Art7

Bitcoin: consequências jurídicas
do desenvolvimento da moeda virtual

Gabriela Isa Rosendo Vieira Campos

Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. É editora do periódico acadêmico de direito internacional A38 Journal of International Law.
Tradutora voluntária da organização Pax Christi Internacional. Estagiou para o periódico acadêmico de Direito Internacional A38 (http://www.athirtyeight.com/p/interns.html).
Escreveu regularmente para o blog da ONG Delta Women. Estagiou na Assessoria de Comércio Exterior, na Universidade Federal da Paraíba. Participou do Programa de Apoio ao Ensino de Línguas Estrangeiras no Ensino Fundamental e Médio.
Recebeu, em 2013, o prêmio de voluntariado online das Nações Unidas pelo seu trabalho em conjunto com a Associação de Empreendedores Africanos (Association of African Entrepreneurs).
Email: <[email protected]>.

Resumo

O artigo visa entender quais as possíveis respostas a serem dadas pelo Direito em relação à criação do bitcoin. O trabalho explica, propedeuticamente, e, através da análise da legislação comparada, a história da moeda, suas consequências econômicas, as mudanças paradigmáticas ocorridas e, por fim, reflete sobre as teses doutrinárias apontadas, por parte do mundo jurídico, como solução à criação da moeda. O objetivo geral do trabalho é analisar as consequências econômicas do novo sistema de pagamento, assim como explorar as possíveis hipóteses, para regulamentar as transações com a moeda criptográfica, que permanecem em uma área cinza, ainda não completamente atingida pelo Direito. A conclusão do trabalho é que o Estado deve incluir a moeda em suas regulamentações, inicialmente, lidando apenas com à evasão tributária, com a sua possível ligação com o mercado ilegal e com a licença, para trocar tais moedas e, posteriormente, regulamentar aspectos que requerem uma minúcia maior, como a proteção dos direitos dos consumidores.

Palavras-chave: Bitcoin. Criptografia. Regulamentação.

1 Introdução

A globalização e a maior interligação dos mercados nacionais trouxeram diversas consequências jurídicas que não podem ser ignoradas. Uma das mudanças mais dramáticas foi a criação moedas virtuais.

Apesar de muitas tentativas de criação de um efetivo sistema de pagamento ou de um dinheiro virtual, as moedas virtuais não eram eficientes ou mesmo legítimas, entretanto, em 2008, foi criada uma moeda criptográfica que revolucionou a ordem mundial e cujos reflexos ainda serão completamente desvendados pelo Direito: bitcoin.

O sistema Bitcoin se diferencia do sistema das outras moedas, pois o seu código é aberto e descentralizado (ULRICH, 2014), possibilitando, assim, a confiança de investidores e de inúmeras empresas ao redor do mundo, que já aceitam a moeda para a compra de seus produtos1.

A moeda, por ser digital, possui as características de produtos constituídos pela informação, pois é intangível, hermética, mutável e está inserida em um complexo sistema de relações com outros sujeitos (LORENZETTI, 2004).

Além de ter taxas de transação muito baixas — especialmente se comparadas com o sistema bancário tradicional —, proteção contra fraude2 e uma privacidade relativamente maior, já se espera que os bitcoins atendam a uma maior inclusão social, por funcionarem como um sistema alternativo às pessoas excluídas do sistema bancário, especialmente àquelas oriundas de países africanos.

Por isso, afirma-se que o Bitcoin apresenta outro paradigma à sociedade, fato equivalente ao que ocorreu com a evolução do sistema bancário tradicional para o sistema bancário digital, em virtude do comércio eletrônico (WONG et al., 2008). A quebra de paradigmas relaciona-se não somente com a natureza descentralizada da moeda, mas com a sua essência digital.

Em virtude da recente criação do Bitcoin (software) e da sua respectiva moeda, bitcoin, há poucas regulamentações sobre a tendência, e as consequências jurídicas e econômicas da novidade ainda não foram totalmente descobertas. Assim, embora o estudo aprofundado sobre as inúmeras consequências jurídicas da criação da moeda seja necessário, nada mais há que legislações esparsas sobre o tema, prejudicando uma possível análise mais minuciosa e completa de Direito Comparado.

