5-3098

O Endividamento e os seus Consequentes nas Capitais Brasileiras de 2010 a 2017

Indebtedness and its Consequences in the Brazilian Capitals from 2010 to 2017

Vanessa Piovesan Rossato(1); Rhuan Pivetta Beskow(2); Nelson Guilherme Machado Pinto(3)

1 Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil.
E-mail: [email protected] | ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7165-4712

2 Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil.
E-mail: [email protected] | ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3859-6001

3 Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil.
E-mail: [email protected] | ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1105-2271

Resumo

O objetivo do trabalho é verificar o impacto do endividamento nos níveis de inadimplência e sobre-endividamento das famílias brasileiras de 2010 a 2017, por meio de uma amostra pesquisada nas populações das capitais brasileiras e no Distrito Federal. Decorre-se que em razão da ampliação das formas de pagamento conjuntamente com os prazos expandidos para quitação das contas, o uso do cartão de crédito torna-se um facilitador para a existência de endividamento, posto que muitas vezes as pessoas agem irracionalmente e sofrem vieses, conforme postulados das finanças comportamentais. O trabalho justifica-se devido à importância do tema endividamento, uma vez que sua repercussão suscita preocupação social. Ademais, o estudo traz um caráter inovador, pois correlaciona o impacto do endividamento na inadimplência e no sobre-endividamento. Dessa forma, realizou-se uma regressão a partir dos dados secundários obtidos da Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC). Os resultados demonstraram que a maior causa das dívidas das famílias analisadas decorre-se pelo cartão de crédito, seguido pelos carnês. Também, diagnosticou-se que existe uma relação positiva entre endividamento e inadimplência e que maiores valores de inadimplência provocam maiores valores de sobre-endividamento dentro das capitais brasileiras.

Palavras-chave: Finanças Comportamentais, Endividamento, Inadimplência, Sobre-endividamento, Cartão de crédito

Abstract

The objective of this study is to verify the impact of indebtedness on the levels of delinquency and over-indebtedness of Brazilian families from 2010 to 2017, through a sample researched in the populations of the Brazilian capitals and the Federal District. Due to the different forms of payment together with the extended deadlines for discharge of accounts, the use of credit cards becomes a facilitator for indebtedness, since people often act irrationally, according to the postulates of behavioral finance. The paper is justified due to the importance of the subject debt, since its repercussion raises social concern. In addition, the study has an innovative character, because correlate the impact of indebtedness on delinquency and over-indebtedness. Thus, a regression was made based on the secondary data obtained through the PEIC. The results showed that the major cause of the debts of the analyzed families is carried out by the credit card, followed by the cards. In addition, it was verified that there is a positive relationship between indebtedness and default, and that higher default values cause higher amounts of over-indebtedness within Brazilian capitals.

Keywords: Behavioral Finance, Indebtedness, Delinquency, Over-indebtedness, Credit Card

1 Introdução

Durante décadas, entendeu-se que o desenvolvimento das teorias econômicas encontrava respaldo apenas em modelos matemáticos consolidados, não levando em consideração aspectos comportamentais. Entretanto, devido a algumas limitações dos modelos neoclássicos existentes em justificar a dinâmica dos mercados mundiais, emerge um novo campo de estudo, intitulado como finanças comportamentais.

A fundamentação das finanças comportamentais reverencia que as pessoas, muitas vezes, agem irracionalmente, pois estão subordinadas às marcas de desapontamentos cognitivos. Assim, o foco deste objeto de estudo condiz na análise de categorias comportamentais e psicológicos que podem influenciar no processo de decisão do agente acerca de processos financeiros (Aguiar, Araújo, Carmo, Prazeres, & Soeiro, 2016).

Um influenciador dos desapontamentos cognitivos do comportamento humano explica-se pela atual conjuntura, uma vez que os hábitos de consumo normalmente estão diretamente ligados ao materialismo, fazendo com que as pessoas sejam reconhecidas pelos bens que possuem (Messias, Silva, & Silva, 2015). Um dos facilitadores desse processo refere-se à dinamização do uso do crédito, que uma vez usado em demasia, gera uma insustentabilidade nas finanças pessoais, podendo resultar em índices de endividamento (Flores, Vieira, & Coronel, 2012).

Dessa forma, o uso do cartão de crédito é um dos fatores de propensão ao endividamento que mais se destaca no âmbito atual, já que é por meio deste recurso que as pessoas podem adquirir bens sem a necessidade de desembolsar o valor monetário no momento da compra (Reis, Matsumoto, & Barreto, 2013; Ivo, Cruz, Chinelato, & Ziviani, 2015). Nesse sentido, muitas pessoas perdem o controle neste tipo de situação e não sabem ao certo quanto de dinheiro foi dispensado nestas aquisições, uma vez que a fatura do cartão de crédito chega dias depois (Piccini & Pinzetta, 2015).

O uso do cartão de crédito possui duas vertentes, a primeira caracteriza-se pelo uso responsável, à medida que permite que as pessoas que não dispõem do dinheiro total para compra de um produto ou serviço, possam parcelar suas compras em diversas vezes. Por outro lado, o uso indiscriminado do cartão, atrelado a um mau gerenciamento das contas em haver, pode comprometer a saúde financeira da família, uma vez que as contas em atraso geram juros, transformando o valor aparentemente irrisório em uma grande dívida (Lie, Hunt, Peters, Veliu, & Harper, 2010).

