, a existência de um número suficiente de pessoas racionais, isto é, pessoas que são capazes e estão dispostas a aceitar argumentos sólidos e corretos pela razão de que eles são sólidos e corretos38

Mas é óbvio que estamos a falar de um sistema ideal, sendo possível que na realidade essa argumentação não seja a correta.

Como escreve Novais

se corre sempre o risco de o Tribunal usurpar as funções política dos legislador, substituindo as valorações políticas de quem tem legitimidade democrática para as fazer, e responde politicamente por elas, pelos valores pessoais, não eleitoralmente escrutinados, de juízes que não respondem pela valorações em que sustentam as suas decisões39.

Nesse caso, haveria a possibilidade do retorno ao Poder Legislativo?

Para exemplificar, o Supremo Tribunal Federal interpretava o § 2º do artigo 37 do Decreto Federal nº 3.298/99, que regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, da seguinte forma:

A exigência constitucional de reserva de vagas para portadores de deficiência em concurso público se impõe ainda que o percentual legalmente previsto seja inferior a um, hipótese em que a fração deve ser arredondada. Entendimento que garante a eficácia do artigo 37, inciso VIII, da Constituição Federal, que, caso contrário, restaria violado. (RE 227.299, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 14-6-00, DJ de 6-10-00).

Não há dúvida que a interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal garantia direitos fundamentais das pessoas portadoras de deficiência e dava máxima eficácia ao artigo 37, VIII da Constituição Federal.

Todavia, o mesmo Supremo Tribunal Federal no julgamento do MS 26310-5/DF pronunciou-se de forma diversa e restritiva dos direitos fundamentais das pessoas portadoras de deficiência, em decisão que se constitui em verdadeiro e substitutivo retrocesso40. A ementa do referido acórdão constou:

CONCURSO PÚBLICO - CANDIDATOS - TRATAMENTO IGUALITÁRIO. A regra é a participação dos candidatos, no concurso público, em igualdade de condições. CONCURSO PÚBLICO - RESERVA DE VAGAS - PORTADOR DE DEFICIÊNCIA - DISCIPLINA E VIABILIDADE. Por encerrar exceção, a reserva de vagas para portadores de deficiência faz-se nos limites da lei e na medida da viabilidade consideradas as existentes, afastada a possibilidade de, mediante arredondamento, majorarem-se as percentagens mínima e máxima previstas. (STF, MS 26310/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; Julgamento: 20/09/2007; Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

Há na decisão um evidente retrocesso, pois a corte constitucional de uma interpretação na qual se afirmava necessidade de arredondamento da fração, quando fosse inferior a um (RE 227.299), passa para outra, na qual não se admite o arredondamento em qualquer hipótese (MS 26.310). Sem entrar no mérito do acerto das decisões, não há razões para acreditar que a passagem do “sempre” para o “nunca” encerre a melhor hermenêutica da questão, já que ocorreu verdadeira supressão de direitos. Em sendo o caso de restrição dos direitos das pessoas com deficiência, a melhor técnica apontaria para a assinalação das hipóteses nas quais o arredondamento deveria e daquelas nas quais não poderia ocorrer41.

Percebe-se, então, que a decisão do Judiciário não parece ser a mais correta, ou seja, falta-lhe argumentação racional de base constitucional que justifique o monopólio da última palavra. Nesse caso, a última palavra retornaria ao Poder Legislativo que legitimamente poderia legislar sobre a questão. Haveria uma espécie de troca de sujeito “decorrente da perda de competência constitucional como modalidade de sanção por omissão inconstitucional, com a substituição do sujeito originariamente legitimado a realizar comandos constitucionais42.

Ë certo que no caso não houve bem uma omissão do Judiciário que efetivamente julgou a questão, mas no caso a omissão deve ser entendida como proteção insuficiente do direito fundamental, que pode ocorrer na omissão completa ou na atuação deficiente.

Percebe-se, então, que ainda que existam justificativas para o monopólio do Poder Judiciário, o exercício desse monopólio não é arbitrário e se justifica materialmente na defesa dos direitos fundamentais. Vale lembrar aqui que o juiz não pode “substituir os juízos políticos do legislador pelos seus próprios valores, sob pena de transformar o poder judicial numa réplica ilegítima do Parlamento”.43

O monopólio, contudo, não impede que sejam abertos canais de participação popular nas decisões, tentando dar à decisão, além da justificação jurídica, a legitimidade democrática.

