Cirurgião Dentista. Mestre em Ciências pela Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo.
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-5622-5581 | E-mail: [email protected]
Resumo
A Síndrome de Treacher Collins é um distúrbio do desenvolvimento de herança autossômica dominante e expressividade variável que ocorre, devido a um defeito genético com mutações no gene TCOF1, presente no cromossomo 5, que tem 26 éxons e codifica uma proteína chamada treacle. O objetivo desta pesquisa foi averiguar por intermédio de uma revisão de literatura as principais manifestações clínicas propiciadas pela síndrome em âmbito odontológico. Realizou-se revisão bibliográfica com busca nas bases de dados: PubMED e Google Acadêmico. Na base PubMED empregou-se a expressão de busca: treacher collins syndrome and dentistry and oral health. No Google Acadêmico utilizou-se a expressão de busca: síndrome de treacher collins and odontologia and saúde bucal. O diagnóstico, o tratamento bem como as orientações dispensadas aos pacientes acerca da enfermidade, devem ser precoces, e são importantes para o restabelecimento das funções mastigatória, estética e auditiva. Concluiu-se que as abordagens clínicas nesses pacientes devem ser precoces para minimizar eventuais danos e que as intervenções terapêuticas propostas visam melhorar a qualidade de vida dos pacientes acometidos pela síndrome.
Palavras-Chave: Anormalidades Congênitas; Fissura Palatina; Diagnóstico Precoce; Qualidade de Vida.
Abstract
Treacher Collins Syndrome is a disorder of the development of autosomal dominant inheritance and variable expressivity that occurs due to a genetic defect with mutations in the TCOF1 gene, present in chromosome 5, which has 26 exons and encodes a protein called treacle. The objective of this research was to investigate through a literature review the main clinical manifestations caused by the syndrome in the dental field. A bibliographic review was carried out with search in the databases: PubMED and Google Scholar. In the PubMED database the expression search was used: treacher collins syndrome and dentistry and oral health. In Google Scholar we used the search term: treacher collins syndrome and odontology and oral health. Diagnosis, treatment, and guidelines given to patients about the disease should be early and important for the reestablishment of masticatory, aesthetic and auditory functions. It was concluded that the clinical approaches in these patients should be early to minimize possible damages and that the proposed therapeutic interventions aim to improve the quality of life of the patients affected by the syndrome.
Keywords: Congenital Abnormalities; Cleft Palate; Early Diagnosis; Quality of Life.
A Síndrome de Treacher Collins (STC) ou Disostose Mandibulofacial ou Síndrome Franceschetti-Zwahlen-Klein, consta de doença genética caracterizada por deformidades craniofaciais (1-3,4,5). É um distúrbio do desenvolvimento de herança autossômica dominante e expressividade variável que provoca alterações bilaterais e simétricas de estruturas originadas do primeiro e segundo arcos branquiais e dos placódios nasais (6).
A síndrome deve-se a um defeito genético com mutações no gene TCOF1, presente no cromossomo 5, que tem 26 éxons e codifica uma proteína chamada treacle (3,7-9). É o gene TCOF1 que afeta o desenvolvimento facial (3,10).
Algumas entidades clínicas como a Síndrome de Godenhar ou Displasia Oculo-Auriculo-Vertebral; a Disostose Acrofacial de Nager e a Síndrome de Miller são diagnósticos diferenciais da STC (11). A síndrome pode ser perceptada já ao nascimento, dada à aparência facial característica do afetado (12).
O objetivo desta pesquisa foi averiguar por intermédio de uma revisão de literatura as principais manifestações clínicas propiciadas pela síndrome em âmbito odontológico.
Realizou-se revisão bibliográfica com busca nas bases de dados: PubMED e Google Acadêmico. Na base PubMED empregou-se a expressão de busca: treacher collins syndrome and dentistry and oral health e obteve-se 18 registros. No Google Acadêmico utilizou-se a expressão de busca: síndrome de treacher collins and odontologia and saúde bucal, totalizando aproximadamente 93 registros válidos.
Incluiu-se artigos nos idiomas inglês e português de periódicos nacionais e internacionais publicados nos últimos anos que versavam sobre as implicações odontológicas da síndrome de treacher collins. Selecionou-se as referências mais atualizadas para incluir na pesquisa.