Diante do contexto de inserção do indivíduo no âmbito do consumo, ficam evidentes as formas de persuasão da mídia que incitam as pessoas a comprarem produtos que, muitas vezes, são supérfluos (Mello & Sathler, 2015). Esse fato é confirmado na perspectiva de Vilain e Pereira (2015), quando ressaltam que na maioria das vezes o consumo é visto como sinônimo de luxo e status. Contudo, na busca deste reconhecimento social, as pessoas normalmente comprometem sua renda, e consequentemente ficam sem condições para honrar com os compromissos assumidos (Slomp, 2008; Keese & Schimitz, 2010).

Vários estudos já se detiveram no escopo do endividamento, como os de Piccini e Pinzetta (2014), avaliando identificar o índice de endividamento no município de Chapecó. Santos e Silva (2014), prospectaram as causas do endividamento na Bahia e no Sergipe. Para Oreiro (2012), há um estímulo ao endividamento das famílias, e esta medida, junto com outras, é justamente o contrário do que se deve fazer para restabelecer o dinamismo da economia brasileira. Alguns autores acreditam ainda que o consumismo, característica marcante da atual sociedade, contribui para o surgimento e o aumento do endividamento familiar (Slomp, 2008; Silva, 2008; Ponchio & Aranha, 2008; Keese & Schimitz, 2010).

Seguindo essa temática, este trabalho tem como objetivo verificar o impacto do endividamento nos níveis de inadimplência e sobre-endividamento das famílias brasileiras de 2010 a 2017, por meio de uma amostra pesquisada nas populações das capitais brasileiras e no Distrito Federal. O período de análise justifica-se a partir de 2010, pois foi nesse ano que iniciaram as coletas desses dados, totalizando 96 períodos de análise. Foram realizados os testes de White e Durbin-Watson, a fim de verificar esse impacto por meio da regressão no software Gnu Regression, Econometrics and Time-series Library (Gretl).

O estudo mostra-se relevante à medida que o número de pessoas endividadas no Brasil é significativo, por essa razão, estudar os aspectos do endividamento é essencial, para as grandes corporações que precisam administrar seu ciclo operacional e financeiro. Ademais, o tema é atual e necessita de discussões nos ambientes econômico e acadêmico, a fim de fomentar debates e mitigar as consequências do endividamento. O trabalho mostra-se inovador, pois efetua a relação entre essas variáveis, a fim de verificar se o endividamento impacta na inadimplência e no sobre-endividamento e qual o tamanho desse impacto.

2 Referencial Teórico

Com o objetivo de proporcionar maior contato com os temas já estudados na literatura acadêmica, essa seção faz um resgate do acervo bibliográfico sobre o enfoque do endividamento. Dessa forma, este capítulo está segmentado em dois blocos principais. Primeiramente, aborda-se uma contextualização das finanças comportamentais, ressaltando sua importância e como surgiu. Em seguida, discute-se sobre a temática do endividamento e seus consequentes, elencando as questões de inadimplência e sobre-endividamento.

2.1 Finanças Comportamentais

O estudo das finanças está em um processo de transição, a razão que a ideia dos mercados eficientes pautada na racionalidade dos indivíduos está sendo contestada, dando espaço a estudos que incrementem novas variáveis para a tomada de decisão dos indivíduos. Estudos emergentes estão surgindo devido a lacunas deixadas pelos estudos tradicionais, posto que apesar de abordarem fatores econômicos, com o propósito de melhores alternativas de investimento para alavancar o retorno financeiro, não leva em consideração o comportamento do investidor. Salienta-se que esse fator é primordial em um contexto financeiro, uma vez que as pessoas podem sofrer vieses cognitivos no processo de tomada de decisão (França, Milken, Teruel, Fagundes, & Peixoto, 2017).

Assim, devido a algumas lacunas do modelo neoclássico em explicar decisões do investidor, emerge uma nova linha de estudos, denominada finanças comportamentais. Nesse campo de estudo, leva-se em consideração outros aspectos que não estejam vinculados somente aos postulados da economia e finanças, mas também que tenham respaldo da ciência da psicologia (Haubert, Lima, & Lima, 2014; Minella, Bertosso, Pauli, & Corte, 2017).

Nessa acepção, os paradigmas das finanças comportamentais declaram que nem sempre os tomadores de decisão agem de forma racional, uma vez que fazem escolhas apoiadas em julgamentos sob interferência de aspectos heurísticos, baseados em atalhos da mente (Yoshinaga & Ramalho, 2014). Assim sendo, os fatores comportamentais podem adulterar a assimilação dos acontecimentos, sendo que as premissas sustentadas nos princípios da racionalidade podem não ser acatadas devido a vieses cognitivos (Kimura, Basso, & Krauter, 2006). Nesse sentido, este estudo busca explicar um modelo do comportamento humano que consiga elucidar como aspectos relativos às emoções e humor, podem intervir nas decisões financeiras e ainda como podem provocar alterações no mercado (Ávila, Oliveira, & Avila, 2016).

