1815

Ensino odontológico para pacientes especiais e gestão em saúde

Dental teaching for special patients and health management

Sérgio Spezzia(1); Silvia Regina Bertolini(2)

1 Cirurgião Dentista. Especialista em Gestão em Saúde pela Universidade Federal de São Paulo. Mestre em Ciências pela Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo. E-mail: [email protected]

2 Professora do Curso de Especialização em Gestão em Saúde da Universidade Federal de São Paulo. Mestre em Ciências pela Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo.

Resumo

As pessoas com necessidades especiais constituem uma população heterogênea portadora de grande variedade de deficiências físicas, mentais, neurológicas ou sociais. Sob o ponto de vista odontológico são aqueles indivíduos que necessitam de cuidados especiais por tempo indeterminado ou por parte de sua vida. São todos aqueles que apresentam condições debilitantes, que acarretam uma atenção maior por parte do cirurgião dentista. Muito se questiona sobre a forma adequada de manejo destes indivíduos e poucos são os profissionais interessados em suprir as suas carências odontológicas. O objetivo deste artigo foi verificar como procede a ministração da disciplina de pacientes especiais nos cursos de graduação em Odontologia e averiguar como estão sendo feitas as adequações no Sistema Único de Saúde (SUS), no intuito de viabilizar os atendimentos odontológicos prestados a esse público de pacientes através de capacitação profissional. Medida posta em prática para resolução dos problemas de insuficiência profissional no atendimento dos pacientes especiais pelos cirurgiões dentistas, foi a de promover a Capacitação de Profissionais da Odontologia Brasileira Vinculados ao SUS para a Atenção e o Cuidado da Saúde Bucal da Pessoa com Deficiência. Concluiu-se que a disciplina de Pacientes Especiais na maioria das vezes é eletiva ou inexiste no período de graduação odontológica, o que requer a instituição de investimentos pelo SUS na realização de cursos para capacitação profissional, visando suprir essa deficiência e normalizar os atendimentos a esses pacientes, perante a realidade existente, por sua vez a onerosidade dos gastos dispendidos pelo governo poderiam ser evitados, estruturando-se adequadamente a grade curricular, inserindo a disciplina de pacientes especiais com caráter obrigatório.

Palavras-chave: Odontologia, Ensino, Capacitação Profissional, Assistência à Saúde

Abstract

People with special needs constitute a heterogeneous population with a great variety of physical, mental, neurological or social disabilities. From the dental point of view are those individuals who need special care indefinitely or for part of their life. They are all those that present debilitating conditions, that bring greater attention on the part of the dentist surgeon. Much is questioned about the appropriate management of these individuals and few professionals are interested in meeting their dental needs. The objective of this article was to verify how the discipline of special patients is managed in undergraduate courses in Dentistry and to investigate how the adjustments are being made in the Unified Health System (SUS), in order to enable the dental care provided to this patient public through Training. Measure put into practice to solve the problems of professional insufficiency in the care of the special patients by dental surgeons, was to promote the Training of Brazilian Dentistry Professionals Linked to SUS for the Care and Oral Health Care of the Person with Disabilities. It was concluded that the discipline of Special Patients is most often elective or nonexistent during the dental graduation period, which requires the institution of investments by the SUS in the accomplishment of courses for professional qualification, aiming to supply this deficiency and normalize the attendance to these Patients, faced with the existing reality, in turn the onerosity of the expenditures expended by the government could be avoided, structuring the curriculum properly, inserting the discipline of special patients with a mandatory character.

Keywords: Dentistry, Teaching, Professional Training, Delivery of Health Care

Introdução

As pessoas com necessidades especiais constituem uma população heterogênea portadora de grande variedade de deficiências físicas, mentais, neurológicas ou sociais. Devido à sua dependência e à sua vulnerabilidade, estas pessoas apresentam maior suscetibilidade a distúrbios bucais e a outras comorbidades passíveis de comprometer a sua qualidade de vida, necessitando, portanto, da assistência temporária ou permanente de vários especialistas na área da saúde e em alguns casos, de adaptações especiais em seu ambiente escolar e social (1,2).

O termo “portadores de necessidades especiais” é a definição dada pela International Association of Dentistry for Disabilities and Oral Health. O Ministério da Saúde, entretanto emprega o termo “portador de deficiência” (3).