Há diversas hipóteses a respeito da possibilidade de legislações adequadas sobre a moeda. Para se analisar, então, os prováveis cenários desenhados pelo Direito em virtude da novidade, deve-se explorar seus reflexos econômicos, mostrando as diversas problemáticas em relação à inovação, assim como realizar uma análise propedêutica sobre as decisões tomadas por distintos ordenamentos jurídicos, para abranger a moeda.

Nota-se, entretanto que já houve inovações diversas que surgiram em um cenário não ainda regulado pelo Direito (como a Internet, e o VoIP, por exemplo), pois a norma não se pode manter anterior às criações humanas que regulamenta, especialmente as normas que lidam com inovações tecnológicas.

2 Contexto de criação da moeda

Em 2008, Satoshi Nakamoto3 apresentou, em um artigo, sua moeda ao mundo, a qual se baseia em um código de computador (ULRICH, 2014) e rapidamente, em 2009, a moeda foi lançada digitalmente.

A moeda digital, apesar de recente, baseia-se na teoria econômica da escola austríaca, a qual tem como principais expoentes Ludwig von Mises, Hayek e Carl Menger, pois essa teoria é a única que defende a possibilidade de existência de uma moeda sem controle estatal (EUROPEAN CENTRAL BANK, 2012). Keynes, por exemplo, afirmou que era necessário que o Estado controlasse a circulação da moeda, além de dar valor ao dinheiro, pois a moeda não poderia ser tratada como uma commodity. Tal forma de compreender as relações monetárias impossibilita o estudo do fenômeno através de qualquer outra teoria econômica, com exceção da escola austríaca.

O sistema de bitcoins é feito para que somente 21 milhões de moedas criptográficas sejam disponíveis ao redor do mundo. Tais moedas serão lançadas paulatinamente, para que não ocorra a desvalorização do dinheiro virtual. À medida que as pessoas utilizarem o sistema, trocando as suas moedas pelos bitcoins, novas moedas serão liberadas até o total disponível.

Um bitcoin pode facilmente se adaptar às necessidades do consumidor pós-moderno, já que ser quebrado em até oito decimais. A moeda, ademais tem-se tornado muito atraente na ordem mundial, pois não sofre intervenção governamental e não é baseada em algum Estado específico, sua adesão é, portanto completamente voluntária. É em virtude de tal característica que a moeda não está sujeita aos processos de desvalorização monetária por parte do Estado, como a inflação ocasionada por maior impressão de papel-moeda, por exemplo.

O Bitcoin, sistema de código aberto, é verificado por pessoas que controlam as transações e as divulgam publicamente, os mineradores, o que evita o problema do gasto duplo (CHAUM, 1992) e da fraude, existente em qualquer outra tentativa de moeda criptográfica. Essa atribuição permite com que a moeda virtual tenha como uma de suas principais características a transparência.

Essa moeda criptográfica somente é submetida ao crivo dos processos do mercado, ou seja, à lei da oferta e da procura, sendo inclusive uma fonte de criminosos que visam fugir do controle estatal e buscam esconder reservas financeiras, assim como praticar lavagem de dinheiro e negociar, no comércio eletrônico, a venda de produtos ilícitos, já que somente o valor das transações virtuais é público, enquanto a identidade do usuário é exposta somente através da chave pública, disponível no site.4

Apesar desses aspectos negativos, há previsões bastante benéficas para o sistema, que pode aumentar a inclusão social de pessoas tipicamente marginalizadas, as quais não têm conta bancária, como já foi mencionado, pois qualquer pessoa pode ter uma conta gratuitamente no sistema Bitcoin (BRITO; CASTILLO, 2013).

Ademais, para pessoas com contas bancárias, bitcoins apresentam a vantagem de não ter qualquer taxa de adesão, como os bancos tipicamente cobram (KOSKOSAS, 2011), além de oferecer privacidade aos seus usuários, sendo somente público o valor das transações eletrônicas efetuadas entre usuários5.

A democratização da tecnologia, ainda, diminui os custos de transação, aumentando a produtividade e a margem de lucro das empresas e de indivíduos6. A criação de valor da moeda ocorre justamente pela segurança que o sistema que transmite7 e pela quantidade de pessoas que trocaram moedas nacionais pelos bitcoins8. Ilhas pequenas, como Alderney, por exemplo, já buscam fabricar bitcoins no formato físico, através dos códigos que são fornecidos pela Internet (CONNELL, 2014).