Jeremy Waldron considera que a democracia deliberativa e os processos de votação majoritária podem ser conciliados, e sugere a necessidade de postuarmos “una teoria que no solo reconcilie la deliberación com el desacuerdo y el voto, sino que también haga parecer al voto como el resultado natural de los procesos de toma de decisones democráticas44, ainda que o voto ocorra no contexto das cortes supremas.

A participação de entidades representativas, da forma como vem sendo feito nas audiências públicas organizadas pelo Supremo Tribunal Federal, é um importante passo nesse sentido e tende a fortalecer a cidadania ativa, para, como foi acima dito, para ir além da justificação jurídica do monopólio do Poder Judiciário, dando-lhe legitimidade democrática.

6 Considerações finais

Concluímos, portanto, que as prerrogativas constitucionais do Poder Judiciário sobre a última palavra na interpretação constitucional, quando houver discussão judicial sobre o conteúdo da Constituição ou dos direitos fundamentais, é lastreada pela argumentação racional sobre os valores constitucionais.

Isso não exclui a discussão sobre o acerto ou não das decisões judiciais da Corte Constitucional.

Quando, todavia, houver omissão completa ou atuação deficiente da Suprema Corte, é possível mitigar o monopólio do judiciário, para devolver a questão ao Poder Legislativo que teria na hipótese o poder/dever de restabelecer o conteúdo primeiro dos juízos políticos que motivaram a deliberação sobre a própria Constituição.

Referências bibliográficas

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______. Juices constitucionales. Boletín Mexicano de Derecho Comparado. Ano XXXIX, nº 117, setembro-dezembro de 2006.

Finishing the deliberation: The Role Of Constitutional Courts In Contemporary Democracies

Abstract

This article aims to discuss issues related to the separation of powers in contemporary times. From the topical method, it addresses the relationship of constitutional jurisdiction and democracy and the constitutional protection of minorities by the judiciary, especially by judicial review, and also, and finally, “the monopoly of ultimate word” exercised by the judiciary.

Keywords: Separation of powers. Judicial review. Judiciary.

Recebido em: agosto de 2015.

Aprovado em: agosto de 2015.

_______________

1 MEZZETTI, Luca. Sistemas y modelos de justicia constitucional a los albores del siglo XXI. Estudios constitucionales. 2009, v. 7, n.2, p. 289.

2 ELY, J. H. Democracia e desconfiança: uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes: 2010., p. 3 et seq.

3 Las Cortes se há dicho con ironía, podrían aspirar a ser súper-legisladores simplemente porque “son super” (están por encima).” Cf. ZAGREBELSKY, Gustavo. Juices constitucionales. Boletín Mexicano de Derecho Comparado. Ano XXXIX, nº 117, setembro-dezembro de 2006, p. 1146.

4 Id. Ibid., p. 1145.

5 TAVARES, André Ramos. Teoria da Justiça Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 539-547. Além dessa função mitológica, é interessante observar que o autor apresenta outras funções que são usualmente atribuídas aos Tribunais Constitucionais, como o de polícia ideológica (op. cit., p. 549-), ou ainda função paraconstituinte (op. cit., p. 555-566).

6 Id. Ibid., p. 1147.

7 ZAGREBELSKY, Gustavo. A crucificação e a democracia. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 135.

8 “Pilatos e o Sinédrio, entregando em última e definitiva instância a vida de Jesus nas mãos da multidão, adularam-na, divinizando-a. Justamente: vox populi, vox dei. Isso expressa uma concepção totalitária da democracia como força e como força absoluta [...] É possível ver exatamente nisso uma camuflagem e uma prova evidente de instrumentalização. Podemos afirmar, de maneira genérica, que todos os que santificam o povo o fazem para poder usá-lo; que toda vez que se diz: o povo falou – a questão está resolvida -, estamos na presença de uma concepção instrumental de democracia. De fato, não existe adulação desinteressada, e quanto maior a lisonja, tanto maior será o interesse. Quem não se subtrair torna-se instrumento cego e passivo. Se a adulação chega até a equiparação com Deus, a consequência é vedar a mais alta e humana das possibilidades, a reflexão, a possibilidade de voltar-se sobre as próprias determinações. Transformar o poder em absoluto coincidirá com sua expropriação a favor dos outros.” Id. Ibid, p. 129-130.

9 Id. Ibid., p. 135.

10 ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil: Ley, Derechos, Justicia. 7ª ed. Madrid: Trotta, 2007, p. 13.