Sob o ponto de vista odontológico os pacientes com necessidades especiais são aqueles indivíduos que necessitam de cuidados especiais por tempo indeterminado ou por parte de sua vida. São todos aqueles que apresentam condições debilitantes, que acarretam uma atenção maior por parte do cirurgião dentista. Muito se questiona sobre a forma adequada de manejo destes indivíduos e poucos são os profissionais interessados em suprir as suas carências odontológicas (4,5).

Na Odontologia é considerado paciente portador de necessidades especiais todo usuário que apresente uma ou mais limitações, temporárias ou permanentes, de ordem mental, física, sensorial, emocional, de crescimento ou médica, que o impeça de ser submetido a uma situação odontológica convencional. As razões das necessidades especiais são inúmeras, incluindo desde doenças hereditárias, defeitos congênitos, até as alterações que ocorrem durante a vida, como moléstias sistêmicas, alterações comportamentais e envelhecimento, entre outros. Esse conceito é amplo e no Brasil abrange, entre os diversos casos que requerem atenção diferenciada, as pessoas com deficiência visual, auditiva, física ou múltipla (conforme definidas nos Decretos Leis 3296/99 e 5296/04), que eventualmente precisam ser submetidas à atenção odontológica especial (6).

Os pacientes com necessidades especiais em Odontologia podem ser classificados em 9 grupos: deficiência mental; deficiência física (como a paralisia cerebral, acidente vascular encefálico, lesão medular); anomalias congênitas (malformações, deformidades, síndromes malformativas); distúrbios comportamentais (autismo); transtornos psiquiátricos (esquizofrenia); distúrbios sensoriais e de comunicação (deficiência auditiva, visual e de fala); doenças sistêmicas crônicas (diabete melito, cardiopatias, doenças hematológicas, transtornos convulsivos, insuficiência renal crônica); doenças infectocontagiosas (pacientes HIV-positivos, hepatites virais, tuberculose); condições sistêmicas (pacientes irradiados em região de cabeça e pescoço, pacientes submetidos a transplante de órgãos, pacientes imunossuprimidos por medicamentos) (7).

O atendimento dos pacientes com necessidades especiais exige cuidados especiais específicos que comportam as reais necessidades dos mesmos. Essa atenção compreende desde procedimentos clínicos para a reabilitação da saúde bucal do paciente, até questões que ultrapassam o conhecimento específico da área de Odontologia (8,9).

Convém salientar, que foram normatizadas as abordagens clínicas do cirurgião dentista no atendimento a esses pacientes. Em conformidade com a Resolução nº.25/2002, Art. 4º, do Conselho Federal de Odontologia (CFO), publicada no Diário Oficial da União são áreas de competência do especialista em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais: prestar atenção odontológica aos pacientes com graves distúrbios de comportamento e emocionalmente perturbados; prestar atenção odontológica aos pacientes que apresentam condições incapacitantes, temporárias ou definitivas de nível ambulatorial, hospitalar ou domiciliar; aprofundar estudos e prestar atenção aos pacientes que apresentam problemas especiais de saúde com repercussão na boca e estruturas anexas (10).

No contexto da assistência pública odontológica, os pacientes com necessidades especiais detêm características clínicas peculiares e abrangem grande parcela do contingente atendido pelos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO), possuindo papel de destaque, dentre os atendimentos prestados.

O objetivo deste artigo foi verificar como procede a ministração da disciplina de pacientes especiais nos cursos de graduação em Odontologia e averiguar como estão sendo feitas as adequações no SUS, no intuito de viabilizar os atendimentos odontológicos prestados a esse público de pacientes através de capacitação profissional.

Revisão de Literatura

Ensino Odontológico para Pacientes Especiais

Problema grave intrínseco aos pacientes especiais relaciona-se ao encaminhamento desenfreado desses pacientes de um profissional para outro de forma desnecessária, muitas vezes, advindo de conhecimento teórico escasso acerca do assunto e de falta de habilidades clínicas, o que ocasiona insegurança quando das condutas clínicas frente a esses pacientes e não atendimento. O não atendimento é que gera os encaminhamentos desses pacientes, que acabam em decorrência desse fluxo, por não receber o tratamento adequado, podendo haver repercussões em sua saúde bucal e em sua qualidade de vida (11-14).