Foram considerados válidos também apontamentos de teses que tinham conteúdo concernente com o pesquisado.
Dois novos genes foram designados como causadores da STC, somando-se ao TCOF1, são eles: o POLR1C e o POLR1D. Nesse contexto, sabe-se que cerca de 40% dos acometimentos pela síndrome são de origem hereditária, enquanto outros 60% são advindos de mutação nova (10,13).
Não existe predileção para acometimento pela síndrome por sexo ou raça. Este distúrbio é caracterizado por sinais como: inclinação antimongoloide das fissuras palpebrais; coloboma da pálpebra inferior; micrognatia; hipoplasia das arcadas zigomáticas; microtia; hipoplasia da maxila com fenda do palato secundário ou palato alto e arqueado e ausência de velum. As fendas labiais são raras. Os dentes podem ser hipoplásicos e mal posicionados. Devido ao desenvolvimento anormal dos ouvidos, olhos e mandíbulas ocorrem complicações, afetando a fala, audição, visão e paladar (2,14-16).
Os principais sintomas são perda auditiva, devido a deformidades no ouvido externo e médio, que conduz o som para as terminações nervosas; orelhas anormais ou ausência quase todal delas; pouco desenvolvimento dos ossos malares ou ausência deles; maxilar pequeno e inclinado; boca e nariz largos; defeito nas pálpebras inferiores e fenda palatina (17,18).
Sabe-se que devido à má formação óssea, os sujeitos com esta síndrome podem ter muita dificuldade em ouvir, respirar e em se alimentar. Ocorrem também algumas outras manifestações da síndrome na cavidade oral, como palato ogival e macrostomia uni ou bilateral (17,18).
Dentre as principais manifestações bucais da STC têm-se possivelmente presentes, dentes supranumerários impactados na região anterior superior; hipoplasia e alterações no posicionamento dos incisivos centrais superiores (19); micrognatia (20); displasia de articulação temporomandibular (ATM); limitação de abertura bucal; desvio da linha média; falta de oclusão do lado direito; sobremordida profunda; má oclusão de Classe II ou III (19); rotação e retrognatismo mandibular; rotação horária da maxila, prognatismo ou retrognatismo mandibular; rotação horária da maxila, prognatismo ou retrognatismo maxilar com relação à base do crânio e mordida aberta anterior (21, 22).
O diagnóstico, tratamento, bem como as orientações dispensadas aos pacientes acerca da enfermidade, devem ser precoces e são importantes para o restabelecimento das funções mastigatória, estética e auditiva (4,5). Normalmente, o tratamento enfatiza as possíveis complicações respiratórias e os problemas de alimentação, que estão presentes em decorrência da hipoplasia da mandíbula e da obstrução da hipofaringe pela língua (23).
Pode-se dividir em três épocas o tratamento empreendido para a STC, sendo considerada a primeira, abrangendo desde o período do nascimento até os dois anos, esta fase almeja prioritariamente sanar os problemas provocados, advindos de obstruções respiratórias e problemas de alimentação. Na segunda, que vai dos 02 aos 12 anos, almeja-se efetuar a reconstrução primária do terço superior da face; a efetivação da fala e o desenvolvimento social dos afetados. Já na terceira, que corresponde a faixa etária dos 13 aos 18 anos ocorre o término da reconstrução facial que foi iniciada na fase anterior, utilizando-se para tal de cirurgia ortognática, genioplastia e rinoplastia, entre outros recursos cirúrgicos (24).
Os indivíduos afetados com formas moderadas de disostose mandibulofacial podem não ter necessidade de tratamento (25). A STC apresenta características radiográficas próprias, incluindo a inclinação para baixo dos assoalhos das órbitas, contorno ósseo nasal estreito, processo zigomático do osso temporal aplásico ou hipoplásico, hipoplasia dos côndilos e processos coronoides e uma acentuada curvatura mandibular (26,27).
Alguns pacientes portadores podem possuir apneia noturna, advinda do retrognatismo proveniente da síndrome. Nessa situação, procede-se a distração vertical da mandíbula, visando aumento de espaço da via aérea posterior para produzir padrão respiratório noturno satisfatório. Além disso, pode-se empregar também para resolução desses casos, cirurgia ortognática juntamente com o avanço horizontal do mento, isso depois de findado o crescimento da face (23, 28, 29).