11 Id. Ibid., p. 14.

12 Id. Ibid., p. 15.

13 ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Ciência política, estado e direito público. São Paulo: Verbatim, 2011, p. 241-263.

14 ZAGREBELSKY, G., 2007, p. 16-17.

15 Id. Ibid., p. 146.

16 Id. Ibid., p. 151.

17 Id. Ibid., p. 153.

18 KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 181-182.

19 No caso brasileiro a proposta de emenda à constituição deve ser aprovada por uma maioria qualificada (§ 2º. do artigo 60 da Constituição Federal). Apenas para exemplificar, o processo de reforma da Constituição, nos Estados Unidos da América, também assume feições especialíssimas quando comparado com o processo legislativo ordinário, estabelece o artigo V da Constituição estadunidense que: “The Congress, whenever two thirds of both Houses shall deem it necessary, shall propose Amendments to this Constitution, or, on the Application of the Legislatures of two thirds of the several States, shall call a Convention for proposing Amendments, which, in either Case, shall be valid to all Intents and Purposes, as Part of this Constitution, when ratified by the Legislatures of three fourths of the several States, or by Conventions in three fourths thereof, as the one or the other Mode of Ratification may be proposed by the Congress; Provided that no Amendment which may be made prior to the Year One thousand eight hundred and eight shall in any Manner affect the first and fourth Clauses in the Ninth Section of the first Article; and that no State, without its Consent, shall be deprived of its equal Suffrage in the Senate.” (em tradução livre: “O Congresso, sempre que dois terços de ambas as Câmaras julgarem necessário, proporá emendas a esta Constituição, ou, por solicitação dos órgãos legislativos de dois terços dos Estados, convocará uma convenção para propor emendas, que em qualquer dos casos serão válidas para todos os efeitos e fins, como parte desta Constituição, depois de ratificadas pelos órgãos legislativos de três quartos de todos os Estados, ou por convenções reunidas em três quartos deles, conforme um ou outro modo de ratificação seja proposto pelo Congresso, desde que nenhuma emenda feita antes do ano de mil oitocentos e oito afete de qualquer maneira a primeira e a quarta cláusulas da seção nove do artigo primeiro, e nenhum Estado, sem o seu consentimento, seja privado de voto igual no Senado.”).

20 KELSEN, H., 2003, p. 181-182.

21 Id. Ibid. loc. cit.

22 ELY, J. H., op. cit., p. 12-13.

23 Id. Ibid., p. 16.

24 Vale a pena conferir as polêmicas em torno da decisão do STF proferida no julgamento da Reclamação 4335-5/AC.

25 ELY, J. H. op. cit., p. 72.

26 Carl Schimitt assevera que “Se a maioria pode fixar de forma arbitrária a legalidade e a ilegalidade, também pode declarar ilegais a seus adversários políticos internos, é dizer, pode declará-los fora da lei, excluindo-os assim da homogeneidade democrática do povo. Quem domine 51% poderia ilegalizar, de modo legal, os outros 49%. Poderia fechar atrás de si, de modo legal, a porta da legalidade pela qual entrou, e tratar como um delinqüente comum ao partido político contrário, que talvez golpeava a porta que se encontrava fechada.” (Tradução nossa. Cf. texto original em: SCHIMITT, Carl. Legalidad y ilegalidad. Madrid: Aguilar, 1971, p. 46).

27 ELY, J. H., op. cit. p. 107.

28 Devant les objections de principe au contrõle de la constitutionnalité, certains systèmes juridiques ne prévoient aucune procédure de contrôle. En dehors de beaucoup de régimes du Tiers Monde (encore qu’une évolution soit en cours) ou marxistes et de la Grande-Bretagne, la meilleure illustration de cette situation a été longtemps fournie par la France.