Sob o ponto de vista da Academia e relacionado as práticas de ensino decorre que várias Faculdades de Odontologia tem como meta que seus alunos alcancem determinado grau de competência para tratar os pacientes especiais, bem como os pacientes com incapacidades e infecções, entretanto, o número dessas instituições de ensino ainda é reduzido. Nesse contexto, frequentemente esses pacientes são reencaminhados, resultado da falta de instrução, de habilidade clínica limitada e de insuficiência de conhecimento adquirido por parte desses profissionais contactantes (15).

Existem alguns motivos que impedem o cirurgião dentista de prestar atendimento a esse público de pacientes. São eles: qualificação deficiente, tanto na Graduação, como na Pós-Graduação, acarretando em pouca preparação profissional e em desinteresse por parte dos profissionais para com esses pacientes; falta de integração entre as áreas de saúde com inexistência de prática clínica fundamentada na educação e prevenção; locais de atendimento de difícil acesso, que geram custos onerosos aos pacientes quanto a sua locomoção; limitações financeiras; problemas com a auto-imagem; ignorância ou negligência voltada a manutenção da saúde bucal desses pacientes, tanto das instituições acolhedoras, como dos pais e/ou responsáveis por esses indivíduos e cuidados especiais que são requeridos quando do atendimento em si desses pacientes, que podem alterar a rotina dos consultórios, incomodar os demais pacientes e exigir tempo para tratamento adicional, que não pode ser remunerado, portanto, que é causador de prejuízo (16).

Na formação para a área de saúde têm-se o conceito de quadrilátero na formação, envolvendo: ensino, gestão, atenção e controle social. Esse quadrilátero é importante no ato da construção e organização de uma gestão da educação na saúde integrante da gestão do sistema de saúde, agindo no redimensionamento da imagem dos serviços como gestão e atenção em saúde, valorizando o controle social (17).

Os cursos de Graduação em Odontologia devem adequar-se e proceder a mudanças em sua grade curricular para tornar possível formar profissionais capacitados a atenderem as necessidades de saúde da população e do SUS. As Diretrizes Curriculares atuam nesse sentido, promovendo inter-relação entre saúde e educação, assumindo papel estratégico para aperfeiçoamento do SUS. Um fator a ser considerado em separado, entretanto, advém do clamor popular por melhores serviços de saúde (18).

As instituições de ensino superior (IES) no Brasil, incluindo Faculdades de Odontologia são reguladas pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) (19). Na área do ensino odontológico, a ministração da disciplina de pacientes com necessidades especiais não é obrigatória por lei (20). Desde o advento da referida lei em 1996, as universidades passaram a optar por incluir ou não determinadas disciplinas não obrigatórias em suas grades curriculares. Pode-se afirmar ainda, que os conteúdos ministrados, advindo dessa prática, podem diferir de faculdade para faculdade, podendo uma mesma disciplina apresentar características específicas quanto ao nome pelo qual ela é designada, quanto a sua duração e quanto ao número de docentes que é empregado, inferindo também sobre o número de alunos a ser selecionado para assistir as aulas. No mais, o conteúdo programático e a bibliografia recomendada também podem variar de instituição para instituição (21).

No campo da Odontologia, a resolução no. 3 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior de 19 de fevereiro de 2002, estabeleceu as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Odontologia, firmando os conteúdos básicos e imprescindíveis para que o futuro profissional desenvolva aprendizado suficiente. Entre as mudanças apontadas por estas Diretrizes encontram-se: capacidade de formação de um profissional crítico capaz de questionar, trabalhar em equipe, levando em conta a realidade social; deve ser priorizada a saúde universal com qualidade e com ênfase na promoção de saúde e prevenção de doenças; o profissional a ser formado deve ser generalista com sólida formação técnico científica orientada para a promoção de saúde; o Curso de Graduação em Odontologia deve ter um projeto pedagógico, construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e apoiado no professor como facilitador e tutor do processo ensino-aprendizagem. Este projeto pedagógico deverá buscar a formação integral e adequada do estudante através de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência (22,23). Ocorre, porém que existe a possibilidade inerente das faculdades ministrarem ou não disciplinas ditas não obrigatórias, como no caso da disciplina de Pacientes Especiais (18). Na área do ensino odontológico, a disciplina de Pacientes Especiais não é obrigatória e o atual perfil que ela ocupa nas Faculdades de Odontologia, advém de alguns parâmetros que foram implantados e que foram causando influências, amoldando dessa forma algumas características que se tornaram intrínsecas dessa disciplina. Averiguou-se que as IES existentes em nosso país, incluindo as Faculdades de Odontologia devem operar preferencialmente em conformidade com o artigo 53, II, da lei no. 9.394/96 contida na LDB (19).