Segundo Shefrin (2010), as finanças comportamentais são um novo campo de estudo fundamentado na transição dos princípios tradicionais das finanças, baseado em um cenário marcado por traços psicológicos. Do mesmo modo, Shleifer (2000), complementa que o estudo fundamenta-se na possibilidade de erro dos agentes em mercados competitivos. Nessa perspectiva, as finanças comportamentais são um campo multidisciplinar, à medida que reúne postulados da economia, finanças e psicologia, aspectos estes, que anteriormente não estavam vinculados ao paradigma neoclássico.

Um dos primeiros estudos que contemplam as finanças comportamentais foi o de Slovic (1972). Em suas pesquisas retratava a dificuldade em absorver a quantidade de informações disponíveis, revelando que fatores comportamentais poderiam influenciar nesse processo. Nesse contexto, Tversky e Kahneman (1979) formularam a teoria do prospecto, procurando saber como os agentes de investimento encaravam o risco na prática, uma vez que no processo de tomada de decisão pode haver interferência involuntária de vieses cognitivos (Faveri & Knupp, 2018).

Por conseguinte, as finanças comportamentais, segundo Kimura (2003), representam uma das mais importantes e surpreendentes inovações na teoria de finanças ao buscar, a partir da convergência interdisciplinar de conhecimentos das áreas da psicologia, sociologia, economia e finanças, desenvolver um modelo detalhado do comportamento humano. O campo de estudos das finanças comportamentais visa verificar como os indivíduos interpretam, agem e reagem às informações para a tomada de decisão e, além disso, busca entender e predizer quais os fatores que interferem no processo decisório (Mosca, 2009).

Neste contexto, um dos assuntos que vem ganhando destaque no campo de finanças comportamentais refere-se ao endividamento dos indivíduos. Para Silva (2008), a cultura do endividamento está ligada ao consumismo atrelado ao crédito fácil, juntamente com um individualismo constante da sociedade e com o desejo de ter em detrimento do ser. Por essa razão, o endividamento e seus consequentes ganham destaque na linha das finanças comportamentais, uma vez que devido ao materialismo e uma gestão ineficaz dos recursos pessoais, as pessoas podem comprometer sua renda.

2.2 Endividamento e seus Consequentes

O termo endividamento caracteriza-se como um processo de contrair dívidas, ou seja, a pessoa realiza uma compra e posterga o pagamento, para datas futuras, seja por não possuir os recursos monetários ou por não desejar usufruir do dinheiro no ato da compra (Minella, Bertosso, Pauli, & Corte, 2017). Nota-se que esse método não é prejudicial se os indivíduos possuem um bom planejamento financeiro e quitam as dívidas nos prazos estabelecidos, entretanto, se o tratado não for cumprido e as pessoas não pagam suas pendências nas datas propostas, os indivíduos tornam-se inadimplentes (Carvalho, Sousa, & Fuentes, 2017).

De acordo com Oliveira (2010), a inadimplência caracteriza-se como o não pagamento das contas nos prazos pactuados. Do mesmo modo, Fiori, Mafra, Fernandes, Barbosa Filho e Nascimento (2017) retratam que a inadimplência não pode ser confundida com endividamento, pois o primeiro termo caracteriza-se por uma quebra de uma cláusula contratual e o segundo elemento caracteriza-se na justificativa da pessoa protelar o pagamento da compra para datas futuras. A inadimplência caso, não controlada, suscita uma situação ainda delicada, indicada como sobre-endividamento. Esse cenário configura uma conjuntura em que as pessoas comprometem a saúde financeira da família, não conseguindo quitar as pendências financeiras (Lucena, Santos, Assis, & Santos, 2014).

Evidencia-se que o aspecto do sobre-endividamento pode ocorrer de maneira passiva ou ativa. O primeiro segmento é quando o endividado não colaborou diretamente para tal situação, visto que circunstâncias corroboraram tal cenário, como desemprego, demissões e doenças. Segundo Campara, Vieira e Ceretta (2016), este tipo de endividamento afeta diretamente o indivíduo, à medida que ocorre um aumento significativo das despesas das pessoas, uma vez que as famílias não estavam preparadas para enfrentar tal situação.

O sobre-endividamento ativo é quando o indivíduo contribui positivamente para a consecução das dívidas, devido à falta de um planejamento financeiro que o auxilie no controle das entradas e saídas do dinheiro (Marques & Frade, 2003). Logo, o sobre-endividamento ativo é decorrente de uma imaturidade financeira dos indivíduos que ocasiona uma série de restrições para o indivíduo e a sua família (Brusky & Magalhães, 2007).

Todavia, existem fatores externos que pesam de maneira mais consistente no endividamento das pessoas. Em razão da globalização, diversos objetos foram surgindo, a criação desses utensílios aliados ao marketing influi de maneira ativa no processo de compras, uma vez que sua publicidade densa induz as pessoas a consumirem produtos em demasia, fazendo com que as pessoas criem a necessidade de obtenção das novas mercadorias que antes não dispunham (Reis et al., 2013).