La tradition française, en effet, a été durablement défavorable au contrôle de la constitutionnalité. Quand par exception elle en acceptait le principe, sa mise en oeuvre était entourée de tant de conditions que son efficacité était illusoire. A ceci deux explications:

- la première est le respect singulier attaché à l’oeuvre du législateur, le mythe de la loi, évoqué ci-dessus. Il apparaît comme intolérable que les décisions du Parlement, exprimant la volonté de la Nation, puissent être contrôlées par un organe qui lui soit extérieur;

- la seconde est la faiblesse du pouvoir juridictionnel, liée à notre conception de la séparation des pouvoirs. Assez logiquement, la plupart des systèmes juridiques confient à un juge le pouvoir de contrôler les lois. En France, cette solution avait moins de chances d’être acceptée qu’ailleurs car la considération dont bénéficie le législateurs y contraste avec l’abaissement o’u est tenu le juge. Les révolutionnaire de 1789, “les grands ancêtres”, manifestèrent une profonde méfiance à l’egard du pouvoir judiciaire. Le comportement des Parlements d’Ancien Régime - qui étaient des tribunaux - avait laissé de mauvais souvenirs. Par leur esprit de caste, l’attachement à leurs privilèges et intérêts, ils s’étaient en part discrédités. En même temps ils avaient souvent entravés la mise en oeuvre des décisions - bonnes ou mauvaises - du pouvoir royal; jamais peut-être la justice n’a été en France aussi indépendante du pouvoir qu’à la fin de l’Ancien Régime. Mais ces empiètements créaient des précédents menaçants pour les nouvelles institutions. Aussi fit-on tout pour réduire le prestige de la justice et l’idée d’accorder aux juges le contrôle de la constitutionnalité furent limitées et dérisoires, elles contribuèrent même à renforcer les réserves qu’inspirait le principe.(ARDANT, P., op. cit., p. 105-106).

29 Id. Ibid., p. 136-137.

30 ELY, J. H. op. cit., p. 168.

31 Id. Ibid., p. 184.

32 Id. Ibid., p. 195ss

33 Id. Ibid., p. 226.

34 Palestra proferida na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na data de 30 de outubro de 2012.

35 Palestra proferida na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na data de 30 de outubro de 2012.

36 Palestra proferida na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na data de 30 de outubro de 2012.

37 NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, 2ª ed., Coimbra: Coimbra, p. 893-894.

38 Palestra proferida na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na data de 30 de outubro de 2012.

39 NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, 2ª ed., Coimbra: Coimbra, p. 892.

40 Ora, considerado o total de vagas no caso – duas -, não se tem, aplicada a percentagem mínima de cinco ou a máxima de vinte por cento, como definir vaga reservada a teor do aludido inciso VIII. Entender-se que um décimo de vaga ou mesmo quatro décimos, resultantes da aplicação de cinco ou vinte por cento, respectivamente, sobre duas vagas, dão ensejo à reserva de uma delas implica verdadeira igualização, olvidando-se que a regra é a não-distinção entre candidatos, sendo exceção a participação restrita, consideradas vagas reservadas. Essa conclusão levaria os candidatos em geral a concorrerem a uma das vagas e os deficientes, à outra, majorando-se os percentuais mínimos, de cinco por cento, e máximo, de vinte por cento, para cinqüenta por cento. O enfoque não é harmônico com o princípio da razoabilidade. Há de se conferir ao texto constitucional interpretação a preservar a premissa de que a regra geral é o tratamento igualitário, consubstanciando exceção a separação de vagas para um certo segmento. A eficácia do que versado no artigo 37, inciso VIII, da Constituição Federal pressupõe campo propício a ter-se, com a incidência do percentual concernente à reserva para portadores de deficiência sobre cargos e empregos públicos previstos em lei, resultado a desaguar em certo número de vagas, e isso não ocorre quando existentes apenas duas. Daí concluir pela improcedência do inconformismo retratado na inicial, razão pela qual indefiro a ordem” (STF, MS 26310/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; Julgamento: 20/09/2007).

41 Acreditamos, contudo, que as razões do retrocesso foram em certa medida enunciadas por Eros Grau, em voto, no julgamento da ADI 3510 (que não guarda relação temática com a espécie analisada), mas que crudamente afirmou: “Não nos iludamos: levantado o véu, o que há sob ele [...] é o mercado”. ADI 3510, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 29/05/2008, DJe-096 DIVULG 27-05-2010 PUBLIC 28-05-2010 EMENT VOL-02403-01 PP-00134 RTJ VOL-00214- PP-00043.

42 ROTHENBURG, Walter Claudius, Inconstitucionalidade por omissão e troca de sujeito: a perda de competência como sanção à inconstitucionalidade por omissão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 93.

43 NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, 2ª ed., Coimbra: Coimbra, p. 884.

44 WALDRON, Jeremy. Deliberación, desacuerdo y votación. . In: KOH, Harold Hongju, SLYE, Ronald C. (orgs.) Democracia deliberative y derechos humanos. Barcelona: 2004, p. 263.

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