Existem Faculdades de Odontologia que fornecem o conteúdo relacionado a pacientes especiais a seus alunos na modalidade obrigatória, no entanto, existem outras que oferecem esse conteúdo programático sob forma optativa. Ocorre nesse caso, predomínio dessa disciplina com ministração de aulas sob forma teórico-clínica, no mais apenas um número bastante reduzido de faculdades profere aulas de cunho única e exclusivamente teórico (24).

Muitas instituições em suas grades curriculares sequer possuem a disciplina voltada para pacientes especiais e em outras instituições essa disciplina figura como optativa, podendo dessa forma logicamente, haver ou não contato com o aluno. Além disso, a carga horária total gira em torno de 60 a 68 horas, o que é pouco, levando-se em consideração a estruturação da formação profissional que deve ser propiciada (24,25).

Gestão em Saúde e Capacitação pelo SUS

Na Constituição Brasileira de 1988, o capítulo que define o SUS, traz consigo um marco regulatório: “Compete à gestão do Sistema Único de Saúde o ordenamento da formação de recursos humanos da área da Saúde, bem como o incremento, na sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico” (26).

Medida posta em prática para resolução dos problemas de insuficiência profissional no atendimento dos pacientes especiais pelos cirurgiões dentistas, foi a de promover a Capacitação de Profissionais da Odontologia Brasileira Vinculados ao SUS para a Atenção e o Cuidado da Saúde Bucal da Pessoa com Deficiência. Objetivou-se realizar cursos de capacitação para profissionais integrantes das equipes de saúde bucal do SUS, incluindo cirurgiões dentistas e auxiliares de saúde bucal, bem como para cirurgiões dentistas pertencentes aos CEO (27).

Esses cursos vem sendo desenvolvidos em universidades federais, a exemplo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no intuito de complementar o Projeto Político Pedagógico empregado nos cursos de graduação desse público, possuindo 160 horas/aula, das quais 120 horas pertinentes a módulos teóricos são ministradas à distância e 40 horas relacionadas com o módulo clínico-assistencial são realizadas presencialmente. Findado o conteúdo teórico do curso ocorrem orientações presenciais sob responsabilidade das Secretarias Estaduais de Saúde e Coordenadores Estaduais da Capacitação. Nos encontros presenciais em que ocorrem os atendimentos às pessoas com deficiência, a participação é obrigatória. O período de duração desse curso pode abranger até 7 meses.

São Diretrizes do curso: estimular ampla discussão e reflexão sobre o processo de trabalho em saúde e a realidade social dos trabalhadores-estudantes; desenvolver o curso de acordo com os princípios da educação no trabalho, estimulando a troca de experiências entre os estudantes, professores, tutores e os profissionais que estão no serviço, possibilitando a reflexão da prática e a criação de espaços para aproximação e integração ensino-serviço; desenvolver experiência no uso de novas tecnologias educacionais, na qual os estudantes sejam responsáveis pela sua aprendizagem, propiciando uma formação crítico-reflexiva; propiciar avaliações participativas para que, professores, tutores e estudantes sejam coparticipantes na formação para atuação no SUS. Todas essas atividades visam complementar o conteúdo inerente ao Projeto Político Pedagógico da graduação em Odontologia desses profissionais.

Dentre os conhecimentos a serem adquiridos, temos: evolução conceitual; classificação das deficiências; políticas de inclusão da pessoa com deficiência; principais deficiências e síndromes de interesse odontológico; principais alterações fisiopatológicas com repercussões na atenção e cuidado da saúde bucal e promoção da saúde destinada aos pacientes com deficiência.

Dentre as habilidades a serem desenvolvidas, incluem-se: analisar sob o enfoque da criticidade histórica a evolução dos conceitos; descrever os benefícios imediatos e mediatos do conhecimento da classificação; conhecer as políticas de inclusão para as pessoas com deficiência; descrever e analisar as principais deficiências e síndromes de interesse odontológico; descrever as principais repercussões das deficiências e síndromes na atenção e cuidado da saúde bucal e definir estratégias para a promoção de saúde.