Nesse sentido, uma das causas do endividamento das pessoas é o uso desordenado do cartão de crédito, este é caracterizado como um instrumento passivo, à medida que empresta dinheiro em curto prazo para as pessoas, e as mesmas pela ausência de planejamento pagam juros a partir do saldo devedor, comprometendo sua saúde financeira (Messias et al., 2015).

Por conseguinte, esclarece-se que no momento em que uma pessoa usufrui de recursos de terceiros e faz parcelamentos de contas em estabelecimentos comerciais, já é automaticamente considerada endividada. De acordo com Campara et al. (2016), quando o endividado não cumpre com os compromissos financeiros, torna-se inadimplente, e quando a situação está fora de controle ao ponto de colocar em risco a família, a pessoa é considerada sobre-endividada.

Alguns trabalhos já realizaram um apanhado sobre o tema do endividamento, por exemplo, a pesquisa de Daros e Pinto (2017), que por meio do levantamento bibliográfico realizou um resgate de estudos que trabalharam com a inadimplência no cenário brasileiro. Ademais, utilizou-se de um levantamento na base Scopus no período de 2007 a 2016, a fim de situar a inadimplência no contexto mundial. Nesse sentido, verificou-se uma gama de estudos relacionando o endividamento nas universidades, principalmente privadas, além de identificar que os países americanos são os que mais publicam sobre a temática.

3 Procedimentos Metodológicos

O presente estudo analisou quantitativamente as questões de endividamento, inadimplência e sobre-endividamento dentro da realidade das capitais brasileiras por meio de uma série temporal de 2010 a 2017. Pelos modelos de regressão utilizados, para verificar as relações entre os objetos de estudo, o trabalho pode ser classificado como quantitativo. Ademais, o trabalho caracteriza-se pelo cunho descritivo, pois foram realizadas observações e análises, a fim de registrar e correlacionar fenômenos sem manipulá-los (Rampazzo, 2002).

Os dados utilizados são secundários e foram obtidos através da Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), realizados pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A pesquisa é realizada pelo CNC, desde janeiro de 2010, justificando o início da coleta a partir desse ano. Os dados são coletados junto a amostras de indivíduos de todas as capitais de estados brasileiros e do Distrito Federal, com o objetivo de diagnosticar o nível de endividamento e outras características relacionadas ao tema. As amostras utilizadas pela PEIC são compostas mensalmente por cerca de 18.000 consumidores das capitais estaduais e do Distrito Federal. Para o presente estudo, foram utilizados dados mensais de janeiro de 2010 a dezembro de 2017, totalizando 96 períodos de análise.

Dentre a diversidade de dados mensurados na PEIC, o presente trabalho utilizou quatro informações pertinentes. A primeira delas foi o tipo da dívida que a população contrai. Outra informação considerou o total de endividados encontrados na amostra no período. Posteriormente, foi analisada a inadimplência da amostra pesquisada. Por fim, foram analisados aqueles indivíduos que não conseguem pagar suas dívidas, ou seja, que estão em uma situação de sobre-endividamento.

Além de analisar de maneira descritiva os dados com relação à dívida, endividamento, inadimplência e sobre-endividamento, o presente estudo propõe-se a verificar as relações encontradas entre o endividamento e os seus consequentes, isto é, com a inadimplência e o sobre-endividamento. As variáveis foram transformadas na forma de logaritmo natural (ln), a fim de que sejam verificadas as elasticidades das relações estudadas. A partir disso, foram propostos dois modelos de análise, o primeiro deles relacionando endividamento e inadimplência.

2495.png (1)

Em que:

2502.png é a Inadimplência das famílias para o i-ésimo período de tempo;

2508.png é o Endividamento das famílias para o i-ésimo período de tempo;

2515.png é o intercepto;

2521.png é o coeficiente angular de relação das variáveis da regressão;

2527.png é o termo de erro aleatório.

O segundo modelo verificou as relações do sobre-endividamento com o endividamento e a inadimplência.

2533.png (2)

Em que:

2540.png é a Sobre-endividamento das famílias para o i-ésimo período de tempo;

2546.png é o Endividamento das famílias para o i-ésimo período de tempo;

2552.png é a Inadimplência das famílias para o i-ésimo período de tempo;

2559.png é o intercepto;

2565.png são os coeficientes angulares de relação das variáveis da regressão;

2572.png é o termo de erro aleatório.

Os dois modelos foram testados para os 96 períodos de análise. A fim de verificar se os dados da regressão apresentavam heterocedasticidade e autocorrelação, foram realizados os testes de White e Durbin-Watson, respectivamente. O software utilizado para a estimação da regressão foi o Gnu Regression, Econometrics and Time-series Library (Gretl).

A partir disso, a seção dos resultados é dividida em sua análise em dois itens. Assim, na primeira parte verificam-se de maneira descritiva os tópicos abordados e, posteriormente, por meio das análises de regressão, os modelos empíricos foram testados.