Bitcoins não são controlados por autoridade central alguma e se caracterizam por serem um sistema peer-to-peer. Como o sistema tem um código aberto, qualquer programador pode fazer mudanças e melhorias, desde que tais mudanças sejam adotadas em concordância pela maioria da comunidade de programadores.

A moeda criptográfica foi criada e só existe graças aos avanços tecnológicos pós-modernos. Pode-se afirmar, portanto que a moeda é sintomática dos tempos atuais e que sua natureza expressa mais sobre o homem pós-moderno.

O funcionamento da moeda traz inúmeras consequências ao Direito e é imprescindível, consequentemente, analisar como foi feita a regulamentação do fenômeno, estudando as legislações já existentes em outros países, e tecendo consierações sobre aspectos importantes, para regulamentar, no Brasil.

3 Reflexos do Bitcoin no direito

Apesar de inovadora e das suas possíveis consequências negativas, tais como lavagem de dinheiro e evasão de divisas, não se pode deixar de considerar a relevância da moeda bitcoin.

Por isso, é especialmente importante estudar as suas consequências jurídico-econômicas e compreender, assim, que hipóteses seriam mais apropriadas, por parte do Estado, para lidar com essa tendência econômica e com a sua respectiva criação de valor e adoção pelo mercado. O estudo sobre as hipóteses mais apropriadas ocorrerá através da análise de questões pontuais e das leis vigentes em outros ordenamentos jurídicos.

Um dos aspectos essenciais, para regular a moeda refere-se à classificação tributária dada pelo Estado. Essa sistematização é importante tanto no sentido de evitar evasão fiscal quanto, para dar uma noção mais exata ao Estado dos investimentos dos cidadãos. É seguro afirmar, por isso que a positivação de normas tributárias com relação ao dinheiro virtual deve ser prioritária.

A moeda, nesse aspecto, lança questionamentos sobre o Direito de propriedade, pois serve não somente como sistema de pagamento, mas foi classificada pelo Internal Revenue Service dos Estados Unidos (órgão tributário nos Estados Unidos) como uma propriedade (IRS, 2014). Da mesma forma, o Canadá também considerou a moeda como propriedade e obrigou as empresas a declararem as vendas efetuadas por meio de bitcoins e os lucros com a especulação da moeda (DESCÔTEAUX, 2014). A maioria dos países provavelmente evitará classificar o bitcoin como dinheiro virtual, devido às consequências desconhecidas de tal ação, preferindo se ater a termos mais seguros, contrariamente ao que foi feito pela Alemanha, que classificou a moeda como dinheiro privado e não como propriedade.

Outro ponto imprescindível relaciona-se com as conexões da moeda com o mercado ilícito. É interessante notar que, apesar da adoção extensiva da moeda em meados de 2013 por diversos negócios, houve empresas posteriormente processadas pelo Direito norte-americano por envolvimento com o mercado ilegal9. Muitos defensores da moeda inclusive não negam a sua relação com o mercado ilícito, mas afirmam que, assim como as moedas nacionais, o bitcoin pode ser usado para inúmeros propósitos (ULRICH, 2014). Uma possível solução para tal problema seria exigir uma licença, para empresas que trocam bitcoins por moedas nacionais, como a licença exigida para companhias de câmbio.

Esse fato somente demonstra a necessidade de regulamentação, pois o Estado não poderia tutelar uma conduta ilícita. Setores específicos e autoridades também esperam que, com a regulamentação específica e apropriada, os riscos sejam mitigados, evitando a utilização do dinheiro virtual por parte de criminosos (EUROPEAN BANKING AUTHORITY, 2014).

Nesse caso, não bastará somente a proibição da utilização da moeda para fins escusos, pois será necessário que o conjunto de normas aqui discutidas seja positivado, o que nega a teoria que afirma que regulamentação da moeda a levaria ao fim, pois isso não ocorreu com outras inovações digitais regulamentadas, como a Internet, por exemplo, e a regulamentação é, inclusive, esperada pelos usuários, que teriam mais confiança no meio de pagamento, além de bitcoins com um valor maior.