Relacionado as competências almejadas, têm-se: valorizar a atenção e o cuidado da pessoa com deficiência, justificando-as a partir do seu conceito de inclusão em saúde; estar apto a explicar a necessidade de atendimento competente à pessoa com deficiência, em linguagem científica e não científica, de acordo com os princípios éticos; buscar dados e reconhecer as etiologias das principais deficiências e síndromes de interesse odontológico e estar apto a implementar um programa de atenção e cuidado à saúde bucal das pessoas com deficiência.

Para os cirurgiões-dentistas, o curso está estruturado em 11 módulos teóricos e 1 módulo clínico-assistencial (28,29).

Discussão

Sob o enfoque do papel a ser desempenhado pelo gestor agora no contexto do SUS, o sistema de planejamento do SUS almeja captar o conhecimento, a compreensão, os diferentes pontos de vista, as percepções diversas e as variadas maneiras de perceber o planejamento na esfera da gestão em que ela ocorre, podendo ainda por intermédio dessa função identificar a necessidade de investimentos, capacitação, atualização, aperfeiçoamento, buscando progresso na construção e consolidação do planejamento na esfera do SUS (30).

No processo de construção do SUS é razoável o investimento feito na educação para o setor. A educação pode empreender mudanças, trabalha-se com a cognição e com as subjetivações, devido ao fato, práticas pedagógicas podem obter indivíduos implicados com a produção do cuidado. Na prática sob a perspectiva de gestores e profissionais de saúde constata-se, entretanto, que tal investimento não tem surtido mudanças efetivas na promoção dos cuidados (30).

O SUS objetiva, entretanto, promover modificação no modelo de atenção dominante e almeja instituir um projeto que seja diferente do modelo biomédico hegemônico para que não continue ocorrendo consumo de recursos no esforço da construção de perfis profissionais adequados por intermédio de cursos de capacitação, que possuem como meta fornecer o conteúdo programático que não foi ofertado pelos cursos de graduação (30).

A realidade dos atendimentos na área de saúde, advém de determinação do SUS e das instituições formadoras na área de saúde. Constitui função de ambas as partes coletar, sistematizar, analisar e interpretar constantemente informações sobre a realidade vigente, bem como problematizar o trabalho e as organizações de ensino e de saúde, construindo significados e práticas com orientação social, através de participação de gestores setoriais, formadores, usuários e estudantes (30).

Os cursos de Graduação em Odontologia devem adequar-se e proceder a mudanças em sua grade curricular para tornar possível formar profissionais capacitados a atenderem as necessidades de saúde da população e do SUS. As Diretrizes Curriculares atuam nesse sentido, promovendo inter-relação entre saúde e educação, assumindo papel estratégico para aperfeiçoamento do SUS. Um fator a ser considerado em separado, entretanto, advém do clamor popular por melhores serviços de saúde.

O ensino superior é regido pelas diretrizes firmadas pela Constituição Federal de 1988 e pela LDB da Educação Nacional (Lei no. 9.394 de 1996), como também pela Lei no. 9.135 de 1995, criadora do Conselho Nacional de Educação, além disso inúmeros outros decretos, portarias e resoluções atuam normatizando a prática do ensino no Brasil (19).

A LDB da Educação Nacional possui conteúdo voltado ao ensino superior no capítulo IV, artigos 43 a 57, estabelecendo que o ensino superior deve ter finalidade de estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico, bem como do pensamento reflexivo; incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica; promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos; suscitar o desejo de aperfeiçoamento cultural e profissional; estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular, os nacionais e regionais; promover a extensão, entre outros (19).

O Conselho Federal de Educação pela Resolução nº 4 de 03 de setembro de 1982, estabeleceu o conteúdo mínimo para os Cursos de Graduação de Odontologia com 3.600 horas/aula, visando a formação de um profissional generalista. Essa carga horária deve ser desenvolvida em 8 semestres, podendo, no entanto, ocorrerem variações, dependendo do período (matutino, vespertino ou noturno) em voga, nessa situação, podendo desenvolver-se o curso em 9 ou 12 semestres (31).

A grade curricular dos Cursos de Odontologia encontra-se em modernização com finalidade de promover adequação voltada para o mercado de trabalho e para as reais necessidades da população. Busca-se instituir mudanças que propiciem um método de ensino que seja capaz de dotar o aluno de empreender a autogestão do seu conhecimento.