3.1 Exemplificação do Contexto do Trabalho

Esquemas foram desenvolvidos com o intuito de formalizar uma compreensão mais ampla acerca dos assuntos de enquadramento do trabalho. Nesse sentido, servem como proposições para serem testadas, a fim de responder o objetivo do trabalho. Assim, retrata-se sobre a sequência esperada no que se refere ao processo de sobre-endividamento:

Endividamento Inadimplência Sobre-endividamento

A partir dos estudos desenvolvidos, nota-se que o aspecto do endividamento engloba um procedimento. A primeira conduta é caracterizada pela aquisição de dívidas que podem ser de amplitude menor, como cartão de crédito, crediários, como também contas a pagar de grande magnitude, por exemplo, financiamentos de casas e carros. É importante frisar que o ato de contrair compromissos financeiros é brando, uma vez que assumir dívidas não é um aspecto ruim, se quitadas nos períodos certos. No entanto, nem por isso a situação de endividamento deve ser desconsiderada, visto que todos os tipos de pendências financeiras devem ser analisados com cautela e prudência.

Em um segundo momento, a partir do instante em que se deixa de honrar com as obrigações financeiras nos prazos determinados, o indivíduo passa a ser considerado inadimplente. Infere-se que essa é uma situação de alerta, a razão que as pessoas além de estarem endividadas, não pagam as contas nos períodos estabelecidos, ocasionando problemas no nome, e que em casos mais graves compromete de forma extensiva o orçamento da família. Salienta-se que, nesta condição, os indivíduos devem procurar mecanismos que auxiliem o processo de retirada dessa situação, já que a continuidade nesse patamar de dívidas pode ocasionar consequências penosas. O extremo ocorre quando os consumidores não conseguem pagar suas pendências, sem colocar em risco a saúde financeira da família, sendo classificados como sobre-endividados.

A Figura 1, por meio de um Diagrama de Venn, elucida conteúdos que englobam o endividamento, inadimplência e sobre-endividamento.

Figura 1. Diagrama de Venn do endividamento

2087.png

Fonte: Elaborada pelos autores.

Foi possível elaborar um diagrama de Venn com o propósito de estabelecer relações entre as sentenças. Com isso, é plausível visualizar de forma didática, a associação entre as proposições endividamento, inadimplência e sobre-endividamento. Ao se tratar do endividamento, verifica-se que o mesmo não está acoplado a nenhum outro elemento de sua subdivisão, visto que se trata somente dele e as partes restantes são seus consequentes. Desse modo, estar endividado não é sinônimo de inadimplência, muito menos que o indivíduo esteja passando por sérias dificuldades de cunho financeiro que impossibilitam as quitações das contas.

A temática da inadimplência está interligada ao endividamento, pois sua existência é oriunda do surgimento de dívidas, ou seja, a partir do momento em que se está em déficit com as contas, acontece a inadimplência. Partindo desse pressuposto, a inadimplência resulta do aspecto do endividamento, por essa razão elas estão interligadas.

O objeto de estudo que está conectado com outras duas variáveis é denominada sobre-endividamento. Em consoante com o diagrama, percebe-se que esse estado de pendência financeira é consequência de um processo anterior, uma vez que, primeiramente, contrai-se a dívida, em que as contas não são saldadas no dia em que se deu o acordo de pagamento. Desse modo, por essa suposição, o endividamento impacta no sobre-endividamento.

Por conseguinte, por meio da Figura 1, constata-se que existem três circunstâncias passíveis de acontecimento no que engloba o tema endividamento. O estado mais brando é quando o indivíduo possui somente as responsabilidades financeiras, honrando seu pagamento nos dias acordados. Nesta situação, o componente endividamento não fica atrelado a nenhuma outra variável, visto que elas são suas consequentes e não antecedentes. Outra situação ocorre no momento em que o consumidor contrai dívidas e não as quita no período certo, resultando na inadimplência, este resultante do processo de endividamento. Por último, o sobre-endividamento é a etapa em que acontece a incapacidade de pagamento das pendências financeiras, adentrando-se no diagrama nas variáveis endividamento e inadimplência. Assim, seguindo estas proposições o sobre-endividamento é influenciado pelo endividamento e sobre endividamento.

4 Análise e Discussão dos Resultados

Esta seção faz alusão aos principais resultados oriundos da pesquisa. Primeiramente, discorre-se sobre a análise descritiva dos dados, fazendo referência aos tipos de dívidas e o impacto dessas dívidas nas famílias das capitais brasileiras. Posteriormente, discute-se sobre as análises advindas do modelo de regressão, subordinando a relação entre o endividamento com a inadimplência, e após com o sobre-endividamento.

4.1 Análise Descritiva dos Dados

Fatores situacionais contribuem ativamente para a geração de dívidas, esses normalmente dizem respeito ao marketing que induz as pessoas a criarem necessidades, que muitas vezes são supérfluos. Esses elementos aliados ao pouco conhecimento financeiro e a um orçamento deficitário cooperam para a existência de dívidas.