Deve haver uma abordagem multidisciplinar, com a intervenção de vários profissionais de saúde, tais como: cirurgiões crânio-faciais, oftalmologistas, fonoaudiólogos, cirurgiões dentistas, otorrinolaringologistas, psicólogos, dentre outros profissionais que possam vir a ser requisitados. Dentre os tipos de cirurgias corretivas empregados, têm-se a cirurgia de reparação da fenda palatina. É fundamental o acompanhamento desses pacientes por profissionais que cuidem da sua saúde bucal, com especial destaque aos ortodontistas, visando dessa forma assegurar a preservação das estruturas dentárias e a qualidade da alimentação dos pacientes (30).
Em 1996 identificou-se o gene que é o causador da STC, desde então foram verificados vários defeitos moleculares, que agem como causadores da STC. Esses defeitos em sua maioria são específicos para cada família em particular, o que dificulta o exame de detecção de mutações. Testes moleculares podem ser empregados na hipótese de ocorrer dúvida quando da determinação do diagnóstico para a síndrome. É importante ressaltar que houve progresso quanto à caracterização molecular dessa síndrome, no entanto, segue sem explicação a variabilidade de manifestações clínicas apresentada nessa doença, incluindo também indivíduos portadores e pertencentes a uma mesma família (10).
O tempo médio de vida do enfermo não se altera, a menos que coexistam malformações cardíacas ou renais graves. Na STC não ocorre acometimento do sistema nervoso central, desta forma o desenvolvimento do indivíduo ocorre normalmente. A estatura do portador geralmente é normal, sendo que na maioria das vezes as alterações são limitadas aos ossos e tecidos moles da face (25,31).
A má oclusão dentária é frequente, advinda da hipoplasia da mandíbula, acrescida de defeito no palato, que pode ser fendido, alto ou arqueado. Na maioria dos casos, a má oclusão dentária predominante é o apinhamento, principalmente por deficiências de bases ósseas (11,25-27,31). Nesse contexto, o tratamento odontológico, principalmente o ortodôntico terá papel de destaque, uma vez que trará inúmeros benefícios para os pacientes.
Sob o enfoque odontológico, verificou-se que comumente 37% dos portadores da STC são detentores de retroglossia e mordida aberta anterior provenientes de maloclusão oriunda de alterações articulatórias (32).
Observa-se atraso mental, apenas em alguns dos afetados pela síndrome. Esse fato pode ocorrer, devido a déficit auditivo. O reconhecimento precoce da deficiência auditiva e sua correção com utilização de prótese ou por cirurgia é de grande importância para o desenvolvimento do afetado (18).
Sob o enfoque médico, mais especificamente oftalmológico, convém frisar que a STC apresenta alterações oftalmológicas. As alterações mais frequentes são: estrabismo, ametropias e alterações palpebrais, dentre outras (33,34).
O papel desempenhado pelo médico na detecção da STC tem extremada importância para determinação de diagnóstico precoce, uma vez que o mesmo pode presenciar uma complexidade de malformações genéticas, nessa situação, este deve proceder a investigação e a suspeita diagnóstica de possíveis casos da STC (35).
A reabilitação plena dos indivíduos que possuem a STC constitui um desafio, uma vez que têm-se concomitantemente inúmeras estruturas faciais que necessitam de correções com procedimentos cirúrgicos a serem realizados oportunamente em idade adequada, visando dessa forma proceder sem provocar comprometimento em outros procedimentos que possam vir a ser adotados posteriormente (35).
Convém salientar que o tratamento da STC é longo, exigindo abordagem de equipe multidisciplinar para obter êxito (36,37). Existe a necessidade de realização de um maior número de estudos acerca dessa síndrome, visando aprimoramento das correções funcionais e estéticas a serem empregadas.
Concluiu-se que as abordagens clínicas nesses pacientes devem ser precoces para minimizar eventuais danos e que as intervenções terapêuticas propostas visam melhorar a qualidade de vida dos pacientes acometidos pela síndrome.
Journal of Oral Investigations, Passo Fundo, vol. 7, n. 2, p. 89-97, Jul.-Dez., 2018 - ISSN 2238-510X
[Recebido: Maio 03, 2018; Aceito: Junho 11, 2018]
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