A Organização Mundial de Saúde estima que cerca de 10% da população de qualquer país em tempo de paz é portadora de algum tipo de deficiência, das quais: 5% é portadora de deficiência mental; 2% de deficiência física; 1,5% de deficiência auditiva; 0,5% de deficiência visual; e 1% de deficiência múltipla (32). Com base nesses percentuais, estima-se que no Brasil existam 24,5 milhões de pessoas portadoras de deficiência. O dimensionamento da problemática da deficiência no Brasil, tanto em termos qualitativos quanto quantitativos, é muito difícil em razão da inexistência quase total de dados e informações de abrangência nacional que retratem de forma atualizada a realidade do país (33).

Essa população está inclusa no grupo de vulneráveis, que pertencem a uma minoria de pessoas, que devido a motivos vários possuem acesso, participação e/ou oportunidade igualitária dificultosa ou possuem impedimento ao acesso a bens e serviços universais, que são direitos da população em geral (34).

Muitas vezes temos acúmulo de necessidades de tratamento para esse grupo de pacientes, tais como: presença de cáries extensas com comprometimento pulpar e grande perda de estrutura dental; doenças periodontais e maloclusões. Ocorre comumente demora no encaminhamento desses pacientes para cuidados odontológicos. Geralmente ocorre desestruturação familiar frente a demanda de cuidados que exige um indivíduo com necessidades especiais, além disso pode haver urgência para outros tratamentos de saúde, sejam eles médicos, fisioterapêuticos, fonoaudiológicos, entre outros, o que ocasiona o adiamento ou o negligenciamento do tratamento odontológico (35).

Relacionado a saúde bucal, existe grande heterogeneidade nesse grupo, o que dificulta a quantificação e a qualificação da demanda por atendimento especializado. Procede a falta de dados epidemiológicos nacionais capazes de identificar o perfil do paciente especial que efetivamente precisa de atendimento diferenciado, o que torna dificultosa a elaboração de políticas públicas para esse grupo (36).

Pessoas com necessidades especiais apresentam problemas bucais de grande importância e enfrentam inúmeras dificuldades para encontrar os serviços apropriados às suas demandas, destacando-se, entre outras causas, barreiras arquitetônicas, limitações financeiras, medo, ignorância ou negligência em relação à saúde bucal e, principalmente, carência de profissionais qualificados e interessados em tratar tais pacientes (37,38).

A implantação de uma disciplina acadêmica com cunho clínico, que seja detentora de diretrizes curriculares voltadas para a educação em cuidados especiais na Odontologia no Brasil e no mundo tende a promover desenvolvimento nos atendimentos a saúde prestados. Levando em consideração as reinvindicações de educadores de todo o mundo, a Comissão de Educação da International Association for Disability and Oral Health (IADH) iniciou a elaboração de uma orientação curricular voltada para a Graduação em Odontologia, onde constava a disciplina de Pacientes com Necessidades Especiais, utilizando pareceres consensuais dos principais especialistas nessa disciplina pertencentes a 32 países. Esse manifesto gerou um documento que foi lançado no Congresso da IADH de 2012 em Melbourne na Austrália, cuja proposta curricular propiciava uma aprendizagem baseada em evidências (39).

Conclusão

Concluiu-se que a disciplina de Pacientes Especiais na maioria das vezes é eletiva ou inexiste no período de graduação odontológica, o que requer a instituição de investimentos pelo SUS na realização de cursos para capacitação profissional, visando suprir essa deficiência e normalizar os atendimentos a esses pacientes, perante a realidade existente, por sua vez a onerosidade dos gastos dispendidos pelo governo poderiam ser evitados, estruturando-se adequadamente a grade curricular, inserindo a disciplina de pacientes especiais com caráter obrigatório.