Pelos dados auferidos, identifica-se que as dívidas por cartão de crédito são responsáveis pelo maior número de pendências financeiras das pessoas, uma vez que correspondem a 74,70% dos questionados. Esse fato pode ser explicado, uma vez que o governo possibilitou a expansão da oferta de crédito, concomitantemente com os prazos de pagamento ampliados. Revela-se que os cartões de crédito são fáceis de conseguir e as pessoas estão utilizando cada vez mais esses serviços, como os jovens que, segundo Oliveira, Ikeda e Santos (2004), compram de maneira compulsória. Caso não tenham uma educação financeira, os maus hábitos podem prevalecer na vida futura, resultando em dificuldades no pagamento das contas.

A pesquisa de Kunkel, Vieira e Potrich (2015) identificou que as dívidas no cartão de crédito podem ser provocadas devido a fatores comportamentais referentes a relapsos no comportamento e nas atitudes financeiras, conjuntamente com as compras compulsivas e ausência de conhecimento financeiro. De acordo com Figueira e Pereira (2014), as compras compulsivas servem como estabilizador de emoções, à medida que as pessoas, quando se encontram em uma situação de tensão e estresse, recorrem às compras como forma de atenuar as emoções, evidenciando o consumo como um fator de felicidade.

Do mesmo modo, Guimarães e Chaves Neto (2004) explicam que algumas justificativas explicam as dívidas por cartão de crédito, que dizem respeito às informações incipientes sobre os consumidores na hora de liberar o crédito. Por essa razão o número de aprovação dos clientes é elevado, e consequentemente devido à restrição dos dados, a propensão à inadimplência é acentuada.

O uso do cartão de crédito é visto de maneira heurística pelas pessoas, uma vez que devido à sensação de posse do dinheiro, as pessoas muitas vezes não associam as compras aos pagamentos futuros. Nesse sentido, devido às facilidades do seu uso, além de seu caráter multidimensional, o cartão de crédito estimula gastos, muitas vezes, incitando a imprudência, posto que as pessoas não necessitem do desembolso imediato para pagamento de uma compra (Matos, Bonfanti, & Mette, 2015).

Os carnês, assim como os cartões de crédito, despontam como principais instrumentos para consecução de bens e serviços. Nesse sentido, os carnês são responsáveis por 18,81% das dívidas das famílias das capitais brasileiras e Distrito Federal, evidenciando que as pessoas utilizam consideravelmente este recurso para obtenção de bens e produtos (Kunkel, Vieira, Potrich, Campara, & Paraboni, 2016). A relação positiva entre endividamento e carnês foi evidenciada também na pesquisa de Silva, Vieira e Faira (2012), em que se concluiu que o maior acesso às compras, via carnês de lojas, é diretamente proporcional ao nível maior de endividamento.

Os financiamentos de carro também são propulsores de dívidas das pessoas, com 11,61%, uma vez que o mercado financeiro disponibiliza o crédito e a massa publicitária instiga as pessoas ao consumo exacerbado. Salienta-se que, muitas vezes, as pessoas não têm condições de comprar um veículo à vista e, por essa razão, recorrem à necessidade de dividir o valor total do bem em parcelas (Mendonça, Moreira, & Sachsida, 2017).

Por conseguinte, diagnosticou-se que a maior causa das dívidas das pessoas refere-se às pendências financeiras causadas pelo cartão de crédito. Nesse sentido, a Tabela 1 elucida em que nível essas dívidas se encontram, ou seja, se são passíveis de pagamento regular, com atrasos, ou ainda se comprometem a saúde financeira da família.

Tabela 1. Nível de endividamento

PEIC (percentual)

PEIC em número absolutos

Famílias que não terão condições de pagar as dívidas em atraso

7,58%

1.178.629,6

Famílias endividadas

60,37%

8.992.166,9

Famílias com contas em atraso

22,39%

3.331.859,2

Fonte: Dados da pesquisa.

As famílias consideradas endividadas da amostra são aquelas que contraem dívidas por aqueles fatores mencionados na Tabela 1. Revela-se que as dívidas são analisadas independentemente das parcelas serem quitadas em dia ou não. As famílias com contas em atraso são consideradas inadimplentes e são aquelas cujos compromissos financeiros estão pendentes, ou seja, não estão sendo cumpridos antes da data de seus vencimentos. Por último, as famílias que não terão condições de pagar suas dívidas em atraso são consideradas sobre- endividadas, configurando famílias que não têm condições de honrar as contas e colocando em risco a saúde financeira de suas famílias (Carvalho, Sousa, & Fuentes, 2017).

Assim, as famílias endividadas correspondem a 60,37% da amostra, evidenciando que as famílias preferem comprar e pagar em prestações de acordo com as suas particularidades. Salienta-se que, em virtude de um mercado globalizado, os indivíduos estão cada vez mais informados, sabendo das possibilidades de adquirir empréstimos e financiamentos em parcelas cada vez maiores. Um fator que contribui para isso é o marketing massificado que estimula as pessoas a consumirem cada vez mais, e cria necessidades para as pessoas obterem determinados produtos, muitas vezes supérfluos. Dessa forma, devido essa gama de artigos oriundos da tecnologia, as pessoas veem a necessidade de parcelar suas compras para conseguir comprar todos os utensílios (Slomp, 2008; Keese & Schimitz, 2010).