Há, ainda, problemas com o sistema financeiro das bitcoins no que tange a qualquer controle em relação à observância aos direitos do consumidor, já que não há órgão de defesa do consumidor ou sistema judiciário que traga eficácia às decisões10, sendo esse espaço praticamente uma área cinza do Direito, pois não há autoridade central que gerencia o sistema, sendo bastante dificultoso achar um orgão apropriado, para reivindicar os direitos. Os Estados, por sua vez, devem buscar soluções para esse “não-lugar” (AUGÉ, 2000), observando os padrões estabelecidos pelo ordenamento jurídico, de forma a não prejudicar os direitos do consumidor, ferindo sua dignidade humana.

Como tal questão requer um estudo sobre como o Estado daria eficácia às decisões, é justificável afirmar que, devido à recente criação do bitcoin, essa resposta do ordenamento jurídico ocorreria com um maior tempo de estudo e não seria uma das normas primeiramente positivadas.

A questão do direito dos consumidores muito se relaciona com a necessidade de uma autoridade central responsável juridicamente pelo Bitcoin, que será analisada em outros pontos deste artigo.

Outra questão imprescindível é a análise da melhor resposta a ser dada, pelo Direito, no que tange aos bitcoins tirados de seus usuários verdadeiros em virtude de condutas fraudulentas e desonestas.

Como a moeda virtual assemelha-se a um documento digital sem o problema do gasto duplo, é preciso que o ordenamento jurídico brasileiro indique se retirar bitcoins de seu usuário original e de direito seria tipificado como furto, segundo o artigo 155 do Código Penal, ou se tal conduta seria tipificada no artigo 154-A do Decreto-Lei número 2.848, ou seja, se a conduta seria classificada como invasão de dispositivo informático com aumento de pena, de acordo com o parágrafo segundo do mesmo artigo.

Segundo o nosso entendimento, a conduta deveria ser incluída como invasão de dispositivo informático, pois a moeda nada mais é que um documento digital, semelhante, portanto a outros documentos que se classificariam em tal artigo.

Um outro ponto de relevância que precisa ser analisado em relação à moeda refere-se à possibilidade de quebra da censura imposta por alguns Estados, pois o sítio pode ser acessível com programas que protegem a anonimidade, mesmo que um determinado país proíba o acesso ao software. Essa facilidade de acesso faz com que muitos indivíduos enviem dinheiro aos seus parentes, que moram em outros países menos desenvolvidos ou em ditaduras (TRAUTMAN, 2014).

Esse problema não difere, apesar de seus propósitos, do fácil acesso de usuários de sítios ilegais. O Estado deveria, então, tecer uma política com relação à proibição de envio de moedas para determinados países ou com relação à probição do software, mas deve-se mencionar que dificilmente essa norma seria mais cumprida que outras normas semelhantes e, como já afirmado, dificilmente a censura seria uma atitude apropriada, para os países que desejam ter uma situação econômica favorável.

Para bem delimitar os pontos mais cruciais para a regulamentação, é preciso, cartesianamente, estabelecer as prioridades do Estado. Segundo Lorenzetti (2004), quando surge uma nova tecnologia, geralmente as primeiras regulamentações são mais abrangentes, enquanto outras leis a seguem, para especificar ou, para detalhar o comportamento que o Estado julga apropriado.

Espera-se que ocorra o mesmo com a moeda virtual, que já teve seus primeiros reconhecimentos por diversos Estados, entre eles: Islândia, Estados Unidos, Alemanha11, Suécia, Finlândia (BRYANS, 2014) e Japão (SZCZEPANSKI, 2014).

Apesar disso, a União Europeia ainda não fez qualquer referência ao bitcoin, o que faz com que se deduza que os primeiros regulamentos sobre a moeda serão nacionais e não supranacionais. A União Europeia se manifestou através de uma diretiva (2009/110/EC) sobre dinheiro eletrônico, cuja definição parecia condizente com o bitcoin. O Banco Central Europeu, entretanto emitiu um relatório, em 2012, informando que a diretiva não se aplicava a moeda (Ibidem, 2014). Como já afirmado anteriormente, é seguro esperar que as Nações decidam classificar o Bitcoin em outra categoria que não a de dinheiro virtual.