Referências

  1. 1. Needlman RD. Crescimento e Desenvolvimento. In: Behrman RE, Kliegman RM, Arvin AM. Tratado de Pediatria. 15a. ed. Rio de janeiro: Guanabara Koogan, 1997. p. 148-51.
  2. 2. Scully C, Kumar N. Dentistry for those requiring special care. Prim Dent Care, 2003; 10(1):17-22.
  3. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Assistência Odontológica Integrada ao Paciente Especial. Brasília: Ministério da Saúde, SNAS, 1992. 23p.
  4. 4. Guedes-Pinto AC. Odontopediatria. 4a. ed. São Paulo: Ed. Santos; 1993.
  5. 5. Sigal A. Time to improve access to oral health care for persons with special needs. J Can Dent Assoc, 2009; 75(7):517-9.
  6. 6. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 599/GM de 23 de março de 2006. Define a implantação de Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) e de Laboratório Regionais de Próteses Dentárias (LRPD) e estabelece critérios, normas e requisitos para o seu credenciamento. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.
  7. 7. Sabbagh-Haddad A, Magalhães MGH. Introdução. In: Sabbagh-Haddad A. Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais. São Paulo: Santos; 2007. p. 5-10.
  8. 8. Grusven Van MFV, Cardoso EBT. Atendimento Odontológico em Crianças com Necessidades Especiais. Rev APCD, 1995; 49(5):364-9.
  9. 9. Silva ZCM, Pagnoncelli SD, Weber JBB, Fritscher AMG. Avaliação do Perfil dos Pacientes com Necessidades Especiais da Clínica de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da PUCRS. Rev Odonto Ciência Fac Odontol PUCRS, 2005; 20(50):313-8.
  10. 10. Resolução Conselho Federal de Odontologia (CFO) – 25/2002, p. 2. Diário Oficial da União. Seção I, de 28/05/2002. p. 148-9.
  11. 11. Stiefel DJ, Truelove EL, Jolly DE. The preparedness of dental professionals to treat persons with disabling conditions in long-term care facility and community settings. Spec Care Dentist, 1987; 7(3):108-13.
  12. 12. Nunn JH, Murray JJ. Dental Care of Handicapped Children by General Dental Practitioners. J Dent Educ,1988; 52(8):463-5.
  13. 13. Album MM. The philosophy of dental care of the handicapped: past, present, and future. Spec Care Dentist, 1990; 10(4):129-32.
  14. 14. Soar Filho EJ. A interação médico-cliente. Rev Assoc Med Bras, 1998; 44(1):35-42.
  15. 15. Friedman RB. Referral of the handicapped, disabled or infectious patient. Spec Care Dentist,1990; 10(5):169-72.
  16. 16. Waldman HB, Perlman SP, Swerdloff M. What if dentists did not treat people with disabilities? ASDC J Dent Child,1998; 65(2):96-101.
  17. 17. Ceccim RB, Feuerwerker LCM. O Quadrilátero da Formação para a Área da Saúde: Ensino, Gestão, Atenção e Controle Social. PHYSIS: Rev Saúde Coletiva, 2004; 14(1):41- 65.
  18. 18. Brasil. Ministério da Educação. Resolução n° CNE/CES 3/2002 de 19 de fevereiro de 2002. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Farmácia e Odontologia. Diário Oficial, Brasília, 4 mar 2002, seção 1, p. 10.
  19. 19. Brasil. Ministério da Educação. Lei no. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: URL: http://www.mec.gov.br. Acessado em 16 de janeiro de 2017.
  20. 20. Brasil. Ministério da Educação. Instituição de Ensino Superior. 2014. Disponível em: http://emec.mec.gov.br. Acessado em 17 de janeiro de 2017.
  21. 21. Carvalho ACP. Educação e Saúde em Odontologia – Ensino da prática e prática do ensino. São Paulo: Ed. Santos, 1995.
  22. 22. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CES/CNE nº 03 – DCN/Odontologia, 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Odontologia. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES032002.pdf. Acessado em 19 de janeiro de 2017.
  23. 23. Porto LC, Weiler RME, Schneider Filho D, Spezzia S, Vitalle MSS. Avaliação das Competências dos Cirurgiões Dentistas que Atuam nas Equipes de Saúde da Família no Município de São Paulo na Percepção dos Gerentes das Unidades Básicas de Saúde. Rev Uningá Review, 2015; 22(3): 16-22.
  24. 24. Fassina AP. Análise das Disciplinas de Pacientes Portadores de Necessidades Especiais nas Faculdades no Brasil em 2005. [Dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, 2006.