A situação fica mais densa quando se analisa as famílias que revelam possuir contas em atraso, correspondendo a 22,39% dos questionados. Esse fato é preocupante à medida que as pessoas não estão honrando com seus compromissos financeiros, impactando nos limites de suas rendas (Lucena, Santos, Assis, & Santos, 2014). Desse modo, as possíveis causas da inadimplência são em decorrência de eventuais esquecimentos, dificuldades financeiras e atrasos propositais. Além disso, identificam-se fatores como o ineficaz gerenciamento das contas, que culminam com as dificuldades de pagamentos das pendências financeiras (Andrade, Riul, Oliveira, & Cavalcanti, 2008).

A situação mais grave decorre-se pelo sobre-endividamento. Este está configurado em uma posição em que a pessoa não consegue pagar suas contas, colocando em risco a subsistência da família. Revela-se que apesar do sobre-endividamento ter um peso menor nos resultados, sendo responsável por 7,58% da amostra pesquisada, a condição merece atenção, uma vez que esses resultados se transformam em um ciclo vicioso, posto que os juros se multiplicam, dificultando a possibilidade de as famílias saírem dessa situação. As causas do sobre-endividamento podem estar vinculadas ao consumo excessivo, falta de planejamento financeiro e fatores incontroláveis, como o surgimento de doenças e perda inesperada do emprego (Lucena, Santos, Assis, & Santos, 2014).

O sobre-endividamento é uma situação insustentável à medida que a economia brasileira possui uma capacidade de geração de poupança inferior, não sendo compatível com o crescimento da oferta, colocando as pessoas nessa posição de endividamento excessivo. Da mesma forma, Zerrenner (2007) explica que o endividamento é um problema de ordem não apenas individual, mas social, à medida que um elevado número de inadimplentes impacta no crescimento econômico.

Ademais, os resultados ratificam a ideia formulada por Tversky e Kahneman (1979), uma vez que em seus postulados descreviam que as pessoas, muitas vezes, agiam de acordo com a irracionalidade, usando de fatores cognitivos para tomada de decisão. Isso explica, por exemplo, as compras por impulso, visto que em uma situação de ansiedade e estresse as pessoas não agem com a razão e acabam comprando produtos sem a devida necessidade, não tendo consciência do valor despendido para tal ação, tornando-se inadimplentes, e em casos mais graves sobre-endividados.

4.2 Análise dos Modelos de Regressão

A fim de verificar se maiores valores de endividamento provocam maiores incidências para a inadimplência pela estimação da análise de regressão, verificou-se, conforme Tabela 2, a relação entre endividamento e inadimplência.

Tabela 2. Resultados da estimação da regressão do modelo de estudo
pelo método de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) por meio de
Erros Padrão Robusto (VCE) com variável dependente inadimplência

Variável

Coeficiente

Estatística t

Significância

R² ajustado = 0,1402

Const

2,30

0,33

0,7409

Endividamento

1,08

2,49

0,0145**

Fonte: Elaborada pelos autores.

Nota: Valores com dois asteriscos (**) denotam coeficientes significativos ao nível de 5%,
com três asteriscos (***) denotam coeficientes significativos ao nível de 1%.

Para este modelo, os dados apresentaram heterocedasticidade e autocorrelação. Para isso, foi necessário realizar a regressão por MQO com erros-padrões consistentes com heterocedasticidade e autocorrelação (VEC) (Greene, 2008). Ao analisar o R², que significa o poder de explicação desse modelo, tem-se que 14,02% do endividamento tem relação com a inadimplência. Nos aspectos relacionados à significância, nota-se que as mesmas são viáveis, visto que as variáveis apresentam significância menor que 0,05 em relação à variável dependente, sendo possível que o coeficiente entre as duas variáveis fosse estudado. Além disso, o coeficiente apresenta valor positivo, e como é estatisticamente significativo, comprovam a relação positiva entre endividamento e inadimplência.

Explorando o valor do coeficiente de regressão, percebe-se que maiores valores de endividamento provocam maiores valores de inadimplência dentro das capitais brasileiras. Portanto, a partir do estudo, constata-se que um aumento de 1,00% no endividamento das capitais brasileiras leva a uma alavancagem de 1,08% na inadimplência nessas localidades.

Tabela 3. Resultados da estimação da regressão do modelo de estudo pelo
método de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) por meio de Erros
Padrão Robusto (VCE) com variável dependente sobre-endividamento

Variável

Coeficiente

Estatística t

Significância

R² ajustado = 0,8130

Const

11,49

3,53

0,0006***

Inadimplência

1,34

0,13

0,0001***

Endividamento

0,33

0,22

0,1367

Fonte: Elaborada pelos autores.

Nota: Valores com dois asteriscos (**) denotam coeficientes significativos ao nível de 5%
e com três asteriscos (***) denotam coeficientes significativos ao nível de 1%.