Importante mencionar também que os Estados Unidos já proíbiram a utilização de moedas criadas para propósitos ilícitos (BRYANS, 2014) e, como já evidenciado, reconheceram o bitcoin como legal, apesar de não o definir como moeda, mas como propriedade. A alternativa, portanto não é proibir a utilização da moeda, já que tal opção pode, inclusive, desfavorecer a posição de um país na economia mundial12, além de não ser uma medida completamente eficaz, mas impedir com que a moeda sirva como meio para fins escusos.

É necessário, então não somente a criação de novas leis regulamentando as transações efetuadas por meio do software, mas também a modernização de leis antigas sobre a lavagem de dinheiro, por exemplo (UNITED STATES DEPARTAMENT OF JUSTICE, 2012).

Inicialmente, espera-se que os Estados obriguem as empresas de câmbio que trocam bitcoins a ter uma licença específica, assim como a notificar as suas atividades, facilitando a transparência, para evitar qualquer elo com a criminalidade. Tal ação justifica-se em virtude da maior capacidade do Estado de controlar as agências de câmbio do que os indivíduos que trabalham verificando transações.

É provável, ainda, que as regulamentações iniciais também lidem com a questão tributária, ou seja, que o Estado peça para que os usuários do bitcoin declarem a “propriedade” dessas moedas, como ocorreu nos Estados Unidos e no Canadá. Essa prática não seria de difícil controle, já que com a licença, para trocar bitcoins, o Estado teria uma maior noção da quantidade disponível de moedas no país. A facilidade de tal prática relaciona-se também com a possibilidade de identificação de seus usuários através da chave pública13. Após essas transformações, o Estado lidará com os temas mais dificultosos, abordados neste artigo, como a eficácia da exigência do cumprimento do Direito do Consumidor e a tipificação do ato de pegar bitcoins pertencentes a outrem.

Há juristas que recomendam a criação de normas universais próprias para o mundo virtual, justamente pela natureza global da Internet (JOHNSON; POST, 1996). Nesse caso, a atitude adequada seria permitir com que uma entidade internacional regulasse e controlasse as atividades da moeda virtual e de outras moedas que possam surgir no futuro.

Tal atitude se harmonizaria facilmente com o desenvolvimento da lex digitalis (NEVES, 2009) e facilitaria a possibilidade de reivindicar direitos pelos consumidores, já que haveria uma entidade central controlando o sistema, de forma semelhante ao que é feito pela Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e de Números (ICANN), mas é preciso analisar a praticidade de excercer essa atribuição, já que dificilmente inúmeros Estados concordariam com a total entrega do competência para legislar sobre esse asssunto.

Estabelecendo, entretanto uma comparação com a ICANN, é preciso mencionar que não foi feito algo semelhante com a corporação que controla a Internet, já que essa entidade foi criada sem uma autorização de todos os países, mas se atribuiu à função de controlar o mundo virtual. O desenvolvimento da supracitada hipótese levaria os ordenamentos jurídicos a estabelecerem uma relação de transconstitucionalismo entre as distintas entidades e Estados relacionados à moeda. A possibilidade de criação de uma entidade semelhante, portanto não deve ser ignorada.

Ao considerar outras conjeturas, é fácil afirmar que cada Nação visa formar sua própria interpretação da moeda de acordo com a legislação nacional existente, sem, necessariamente, seguir o que outros países decidem sobre a moeda, já que as decisões tomadas pelos Estados têm abrangido aspectos jurídicos diferentes, mas uma legislação mais elucidada sobre o assunto levaria o Estado a estudar todas as questões pontuais abordadas por distintas legislações.

4 Conclusão

O Bitcoin já trouxe inúmeros reflexos para o mundo jurídico e, por isso sua regulamentação é necessária, ao menos, para proibir com que condutas ilícitas sejam realizadas com o auxílio das características próprias da moeda.

A maior parte dos Estados tem decidido dar passos inciais, como reconhecer a legalidade da moeda ou informar aos seus usuários sobre a cobrança de impostos relacionados ao seu uso e propriedade (GAO, 2013). Por isso, mantêm-se que a posição ideal é a regulamentação, inicialmente, por meio de leis nacionais mais amplas (VALDE, 2013), especialmente sobre questões tributárias e de licença por parte da casas de câmbio.