  25. 25. Spezzia S, Vieira SMCPAC, Takaoka LAMV, Teixeira RBM, Goulart AL, Kopelman BI. Pacientes com necessidades especiais – da regulamentação pública ao ensino odontológico. J Health Sci Inst, 2015; 33(2):140-3.
  26. 26. Brasil. Constituição. Constituição: República Federativa do Brasil 1988. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico. 1988, 292p.
  27. 27. Atenção e Cuidado da Saúde bucal da pessoa com deficiência: protocolos, diretrizes e condutas para cirurgiões-dentistas / Organização de Arnaldo de França Caldas Jr. e Josiane Lemos Machiavelli. – Recife: Ed. Universitária, 2015. 231 p.
  28. 28. UFPE inicia a Capacitação de Profissionais da Odontologia Brasileira Vinculados ao SUS para a Atenção e o Cuidado da Saúde Bucal da Pessoa com Deficiência, 2013. Disponível em: https://www.ufpe.br/agencia/clipping/index.php?option=com_content&view=article&id=13955:ufpe-inicia-a-capacitacao-de-profissionais-da-odontologia-brasileira-vinculados-ao-sus-para-a-atencao-e-o-cuidado-da-saude-bucal-da-pessoa-com-deficiencia&catid=615&Itemid=243 Acessado em 19 de janeiro de 2017.
  29. 29. UNA-SUS UFPE lança novo curso para equipes de saúde bucal. UFPE, 2017. Disponível em: http://sabertecnologias.com.br/?p=3229. Acessado em 19 de janeiro de 2017.
  30. 30. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Subsecretaria de Planejamento e Orçamento. Sistema de Planejamento do SUS: uma construção coletiva : monitoramento e avaliação : processo de formulação, conteúdo e uso dos instrumentos do PlanejaSUS / Ministério da Saúde, Secretaria-Executiva, Subsecretaria de Planejamento e Orçamento. – Brasília : Ministério da Saúde, 2010. 76 p.
  31. 31. Brasil. Ministério da Educação. Carga horária mínima dos cursos de graduação, bacharelados, na modalidade presencial de 11 de novembro de 2004. Disponível em: URL: http://www.abeno.org.br. Acessado em 20 de janeiro de 2017.
  32. 32. OMS. Classificacion internacional de las deficiencias actividades e participacion: um manual de las dimensiones de la inhabilitacion e su funcionamento. Genebra. 1997. Versão preliminar.
  33. 33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2008. 72 p.
  34. 34. Pessini L, Bartalotti CC. Atenção às populações vulneráveis: desafio para os profissionais de saúde. O Mundo da Saúde, São Paulo, 2014; 38(2):127-8.
  35. 35. Schmidt MG. Avaliação da Cárie Dentária, Níveis de Estreptococos do grupo Mutans e Capacidade Tampão da Saliva em Crianças Portadoras de Síndrome de Down na Faixa Etária de 6 a 14 Anos. [dissertação]. São Paulo: Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, 1995.
  36. 36. Tomita NE, Fagote BF. Programa Educativo em Saúde Bucal para Pacientes Especiais. Odontol Sociedade,1999; 1(1/2):45-50.
  37. 37. Waldman HB, Perlman SP. Children with disabilities are aging out of dental care. ASDC J Dent Child,1997; 64(6):385-90.
  38. 38. Mouradian W, Corbin S. Addressing Health Disparities through Dental - Medical Collaborations, part II. Cross-special Themes in the Care of Special Population. J Dent Educ, 2003; 67(12):1320-6.
  39. 39. Odonto Magazine. Ensino em Odontologia para Pacientes Especiais. O Relatório Global sobre Deficiência da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Banco Mundial foi publicado em junho de 2011. Rev OdontoMagazine. Disponível em: http://www.odontomagazine.com.br/2013-06-ensino-em-odontologia-para-pacientes-especiais-11921 Acessado em 19 de janeiro de 2017.

Journal of Oral Investigations, Passo Fundo, vol. 6, n. 1, p. 85-98, Jan.-Jun., 2017 - ISSN 2238-510X

DOI: http://dx.doi.org/10.18256/2238-510X/j.oralinvestigations.v6n1p85-98

Endereço correspondente / Correspondence address

Sérgio Spezzia

Rua Silva Bueno, 1001

São Paulo - SP

CEP: 04208-050

Como citar este artigo / How to cite item: clique aqui! / click here!

Refbacks

  • There are currently no refbacks.




Journal of Oral Investigations - JOI (ISSN 2238-510X)
Faculdade Meridional – IMED – www.imed.edu.br
Rua Senador Pinheiro, 304 – Bairro Cruzeiro, 99070-220 – Passo Fundo - RS - Brasil 
Tel.: +55 54 3045 6100

 Licença Creative Commons

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.

 Indexadores

 BVS_Odontologia.png DOAJ.jpg googlelogo_scholar.png
 
latindex.jpg
 SHERPA-RoMEO-long-logo.gif
 
  Diadorim.jpg
 
 
logos_DOI_CrossRef_CrossChek.png