Para este modelo, os dados também apresentaram heterocedasticidade e autocorrelação. Para isso, foi adotado o mesmo procedimento de rodar o modelo com erros-padrões consistentes com heterocedasticidade e autocorrelação (VEC) (Greene, 2008). Ao analisar o R², que significa o poder de explicação desse modelo, tem-se que 81,30% do endividamento e da inadimplência têm relação com o sobre-endividamento. Nos aspectos relacionados à significância, nota-se que só a inadimplência apresentou significância menor que 0,05 em relação à variável dependente, sendo possível que o coeficiente entre as duas variáveis fosse estudado. A variável endividamento não apresentou significância em relação ao sobre-endividamento, demonstrando que não há relação dessas variáveis para essa realidade.

Explorando o valor do coeficiente de regressão significativo, percebe-se que maiores valores de inadimplência provocam maiores valores de sobre-endividamento dentro das capitais brasileiras, demonstrando a relação positiva entre essas variáveis. Portanto, a partir do estudo constata-se que um aumento de 1,00% da inadimplência das capitais brasileiras leva a uma alavancagem de 1,34% no sobre-endividamento nessas localidades.

Dessa forma, por meio dos modelos estudados, é possível conjecturar o aspecto cumulativo que essas variáveis apresentam entre si. Assim, maiores níveis de endividamento levam a uma maior propensão a níveis de inadimplência; enquanto que maiores níveis de inadimplência levam a maiores níveis de sobre-endividamento.

Por conseguinte, correlacionado as figuras com as análises de regressão, diagnosticou-se congruência com os resultados, à medida que o endividamento impacta na inadimplência, e quanto maior for à inadimplência, maior será a influência no sobre-endividamento, indicando que essa relação segue um processo. Entretanto, a ideia de que o endividamento impacta no sobre-endividamento é refutada nos resultados, uma vez que, para a realidade estudada, não há significância na relação entre endividamento e sobre-endividamento.

5 Considerações Finais

O endividamento é uma questão problema de caráter multidimensional, uma vez que possui desdobramentos complexos que impactam no cotidiano das pessoas, como a inadimplência, caracterizando-se como o não pagamento das contas nos períodos combinados. Consequente a isso, encontra-se o sobre-endividamento, esta a situação mais delicada, à medida que coloca em risco a saúde financeira das famílias e pode provocar desdobramentos mais sérios.

Dessa forma, este trabalho teve como objetivo verificar o impacto do endividamento nos níveis de inadimplência e sobre-endividamento das famílias brasileiras de 2010 a 2017, por meio de uma amostra pesquisada nas populações das capitais brasileiras e do Distrito Federal. Para tanto, utilizou-se de modelos de regressão, relacionando o endividamento e seus consequentes.

Pelos resultados, verificou-se que a maior parcela das dívidas das pessoas das capitais brasileiras e do Distrito Federal, dá-se pelo uso do cartão de crédito, seguido pelos carnês e financiamentos de carros. Este fato é propiciado, principalmente, devido às facilidades de oferta de crédito, concomitantemente com os prazos estendidos de pagamento que vislumbram as pessoas para obtenção de bens e serviços. É importante salientar que o número de pessoas inadimplentes e sobre-endividadas é alto, evidenciando um cenário de alerta, pois os problemas oriundos dessa situação provocam problemas de magnitude pessoal e social.

Ademais, verificou-se uma relação positiva entre endividamento e inadimplência, sinalizando que maiores índices de endividamento provocam maiores casos de inadimplência, evidenciando que as duas variáveis apresentam significância. Os dados demonstraram que o endividamento e a inadimplência explicam o sobre-endividamento, mas que somente a variável inadimplência apresenta significância com o endividamento. Logo, em função da não significância entre endividamento e sobre endividamento, pode-se inferir que não há relações entre essas variáveis para a realidade estudada.

As contribuições do estudo, em nível teórico, caracterizam-se pelo aprofundamento e enriquecimento da literatura a respeito do tema endividamento. Além disso, a pesquisa trouxe um caráter inovador, identificando qual o impacto do endividamento na inadimplência e no sobre-endividamento, comprovando que para a realidade estudada o endividamento e inadimplência explicam o sobre-endividamento, mas que somente a variável endividamento não tem relação com o sobre-endividamento. Além disso, ratificaram-se os postulados das finanças comportamentais, em virtude das famílias, muitas vezes, agirem pela irracionalidade, como compras por impulso, ausência de planejamento financeiro que corroboram para atitudes incoerentes no processo de compra.

O estudo ficou limitado a uma restrição na amostra estudada, uma vez que foram analisadas somente as capitais dos estados brasileiros e o Distrito Federal, sendo que, apesar de heterogenia abrangendo essas realidades, precisa ser expandida para obtenção de resultados mais aprofundados. Ademais, não foi realizada a utilização de variáveis de controle como: tamanho da renda, idade, escolaridade, entre outros, a fim de verificar diferenças no perfil da população. Portanto, para trabalhos futuros, sugere-se estudar o endividamento em outros contextos, comparando os resultados, além de atender as lacunas deste estudo.

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Revista de Administração IMED, Passo Fundo, v. 9, n. 1, p. 94-113, Janeiro-Junho, 2019 - ISSN 2237-7956

[Recebido: Dezembro 04, 2018; Aprovado: Maio 17, 2019; Publicado: Junho 30, 2019]

DOI: https://doi.org/10.18256/2237-7956.2019.v9i1.3098

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