As regulamentações seguintes, certamente, serão mais restritas e específicas, pois o quadro da moeda criptográfica será mais bem delimitado através de mais análises e de um maior tempo para o desenvolvimento de suas consequências no mundo econômico e jurídico e envolverão questões jurídicas ainda enevoadas ou que não podem ter uma eficácia aparente, como, por exemplo, o respeito ao Direito do Consumidor.

Não é necessário, portanto que se crie uma legislação extensiva sobre a moeda, pois há o risco de atrofiar kafkianamente essa nova tecnologia, mas o Estado deve reconhecer o seu uso lícito, buscando proteger as pessoas que usam a moeda de maneira legítima e lidar com questões pontuais, como é feito em outros países, inclusive, em razão de benefícios econômicos.

Sabe-se que as modificações trazidas pelo software ainda não foram totalmente descobertas, mas é de extrema relevância o estudo da moeda e de suas consequências jurídico-econômicas, para compreender a Pós-Modernidade. Espera-se, portanto que a apresentação propedêutica do assunto pelo artigo tenha contribuído para o debate jurídico sobre o tema.

Referências

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Bitcoin: juridical consequences from
the development of the virtual coin

Abstract

This article aims to understand the proper answers from Law to the creation of bitcoin. The paper explains, with introductory notions, and through the analysis of comparative legislation, the history of the coin, its economic consequences and paradigmatic changes. It also presents doctrinal considerations regarding the creation of the coin. The main goal of the paper is to analyze the possible hypothesis of regulation for the transactions with the cryptographic currency, which belong to a grey area, not yet regulated by law. The conclusion of this work is that the State must include the coin in its regulations, initially dealing only with tax evasion, with its possible connections to the illegal market and with the creation of a license to exchange coins. After that, it should regulate aspects that require great thoroughness, such as the protection of the rights of consumers.

Keywords: Bitcoin. Cryptography. Regulation.

Recebido em: 11/03/2015.

Aprovado em: 25/06/2015.

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1 Cita-se como exemplo a Microsoft, Dell, entre outras.

2 Na história do bitcoin nunca houve qualquer fraude na emissão de moedas e de transações falsas. Isso ocorre em razão do código do software, que é aberto e disponível a todos, para que realizem modificações e em virtude dos “mineradores”, que verificam todas as transações antes de aprová-las e disponibilizá-las no site.

3 Atualmente, sabe-se que Satoshi Nakamoto é um pseudônimo. A muitas pessoas foi atribuído tal nome fictício, tendo a revista “Nesweek”, inclusive, identificado o mais provável agente que teria criado o código: Dorian Nakamoto, que negou as alegações.

4 Como afirmou Lorenzetti (2004), a identificação por código torna-se uma tendência no mundo digital.

5 Cada usuário possui uma chave pública e uma chave privada.

6 Ronald Coase (1960), inclusive, afirma que se não fossem pelos custos de transação, mais acordos seriam realizados.

7 Lorenzetti (2004) chega a afirmar que, atualmente, a criptografia assimétrica é a que mais confere segurança.

8 Há, inclusive, programadores que sugerem a utilização do protocolo do Bitcoin para outras moedas digitais (WILLETT, 2013) ou para criptografar e-mais, em razão da sua segurança (WARREN apud BRITO; CASTILLO, 2013).

9 Cita-se como exemplo Charlie Shrem, cuja empresa, foi acusada de lavagem de dinheiro, por ter trocado dólares por bitcoins para um negócio ilegal de drogas (MACHEEL, 2014). Há, ainda, várias empresas de lavagem de dinheiro que prefeririam atuar com a moeda criptográfica como Liberty Reserve (BRITO; CASTILLO, 2013).

10 Nos Estados Unidos, à propósito, já foi criada uma organização (Chamber of Digital Commerce) para representar os interesses dos envolvidos com moedas virtuais, particularmente, com o bitcoin.

11 A Alemanha adota a posição de que a moeda é uma unidade de conta e um tipo de dinheiro privado (SHCHERBAK, 2014).

12 Cita-se como exemplo a Rússia, que passou a bloquear os sites da moeda, mas, devido à sua importância, passa agora a rever a decisão (SMART, 2014).

13 É possível a realização de uma análise das transações realizadas e do comportamento dos usuários utilizando o meio de pagamento, o que permite, inclusive, a identificação de até 40% dos usuários, segundo demonstrado em uma pesquisa experimental (ANDROULAKI, 2013).

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